segunda-feira, 24 de agosto de 2020

24 de Agosto de 1820

 Manoel Fernandes Thomaz (1771-1822)

Porque tenho no meu nome, como consta no bilhete de identidade, o apelido Fernandes Tomaz (com o passar do tempo caiu o H mas manteve-se o Z) não poderia deixar passar  a data do bicentenário da revolução Liberal, sem uma referência ao meu antepassado. A minha avó materna era Fernandes Thomaz e natural da Figueira da Foz. Curiosamente o aniversário da minha mãe era o dia 24 de Agosto).

Eu e os meus irmãos e irmãs não usamos esses apelidos (a não ser em documentos oficiais em que se exigia o nome completo) porque fomos educados a criar a nossa própria personalidade sem recorrer aos nomes de família, facto pelo qual também lutou Manoel Fernandes Thomaz e os revolucionários de 1820 ao criarem a Constituição de 1822.


 

Luiz António (?-?) e Constantino de Fontes (1777-1835/40), Estampa Constitucional. O Triumpho maior da Luzitania.
Água-forte e buril, p&b ; 38,8 x 25,4 cm. 1821. BNP.

 

São muitas e conhecidas as imagens da Revolução Liberal. Por isso escolhi esta Estampa Constitucional (talvez menos conhecida) de 1821. Esta gravura pretendia difundir na população a conquista de uma Constituição que consagrasse os objectivos da revolução liberal.

É por isso algo conservadora (em relação à Monarquia) e porque se dirige à população da capital - já que era vendida numa loja de bebidas - procura “puxar” a revolução para Lisboa (apesar das referências à cidade do Porto e ao Douro). Tem duas referências a Manoel Fernandes Thomaz (em medalhões que sublinhei a vermelho).



A gravura apresenta na parte inferior o seguinte texto:

A prezente alegoria demonstra, Portugal 1 intimando a Minerva que lhe pantentee os nomes dos Heroes escolhidos para pôr em practica o seu plano: a Deuza lhe mostra em hum livro 2 todos os Illustres, e Beneméritos Varões que se devem unir pª formar as Cortes da Constituição. Por sima do Throno está a Esffígie de Nosso Augusto Soberano 3 e nas Columnas que a Sustentão se vêm escriptos em medalhas os sempre memoráveis nomes dos Illustres Heroes Portugezes que formaram o novo Governo. Hum Genio com este dístico em uma fita – O Triumpho maior da Luzitania. Em lugar idóneo se deixão ver as duas Cidades personalizadas Lisboa 4 e Porto 5 dando as mãos em sinal da mais perfeita harmonia e união. A Tropa entrando na Capital por baixo de hum grande arco Triumphal, que tem nas Columnas que o sustentão grandes medalhas com os nomes do Heroes do Douro e Tejo. A Nação 6 manda escrever à figura da História 7 este memorável Triumpho. A figura da Genealogia 8 tem na cabeça o tronco da Real Caza de Bragança onde se vê a Coroa de Sua majestade o Senhor D. João VI e do Príncipe Real e de sua Augusta Neta: mostra este tronco os Bemaventurados Fructos que todos devemos esperar detão Virtuosa e Soberana Família. Observa-se o Tejo junto de huma figura alegórica, e diversos Génios oferecendo os seus donativos ao Governo Supremo 9 e Marte ao lado direito do quadro 10 mostrando o incomparável valor da distinta Nação Portugueza que elle sempre escudou e hade eternamente proteger para assombro a admiração de todo o Orbe.

Vende-se na Loja de Bebidas de Manoel da Silva de fronte do Chafariz da Alegria N.º 56 I.

Está assinada Luiz Ant.º inv. Em 1821 e Constantino Esc. Em Lisboa.

 

O frontão do Arco Triumphal ostenta os seguintes versos

 

Caracter he da Nação

Vida expor e braço armar,

Mas jurar Constituição

Sem sangue se derramar

He o seu maior brazão

Que em memoria hade ficar.

Caracter he da Nação  


Descrição da gravura

 

1 – Portugal 1 intimando a Minerva que lhe pantentee os nomes dos Heroes escolhidos para pôr em practica o seu plano:

Portugal é representado por um Anjo com traje romano e coroado, tendo na mão direita o ceptro e na esquerda o escudo com as armas de Portugal. Aos pés a cornucópia da abundância. Um “puto” segura uma faixa com a inscrição“O Triumpho Maior da Luzitania”.

 

2 – Minerva a deusa romana da sabedoria, tendo a seus pés o seu símbolo, a coruja, segura uma lança na mão esquerda e tem na mão direita um livro 2 que mostra “todos os Illustres, e Beneméritos Varões que se devem unir pª formar as Cortes da Constituição.”

3 – D. João VI surge sobre o Anjo de Portugal numa “Esffígie de Nosso Augusto Soberano” 3. Sob o retrato de D. João VI vários medalhões com os nomes dos revolucionários de 1820 entre os quais Manoel Fernandes Tomaz (sublinhado por mim a vermelho).

 

4 e 5 – A cidade de  Lisboa com uma coroa com um barco e a cidade do Porto coroada com torres, “as duas Cidades personalizadas Lisboa 4 e Porto 5 dando as mãos em sinal da mais perfeita harmonia e união.”

 

Se a revolução a partir de 24 de Agosto se estendeu a partir do Porto por todo o Norte e centro do País, foram muitas as dificuldades para a adesão de Lisboa. Esse facto justifica muitos dos aspectos da estampa. 

6 e 7 – Uma figura feminina figurando a Nação * 6 “manda escrever à figura da História **7 este memorável Triumpho.”

 

*A figura da Nação que agora substitui Pátria é representada por uma anónima Cidadã vestida como uma mulher do Povo.

** A História é a Musa grega Clio, sentada num pequeno degrau, escreve com uma pena tendo um livro pousado no chão. Clio é muitas vezes representada tendo junto a si uma ampulheta significando o tempo.

  

8 – A figura da Genealogia 8 tem na cabeça o tronco da Real Caza de Bragança onde se vê a Coroa de Sua majestade o Senhor D. João VI e do Príncipe Real e de sua Augusta Neta: mostra este tronco os Bemaventurados Fructos que todos devemos esperar detão Virtuosa e Soberana Família. (As coroas  seriam de D. João VI, do príncipe real (o futuro D. Pedro IV) e da futura rainha D. Maria II.)

 

9 – o Tejo, representado por uma figura masculina envolta num lençol, tem junto a si uma bilha que representa a sua fonte, e um dragão. Está rodeado de "diversos Génios oferecendo os seus donativos ao Governo Supremo”.

  

 

 10 – O deus Marte vestido de soldado romano “mostrando o incomparável valor da distinta Nação Portugueza que elle sempre escudou e hade eternamente proteger para assombro a admiração de todo o Orbe.”

 

 

12 – O Arco Triunfal com o exército vindo do Norte a chegar à capital " a Tropa entrando na Capital por baixo de hum grande arco Triumphal, que tem nas Columnas que o sustentão grandes medalhas com os nomes do Heroes do Douro e Tejo. Os membros da «Junta Provisória» chegam a Lisboa no dia 1 de Outubro de 1820.



Nas colunas do arco estão apostos os medalhões que contêm os nomes dos membros da Junta Governativa (que resultou do difícil acordo assinado em Alcobaça em 27 de Setembro, entre a Junta Provisional do Governo Supremo do Reino e o Governo Interino formado em Lisboa.