quinta-feira, 29 de outubro de 2020

A propósito de uma pintura do Porto [Recuperação, de um post antigo revisto e aumentado]

 

Gustave Bourgain “Dourando a Figura de Proa” 1886

 

No, Time, thou shalt not boast that I do change:
Thy pyramids built up with newer might
To me are nothing novel, nothing strange;
They are but dressings of a former sight. 

Shakespeare Soneto 123 [1] 

fig. 1- Gustave Bourgain (1856-1918) – Dourando a Figura de Proa (Gilding the Figurehead), Porto 1886, óleo sobre tela 75 x 105 cm. Col. particular. Gandalf’s Gallery. http://gandalfsgallery.blogspot.com/

 

Em 1896, Gustave Bourgain (1856-1921) pintou um quadro histórico intitulado “Dourando a Figura de Proa” (Gilding the Figurehead).

Na pintura, datada de 1886, Bourgain, num exercício sobre o Tempo, procura reavivar o passado, como “se possível fosse que tornasse / o tempo para traz, como a memória” [2].

Modificando a visão do Porto como era no seu tempo e reconstruindo uma imagem antiga do Douro e da cidade.

Imagem antiga que, em sombra e esquecimento, se foi perdendo e mudando no “tempo que tão leve vai voando.” [3]

 



[1] William Shakespeare (1564-1616), Sonnet CXXIII. In Shakespeare Sonnets, Ticknor and Fields Boston Mass. 1865. (pág. 129).

[2] Luís de Camões, Canção X in Obras de Luís de Camões, Edição completa com as mais notáveis variantes. Lello & Irmão – Editores, 144, Rua das Carmelitas Porto 1970. (pág. 258).

[3] Luís de Camões, Écloga XII in Obras de Luís de Camões, Edição completa com as mais notáveis variantes. Lello & Irmão – Editores, 144, Rua das Carmelitas Porto 1970. (pág.637).


Gustave Bourgain (1856-1921), foi um pintor e ilustrador francês ligado à revista L'Illustration. Em 1882 foi enviado a Alexandria no Egipto com a expedição inglesa. Expõe pela primeira vez no Salon de 1884 com uma cena da guerra anglo-egípcia (Com o n.º 334, Arrestation des pillards, à Alexandrie. Julliet 1882 no Catálogo ilustrado do Salão).

Torna-se pintor oficial da Marinha. Dedicando-se à pintura histórica, pinta um conjunto de quadros sobre a campanha do Egipto por Napoleão entre os quais dois quadros de Bonaparte no Cairo. Participa na Exposição Universal de 1900 com uma celebrada aguarela de 1892, “La Fin du "Vengeur", retratando o combate do navio francês com o navio inglês Brunswick em 1794.

É o autor de Le Marin Français, livre ilustré par G. Bourgain, peintre de la marine. Librairie Renouard-Laurens éditeur. 1896.Assinava como G. Bourgain, por vezes seguido de uma âncora como era usual em pintores ligados à Marinha.

A assinatura de Gustave Bourgain, no quadro Bonaparte no Cairo.


O Quadro

O quadro divide-se em duas partes. Uma, à esquerda, mais sombria onde está representada a proa de um navio e a outra, cheia de um sol deslizando para poente, mostra o Douro de um luminoso azul, onde um igual navio está fundeado em enseada segura.

Ao fundo o perfil pálido da cidade do Porto. 

fig. 2 – O quadro dividido em 2 partes.

Na zona mais sombria, Bourgain pinta a proa de um navio talvez inspirado nos versos de Marcus Valerius Martialis “A um fragmento do “Argos”:

“Fragmentum quod uile putas et inutile lignum,
haec fuit ignoti prima carina maris.
Quam nec Cyaneae quondam potuere ruinae
frangere nec Scythici tristior ira freti.
Saecula uicerunt: sed quamuis cesserit annis,
sanctior est salua parua tabella rate.” [1]

Que Jorge de Sena traduziu como:

Este fragmento, lenho inútil dizes, / Primeira quilha foi no mar ignoto. / Que não quebraram as Ciâneas rochas, [2] / Nem a fúria cruel das águas citas, / Os séculos venceram: mas que resta  / Mais venerável é que a nave inteira.”  [3]

O navio está atracado ao cais de Gaia, onde uma amarra, segura e grossa, com um nó de volta redonda, enlaça um poste cravado no empedrado. 

fig. 3 – Pormenor mostrando o cais de Gaia. Do lado esquerdo Bourgain 86.



[1] Marcus Valerius Martialis (38-104 d. C.) “De fragmento Argus” in M. Val. Martialis Epigrammata cum notis, Thomae Farnabii. Amstelodami, Sumptibus Remondini MDCCXLIX (Liber VII pág. 212).

[2] As rochas Ciâneas eram na mitologia grega as Simplegades, uns rochedos que formavam um estreito que à passagem dos navios se aproximavam e os comprimiam e destruíam. Foram os Argonautas os primeiros que por aí passarem, largando uma pomba que apenas perdeu alguma penas. Então ousaram entrar na estreita passagem o que conseguiram perdendo apenas alguns dos ornamentos do Argos. Os rochedos a partir daí ficaram definitivamente imóveis.

[3] Jorge de Sena (1919-1978), Poesia de 26 séculos. Primeiro volume – de Arquíloco a Caldéron. Editorial Inova Limitada Porto 1971.


Dois marinheiros atarefam-se na manutenção da embarcação, um dos quais com o tradicional barrete vermelho, cria um ponto de cor na penumbra do casco do navio. 

fig. 4 – Dois marinheiros na manutenção do navio.

No centro do quadro, separando os dois lados da composição, está, num andaime pendurado, uma personagem a qual, com as mãos de artista e cuidado vestuário, vai dourando a figura de proa (a carranca), essa escultura que justifica o título da pintura.

fig. 5 – A figura do artista no centro da composição. 

A figura de proa “com o sopro do vento, a levantar a cara / e a escutar a voz do rio[1] representa um guerreiro encavalitado no talhamar (a peça da frente da proa) sob o gurupés (o mastro horizontal da proa).

Instalada na proa “olha para os quatro infinitos”, e impõe ao navio obediente a ir seguindo “magnífico e orgulhoso de vento,[2] 

fig. 6 – A figura de proa do navio.


[1] Cesare Pavese (1908-1950), Paesagio VIII, di Lavore stanca (1936). In Poesie edite e inedite. A cura di Italo Calvino.Giulio Einaudi editore s.p.a. Torino1962. (pág. 158).

“I ricordi cominciano nella sera
sotto il fiato del vento a levare il volto
e ascoltare la voce del fiume. L'acqua
è la stessa, nel buio, degli anni morti. (…)”

[2] Lucie Delarue-Mardrus (1880-1945), La Figure de Proue, Bibliothèque-Charpentier. Eugène Fasquelle, Éditeur. 11, Rue de Grenelle, 11. Paris 1908. (pág. 3).

“La figure de proue allongée à l'étrave / Vers les quatre infinis, le visage en avant / S'élance; et, magnifique, enorgueilli de vent / Le bateau tout entier la suit comme un esclave (…)”


O Navio

Embora sem qualquer fundamento, gostaria que o navio representado fosse o antigo L’Union, da Armada Francesa rebaptizado em 1803 de Diomede.

Assim, na figura de proa não figuraria um soldado romano, mas a representação do herói grego Diomedes, companheiro de Ulisses, tido como o lendário fundador da cidade do Porto. [1]

Ao longo dos tempos, vários autores assim o consideraram e já no final do século XVIII, o padre Agostinho Rebello da Costa na  Descripçaõ Topografica, e Historica da Cidade do Porto de 1789, ao procurar afirmar, nacional e internacionalmente a cidade do Porto, contribuiu para a lenda escrevendo que Diomedes rei de Etholia hum dos Principes, e Capitaens do cerco de Troya imitando a Ulysses, navegára pelo Mediterraneo, atá sahir pelas Columnas de Hercules ao Occeano Occidental, e tomando porto na foz do Rio Douro, desembarcara da parte setentrional, aonde se demorara largo tempo attraido da amenidade, e frescura do Paiz;…” [2]

E ainda nesta época de transição entre os dois séculos, João Peixoto de Miranda, no seu poema Cale ou A Fundação da Cidade do Porto, publicado em 1838, também canta que:

O Grego, que vencendo o mar, e ventos, / Lançou, da nobre Cale os fundamentos.” [3]

No lado direito da pintura, mais luminoso e tendo por fundo a cidade do Porto, está fundeado uma outra grande embarcaçãocomo um navio que chegou a um porto / E cujo movimento é ali estar,” [4] 


fig. 7 – O lado direito da pintura.



[1] Esta lenda de que Diomedes teria fundado a cidade de Gaia e do Porto, está baseada nas referências que Estrabão (c.64 a.C. – 21 ou 25 d.C.) faz à presença grega no noroeste da Península Ibérica.

[2] Agostinho Rebello da Costa, Descripçaõ Topografica, e Historica da Cidade do Porto. Na Officina de Antonio Alvarez Ribeiro. Porto. Anno de MDCCLXXXIX. (pág. 3).

[3] João Peixoto de Miranda, Cale ou A Fundação da Cidade do Porto, (1838). Poema de João Peixoto de Miranda, Typographia de D. António Moldes, Largo da Batalha n.º 41, Porto 1850. (Canto I, Estrofe 2, pág. 15).

[4] Fernando Pessoa (1888-1935). Já não me importo (2-9-1935), in Novas poesias inéditas. (Direção, recolha e notas de Maria do Rosário Marques Sabino e Adelaide Maria Monteiro Sereno). Ática Lisboa 1973.


A nau “no socegado porto descançando[1], tem a proa virada para poente, e flutua em paz, num estranho silêncio de abandono já que, embora a meio pano, nele não se observa nenhum tripulante. 

fig. 9 – A nau de 74 peças fundeada no Douro com numeradas as velas armadas.

O navio representado na pintura tem apenas armadas as velas:

1 – Carangueja  2 – Mezena  3 - Gávea  4 – Joanete maior  5 – Estai de gávea  6 – Estai volante  7 – Bujarrona  8 – Bujarrona pequena (Giba)


[1] Antonio Diniz da Cruz e Silva (1731-1799), na Arcadia de Lisboa Elpino Nonacriense. Poesias.Tomo III Que contem Poesias Liricas. Na Typographia Lacerdina, Rua da Condeça ao Carmo n.º 19. Lisboa 1812. (pág. 240). 

 

quinta-feira, 15 de outubro de 2020

 

Aspectos do Porto na segunda década de oitocentos 2

 Episódio 2

 

 

A deslocação por terra entre Coimbra e o Porto

 Em 1817 Manoel Fernandes Thomaz (1771-1822) chega ao Porto vindo sul, para tomar posse do lugar de desembargador da Relação.

 Como se mostrou no episódio anterior este seria este o aspecto do Porto para quem chegava.

fig. 1 Henri L’Eveque (1769-1832), Vue de Ia Ville et du Port de Porto. H. L’Evêque. d. London P.ed 1817.

As estradas

“Ville au bout de la route et route prolongeant la ville: ne choisis donc pas l'une ou l'autre, mais l'une et l'autre bien alternées.”  [1]

Para se deslocar de Coimbra para o Porto pode ter feito a viagem por terra, viagem então particularmente difícil, já que era sujeita a assaltos e, sobretudo, sem estradas dignas desse nome, já que, quando D. Maria I (1734-1816) subiu ao trono (em 1777), o país não possuía estradas.

O Marquês de Pombal (Sebastião José de Carvalho e Mello 1699-1782) apenas mandara fazer uma estrada até à sua propriedade em Oeiras, e a Companhia dos Vinhos do Alto Douro mandou abrir algumas estradas, no Douro.

Assim D. Maria l mandou construir em 1788, uma estrada de Lisboa ao Porto, mas que apenas se construiu até Coimbra.

Com a construção desta estrada surgiu um serviço regular de trans­portes para passageiros utilizando os carros de transporte do correio, a mala-posta, á semelhança do que já existia noutros países europeus.

A mala-posta partia da porta do Correio Geral na Calçada do Combro em Lisboa ao mesmo tempo que partia de Coimbra uma outra no sentido inverso.

As viagens realizavam-se às segundas, quartas e sextas e as mala-posta encontravam-se e estacionavam na estalagem de Porto de Mós.

Como os poucos passageiros que nela viajavam, tinham como destino a Universidade de Coimbra, a carreira terminou em 1804.

 

Como em 1820, data da Revolução liberal, confirma Adrien Bablbi:

No reinado de D. Maria, construiu-se com grandes custos a estrada de Lisboa a Coimbra, sendo que o troço chamado Alto de Rio-Maior pode ser comparado ao que na Itália, França, Alemanha e Inglaterra oferecem de melhor. A estrada que vai de Lisboa às fortalezas de San-Julião e Cascaes por Oeiras, junto ao Tejo, é realmente bonita; o mesmo se pode dizer da que vai de Lisboa a Colares via Cintra, e que um ramal termina em Mafra; daquela que de Lisboa por um lado a Caldas da Rainha, e por outro a Santarém, e daquela que do Porto conduz a São João da Foz.

[Sous la reine Marie on construisit à grands frais le chemin de Lisbonne à Coimbra, dont la partie dite Alto de Rio-Maior pourrait être comparée à ce que l'Italie, la France, l'Allemagne et

l'Angleterre offrent de beau en ce genre. La route qui mène de Lisbonne aux forteresses de San-Juliào et de Cascaes par Oeiras, le long du Tage, est vraiment belle; on pourrait en dire autant de celle qui va de Lisbonne à Colares par Cintra, et dont une branche aboutit à Mafra; de celle qui de Lisbonne conduit d'un côté à à Caldas da Rainha, et de l'autre à Santarem, et de celle qui de Porto conduit à San-Joào da Foz.] [2]

 Aguardava-se a abertura da estrada até ao Porto, mas as Invasões Francesas vieram adiar tal desígnio.

As principais vias de comunicação no interior do país eram então os rios.

 

1 - As estradas em Portugal no início do século XIX

 

Sobre esta falta de estradas em Portugal ou da sua falta de qualidade, apesar de algumas excepções, pronunciaram-se os viajantes militares ou civis na transição do século XVIII para o século XIX.

 Balbi também denuncia.

“As estradas em Portugal estão num estado tão deplorável, afirma o eloquente redactor de O Portuguez, que o viajante corre sempre o risco de partir o pescoço.

Pode-se imaginar o quanto esta falta de comunicações prejudica o comércio interno, a agricultura e a civilização; todas as comarcas e quase todas as cidades parecem constituir um reino separado, como no tempo dos Mouros. A nossa própria experiência e a informação que temos recolhido de várias localidades, obrigam-nos a adoptar a opinião deste O Portuguez; acrescentaremos ainda, que tendo nos comprometido a ir de Coimbra ao Porto na mesma carruagem que nos tinha trazido de Lisboa a Coimbra, em vez de fazermos este caminho como habitualmente fazemos em liteira, pagamos três vezes mais, e estivemos em contínua angústia temendo pela vida daquilo que de mais caro temos no mundo. Podemos até dizer, sem medo de exagerar, que a maioria das estradas do reino são apenas caminhos locais, que são transitáveis ​​apenas para pequenas carroças.”

[Les routes en Portugal sont dans un état si déplorable, dit l'éloquent rédacteur du O Portuguez, que le voyageur est toujours en danger de se rompre le cou.

On peut concevoir combien un tel défaut de communications doit entraver le commerce intérieur, l'agriculture et la civilisation; chaque comarca et presque chaque ville semblent faire un royaume séparé comme du temps des Maures. Notre propre expérience et les informations que nous avons prises sur plusieurs localités, nous ſorcent à adopter l'opinion de ce Portugais; nous ajouterons même, qu'ayant entrepris d'aller de Coimbra à Porto dans la même calèche qui nous avait conduit de Lisbonne à Coimbra, au lieu de faire ce chemin comme on le fait ordinairement en litière, nous avons versé trois fois, et nous avons été dans des angoisses continuelles pour la vie de ce que nous avons de plus cher au monde. On peut dire même, sans craindre d'exagérer, que la plupart des routes du royaume ne sont que des chemins de traverse, qui ne sont praticables que pour les petites charrettes.] [3]

 

E William Morgan Kinsey (1788-1851) [4], no seu Portugal Illustrated Letters, publicado em 1828, resume o estado das estradas portuguesas na frase:

 Como alguém já disse é mais fácil conduzir um navio até ao Brasil do que conduzir uma mula de Lisboa ao Porto.”

 [It has been said that a Portuguese can steer a ship to Brasil with less difficulty than he can guide his mule from Lisbon to Porto.] [5]

 



[1] Victor Segalen (1878-1919), Conseils au bom voyageur in Stèles (1914). 4.e edition. Les Éditions G. Crès & C.ie. Paris 1922. (pág. 99). Bibliothèque nationale de France.“Cidade no fim da estrada e estrada que prolonga a cidade: por isso não escolha uma nem outra, mas alternadamente uma e outra.”

[2] Adrien Balbi (1782-1848), “Essai statistique sur le royaume de Portugal et d'Algarve comparé aux autres états de l’Europe,et suivi d’un coup d’oeil sur létat dês Sciences, dês Lettres et dês Beaux-Arts parmi les portugais dês deux hémisphères” Chez Rey et Gravier, Libraires, Paris 1822. (pág.475).

[3] Adrien Balbi (1782-1848), “Essai statistique sur le royaume de Portugal et d'Algarve comparé aux autres états de l’Europe,et suivi d’un coup d’oeil sur létat dês Sciences, dês Lettres et dês Beaux-Arts parmi les portugais dês deux hémisphères” Chez Rey et Gravier, Libraires, Paris 1822. (pág.474).

[4] O reverendo William Morgan Kinsey (1788-1851), esteve em Portugal em 1827. A partir do seu Diário, das cartas que escreveu ao poeta e dramaturgo Thomas Haynes Bayly (1797-1839) e ainda de outras fontes, escreveu um livro que publicou em 1828 com o título Portugal Illustrated, com gravuras de G. Cooke e J. Skelton. A segunda edição que utilizamos é de 1829.

[5] rev. William Morgan Kinsey (1788-1851), Portugal Illustrated Letters, Embellished with a map, plates of coins, wignettes, and a various engravings of costumes, landscape scenery, &c. Letter IV. Treuttel, Würtz, and Richter, Soho Square London 1828. (pág.116).


2 - Os transportes terrestres no início do século XIX

 Até ao aparecimento em Portugal da ferrovia, e o seu desenvolvimento na segunda metade do século XIX [1], os transportes por terra eram efectuados a cavalo (mula ou burro), de liteira urbana (transportada por homens), de liteira de duas mulas, por carro de bois ou por carruagem (coche ou sege).

 No quadro atribuído a Nicolas (Louis-Albert) Delerive (1755-1818), representando o Embarque para o Brasil do Príncipe Regente em 1807, podemos apreciar os transportes existente à época.

 

fig. 2 - Nicolas Delerive (1755-1818), Embarque para o Brasil do príncipe regente D. João VI em 27 de Novembro 1807. Óleo s/ tela 62,5 x 87,8cm - Museu Nacional dos Coches.

 Na tela de Delerive vemos os transportes fluviais e marítimos, que trataremos num próximo episódio.Atrás do bergantim real, um barco de água acima, que se nota pelas duas características que o identificam: a longa verga apoiada no mastro inclinado para a frente e a proa em bico. Nele 5 marinheiros trepam pela enorme verga. Outros carregam a embarcação com pertences da família real para os transportarem aos navios ingleses que a conduziram ao Brasil fundeados ao fundo. A Torre de Belém identifica a paisagem do Tejo.

 

fig. 3 - Pormenor de Embarque para o Brasil do príncipe regente D. João VI em 27 de Novembro 1807.

 Do lado direito, o pintor representou os diversos tipos de transporte terrestre: o carro de bois, a sege, o coche, a liteira, e o cavalo.

 

O carro de bois


fig. 4 - Pormenor de Embarque para o Brasil do príncipe regente D. João VI em 27 de Novembro 1807.


A sege


fig. 5 - Pormenor de Embarque para o Brasil do príncipe regente D. João VI em 27 de Novembro 1807.

 

O coche

 

fig. 6 - Pormenor de Embarque para o Brasil do príncipe regente D. João VI em 27 de Novembro 1807.

 

 

O outro coche e as liteiras

 

fig. 7 - Pormenor de Embarque para o Brasil do príncipe regente D. João VI em 27 de Novembro 1807.

 

 



[1] Ver eng. Carlos Manitto Torres (1885-1961), A evolução das Linhas Portuguesas e o seu significado ferroviário in Gazeta dos Caminhos de Ferro n.º 1681, Ano LXX, Janeiro de 1958. (pág. 9 a 12).


3 - O percurso de Coimbra ao Porto por via terrestre na viragem dos séculos 18 e 19

Os transportes

 Partindo do princípio que Manoel Fernandes Tomaz, se viesse para o Porto por terra, não se deslocaria de coche, restava-lhe o cavalo, a liteira e a sege, entre os meios de transporte nos quais se podia aceder à cidade pelo Norte, Oriente e Sul.

 Henri L'Éveque (1769-1832), no álbum, publicado em Londres em 1814, Costume of Portugal [1], apresenta um conjunto de desenhos de transportes em Portugal comentados, entre os quais um cavaleiro.

 

A cavalo

 

fig. 8 - Henri L'Évêque, Costume of Portugal, Colnaghi & Co. Londres 1814. (pág.27).

 

Sobre O Cavaleiro aponta L’Évêque:

“O Cavaleiro representado nesta gravura está sentado numa sela rasa que desde há alguns anos substituiu a sela de manejo cujo uso estava generalizado, mas conserva os estribos de madeira. São como se vê uma espécie de caixa na qual o pé do Cavaleiro entra e de onde facilmente sai. Se esta forma de estribos não é elegante, este inconveniente tem, por outro lado, enormes vantagens: nunca, qualquer que seja o acidente, os pés do Cavaleiro ficam presos e estão sempre protegidos da humidade.” *

*Nota R.F. - O estribo usado pelos cavaleiros na corrida de toiros à portuguesa, conserva este material e esta forma, sendo por vezes protegidos e adornados por uma placa metálica e trabalhada.

[“Le Cavalier représenté dans cette gravure est assis sur une selle rase qui depuis quelques années a remplacé la selle de manége dont jadis l'usage étoit général, mais il conserve encore les étriers de bois. C'est, comme on le voit, une espèce de caisse dans laquelle le pied du Cavalier entre et d'où il sort avec la plus grande facilité. Si la forme de ces étriers n'est pas élegante, ce léger inconvénient est racheté par des avantages bien essentiels: jamais, quelqu'accident qui arrive, les pieds du Cavalier ne peuvent rester embarrassés dans ces étriers, et toujours ils y sont à couvert de l'humidité.”] [2]

 

 De burro

A alternativa ao cavalo era de povoação em povoação alugar um burro como escreve Costingan [3] no seu Sketches of Society and Manners in Portugal, quando em viagem do Porto para Lisboa os cavalos tiveram de parar por cansaço.

“Em todas as vilas e aldeias da estrada entre Porto e Santarém, onde embarcámos, existem sempre para alugar uns miseráveis burros que, contudo, nos transportam num ápice, para a povoação mais próxima, e chegando aí por mais duramente que lhes batamos eles recusam-se a dar mais um passo, mas existem sempre outros burros que podeis montar até à localidade seguinte…”

“ In all the towns and villages on the road between Porto and Santarem ,where we embarked, there are miserable little asses constantly to be hired, which however run with you like lightning to the next town, and were you beat them to death, would not to go a step farther, but there again you always find fresh ones ready to take you up;…” [4]


Naa vinheta de Giuseppe Piattoli para ilustrar o provérbio toscano Crede essere sopra un gran cavallo, ed è sopra un tristo asino”, (Julga estar montado num belo cavalo, mas está em cima de um miserável burro), que como o português “passar de cavalo a burro”, ignora a utilidade (e a dignidade) desse resistente e trabalhador animal.

 

fig. 9 - Giuseppe Piattoli active (1743-1823), Crede essere sopra un gran cavallo, ed è sopra un tristo asino. ca. 1800, Estampa n.º 40. Gravura e aguarela 28,9 x 20,8 cm.in "Proverbi toscani espressi in figura da Giuseppe Piattoli pittore fiorentino", I parte gravuras verticais.

 O provérbio está escrito numa legenda sob a imagem, tendo na parte inferior a seguinte quadra:

 O tu che sempre di te stesso altero

Ti credi andar de più famosi al paro,

Credendo cavalcar nobil Destriero,

Tu premi il dorso a sordido Somaro.

 [Ó tu que sempre te orgulhas ti próprio

achas que pareces o mais famoso,

Acreditando montar um nobre Corcel,

Vais montado num humilde Burro.]

 

De liteira

 A liteira de dois machos era o veículo mais utilizado para as deslocações no interior de Portugal.

 

fig. 10 - Henry L'Êveque, The litter. In Costume of Portugal, 1814.

 

 A liteira segundo Henri L’Évêque

 Henri L’Évêque no seu álbum, desenha e descreve, minuciosamente, a Liteira:

“Nas províncias de Portugal, que ficam para além de Coimbra, a norte do Mondego, o terreno é geralmente tão áspero e tão acidentado, os caminhos são tão íngremes e tão estreitos, e as curvas tão abruptas, que é muitas vezes muito difícil aí passar um carro. (…)

Viaja-se, por isso, a cavalo, ou melhor, sobre mulas, que têm patas muito mais seguras. Mas as senhoras, os enfermos, os idosos, que não suportam o movimento das montadas, são obrigados a recorrer à Liteira, cujo uso, tão comum em tempos na Europa, ainda se preserva nesta parte de Portugal.”

[“Dans les provinces de Portugal, qui sont au-delà de Coimbra, au nord du Mondego, le terrain est en général si âpre et si montueux, les chemins sont si roides et si étroits, et les tournans si brusques, qu'il est souvent bien difficile d'y faire passer une voiture. (…) On y voyage donc ordinairement à cheval, ou, pour mieux dire, sur des mulets, qui ont le pied beaucoup plus sûr. Mais les dames, les infirmes, les vieillards, qui ne peuvent supporter le mouvement de cette monture, sont obligés de recourir à la Litière, dont l'usage, si commun jadis en Europe, se conserve encore dans cette partie du Portugal.”]

 

E prossegue na sua descrição da gravura:

“É, como pode ser visto nesta gravura, uma caixa que se assemelha muito à de uma liteira levada por homens, exceto que as dimensões são maiores, e em vez de ser carregada por dois homens, ela é carregada por duas vigorosas mulas que a ela são atreladas.

Com uma porta de cada lado da caixa, o seu interior é acolchoado, forrado de tecido ou seda e fechado por cortinas e às vezes por espelhos. Duas pessoas sentam-se à vontade, posicionando-se não uma ao lado da outra, mas opostas uma à outra. Essa situação de tête-à-tête, o balanço muito suave da liteira, a própria lentidão de sua marcha, pois ela mal percorre de 20 a 25 milhas durante o dia (5 a 6 léguas no país), tudo parece convidar o viajante a gozar o longo percurso com os prazeres da conversa e a efusão da confiança: é o que tem levado a dizer que a liteira é, por excelência, a viatura dos amigos e dos amantes, que sempre têm muito a dizer um ao outro e que nunca se cansam do prazer de se ver e encontrar”.

[“C'est, comme on le voit dans cette gravure, une caisse qui ressemble beaucoup à celle d'une chaise à porteurs, excepté que les dimensions en sont plus grandes, et qu'au lieu d'être portée par deux hommes, elle l'est par deux mulets vigoureux qu'on y attèle. Une portière s'ouvre de chaque côté de la caisse, dont l'intérieur est rembourré, doublé en drap ou en soie, et fermé par des rideaux, et quelquefois par des glaces. Deux personnes y sont assises à l'aise, en se plaçant, non pas à côté, mais vis-à-vis l'une de l'autre. Cette situation en tête-à-tête, le balancement très-doux de la machine, la lenteur même de sa marche, car elle ne fait guères, dans la journée, plus de 20 à 25 milles (5 à 6 lieues du pays), tout semble inviter les voyageurs à charmer la longueur de la route par les plaisirs de la conversation et les épanchemens de la confiance : c'est ce qui a fait dire, que la litière étoit, par excellence, la voiture des amis et des amans, qui ont toujours tant de choses à se dire, et qui ne sont jamais rassasiés du plaisir de se voir.”]

E termina salientando o ruído das campainhas e dos guizos que assinalam a marcha da liteira:

“Os arreios das mulas estão carregados com um grande número de sinos e guisos, que o animal sacode e faz soar enquanto caminha. A continuidade desse ruído agudo não pára de ofender o ouvido; mas ele torna-se mais suave pela habituação, e o seu inconveniente é mais do que compensado pela vantagem que dele se obtém. Em primeiro lugar, avisa os que negligentes ou afastados, que as mulas e a liteira estão paradas; e a sua sonoridade anuncia ao longe a aproximação da liteira a todos os que se aproximam, sejam cavaleiros, carroças, ou bestas de carga: o que, nos estreitos caminhos, nos desfiladeiros ou nas encostas das montanhas, dá-lhes tempo para se arrumarem nas bermas da estrada, em espaços concebidos para o efeito, de forma a permitir a passagem da liteira, que só com grande dificuldade pode recuar, e cuja envergadura é, por vezes, suficiente para ocupar toda a largura do caminho, que em alguns sítios é demasiado estreito.”

[“La bride des mulets est chargée d'un grand nombre de clochettes et de grelots, que l'animal agite et fait sonner en marchant. La continuité de ce bruit aigu ne laisse pas d'offenser l'oreille; mais l'accoutumance l'adoucit, et l'incommodité qu'il donne est plus que compensée par l'avantage qu'on en retire. D'abord, son interruption avertit le conducteur négligent ou écarté, que la marche des mulets est arrêtée ; et son éclat annonce au loin l'approche de la litière à tous les objets qui viennent au-devant, tels que cavaliers, charrettes, bêtes de somme: ce qui, dans les défilés des chemins, dans les gorges ou sur les penchans des montagnes, donne à ceux-ci le temps de se ranger sur les côtés de la route, dans des espaces ménagés à dessein, afin de laisser passer la litière, qui ne sauroit reculer que très-difficilement, et dont la voie suffit quelquefois pour occuper toute la largeur du chemin, tant il est étroit dans quelques endroits.”] [5]

 

A liteira segundo William Granville Eliot

William Granville Eliot (1775-1855) um oficial inglês que participou na Guerra Peninsular no seu Treatise of Defence of Portugal, publicado em 1810, também refere a liteira de mulas.

“Nas zonas mais montanhosas do país, é utilizado um veículo semelhante a uma liteira, transportado da mesma maneira por duas mulas; assim, poderá ser transportado do Porto para Lisboa, numa distância de 52 léguas, em sete dias, sendo ao ritmo de cerca de trinta milhas por dia. Será conveniente começar a negociar para toda a jornada, visto que nenhuma alteração será feita na estrada; e também munir-se de um bom manto, um cobertor e alguns alimentos.”

[“Over the more mountainous parts of the country, a vehicle resembling a sedan chair, and carried in the same manner by two mules, is used; by this means you may be conveyed from Oporto to Lisbon, a distance of 52 leagues, in seven days, being at the rate of about thirty miles a day. It will be expedient at starting to bargain for the whole journey, as no relays are to be met with on the road; also to be provided with a good cloak, a blanket, and some eatables.”] [6]

 

fig. 11 - Liteira 9,5 x 21,6 cm. Museu Nacional dos Coches.

 

A liteira segundo William Kinsey

E William Morgan Kinsey (1788-1851) [7], no seu Portugal Illustrated Letters, publicado em 1828, não só refere a liteira como apresenta duas imagens de liteiras em viagem.[8]

 “Os viajantes, que não têm condições de suportar os solavancos em estradas ruins, sob um sol a pino, e que não gostam dos passos desiguais de uma mula, que geralmente produzem febris sensações, costumam alugar uma Liteira, que se assemelha a uma cabine com cadeira dupla, a qual é suspensa por fortes varões entre duas mulas, a primeira das quais é sempre conduzida pelo guia nas partes difíceis da estrada. O preço de uma Liteira varia de doze a quinze xelins por dia, sem contar as gorjetas e a comida do arrieiro.”

[Travellers, who are unequal to support the jolting on bad roads, under an almost vertical sun, and who dislike the uneven paces of a mule, which generally produce feverish sensations, usually hire a Liteira, which resembles a double Bath-chair, and is suspended by strong poles between two mules, the foremost of which is always led by the guide in difficult parts of the road. The price of a Liteira varies from twelve to fifteen shillings a day, exclusive of gratuities and the food of the muleteer.] [9]

 Uma das imagens mostra uma liteira atravessando a Serra da Labruja em Ponte de Lima e Kinsey anota o seguinte comentário:

 “A serra de la Bruga, que tivemos de atravessar a caminho de Ponte de Lima, foi considerada, na recepção do governador, como infestada de bandidos, pelo que aceitamos a sua oferta de uma pequena escolta; mas não teríamos corrido nenhum grande perigo, já que esses homens nos acompanhavam com as suas armas.”

 [The Serra de la Bruga, which we had to cross in our way to Ponte de Lima, was reported at the governor's party to be infested with banditti, and therefore we accepted his offer of a small escort; but no great extent of danger could have been apprehended, as the men attended us with their side-arms only.] [10]

 

fig. 12 - Imagem do Portugal Illustrated Letters London, 1828 do rev. William Morgan Kinsey (1788-1851). (pág.277).


Na segunda vinheta, Kinsey mostra uma liteira com dois passageiros sentados face a face, e acompanhados por viajantes a cavalo e uma mula transportando bagagens. Descem a encosta por um perigoso caminho.


fig. 13 - rev. William Morgan Kinsey (1788-1851). Travellers in Portugal Letter IX 1837 in Portugal Illustrated Letters London, 1829. (pág. 241).

 

A liteira segundo James Murphy

Nos finais do século XVIII, o arquitecto irlandês James Cavanah Murphy (1760-1814) foi incumbido de realizar o levantamento do Mosteiro da Batalha.

Para isso deslocou-se de barco de Inglaterra até Portugal onde desembarcou na cidade do Porto em Dezembro de 1788.

No início de 1789 empreende uma viagem por terra para sul até à Batalha (onde se deteve por cerca de 3 meses), tendo então seguido por outros itinerários no sul do país.

 Dessa sua deslocação por Portugal publicou um livro Travels in Portugal in the years of 1789 and 1790 [11].

Mais adiante referiremos o percurso de Murphy do Porto até Coimbra – no sentido inverso de Manoel Fernandes Thomaz – mas que pode dar uma ideia, apesar de alguns melhoramentos nas estradas devidos às manobras militares da Guerra Peninsular, da viagem de Manoel Fernandes Thomaz quando em 1817 se desloca para o Porto, para tomar posse do lugar de desembargador do Tribunal da Relação.

Da sua estadia em Portugal, James Murphy publica ainda em 1797 A General View of the State of Portugal [12], um relato, não tão crítico, mas mais objectivo e menos adjectivado, onde insere, na página 146, uma curiosa gravura Viajando de Liteira representando uma liteira que transporta uma jovem, atenta ao muleteiro que cavalgando de costas para o caminho vai cantando e tocando uma guitarra. A estampa é referida no texto como People of fashion, and delicate persons, usually travel in litters, as represented in Plate IX.

 A estampa IX numa cópia da Biblioteca Nacional de Portugal.

 

fig. 14 - James Murphy, Travelling in a Litter. Plate IX London, Publishid Jan.1.st by Cadell & Davies – Strand. água-tinta 17,1 x 21,7 cm. London 1797. B.N.P. 

Nota à gravura - Cadell & Davies era uma editora constituída entre 1793 e 1836 por Thomas Cadell Júnior (1773-1836), filho do editor Thomas Cadell (1742–1802) e por William Davies (1764 -1820).

  

A liteira segundo Camilo Castelo Branco

Ainda sobre a liteira de machos, Camilo Castelo Branco (1825-1890), em Vinte Horas de Liteira de 1864, recorda uma viagem de liteira, entre Vila Real e o Porto, lembrando o tilintar das campainhas: “a liteira dos dous machos pu­jantes e das ciocoenta campainhas estridulas, (…) a liteira das minhas saudades, porque se embalaram n'ella as minhas primeiras pe­regrinações; porque, dos postigos de uma, vi eu, fora das cidades, os primeiros prados e bosques e serras empinadas; porque o tilintar das suas cam­painhas me alegrava o animo, quando a toada fes­tiva me interrompia as cogitações da tarde por es­sas estradas do Minho e Traz-os-montes.”

 

fig. 15 - Domingos Sequeira (1768 - 1837) - Liteira e muleteiro Desenho 25 x 21 cm Museu Nacional dos Coches.

 Escrevendo que a “voragem do progresso” a fará desaparecer face à ferrovia, “o hórrido fremir do wagon, que bate as crepitantes azas de infernal hippogrypho.” e à melhoria das estradas que “o camartello e o rodo escalaram o agro e penhascoso das serras,” obrigaram que “a liteira, acossada pelo Char-à-bancs,” apenas fosse utilizada “nas veredas pedregosas, e acoutou-se á sombra do solar alcantilado e inaccessivel ao rodar da sege. Ao passo que o vapor talava os plainos, gal­gava ella, espavorida, os desfiladeiros para escon­der-se.” [13]

O percurso de liteira de Camilo Castelo Branco

Camilo Castelo Branco usa essa viagem entre Ovelhinha “uma póvoa escondida nos fraguedos do Marão”, (uma aldeia situada junto a Amarante), e a Rua da Boavista no Porto (capítulo XXIV), como pretexto para o diálogo com o amigo.

E refere, ao longo do romance, as sucessivas paragens “Pernoitámos em Amarante, numa estalagem, onde eu, anos antes, tinha visto três belas criaturas” (...), e no capítulo seguinte “apeámos na estalagem de Penafiel” e refere ainda a passagem por Baltar e São Roque da Lameira.

Na carta de Portugal de Emiliano Augusto de Bettencourt (1825-1886), precisamente de 1864, assinalámos a povoação de Ovelha junto a Amarante.

 

fig. 16 - Emiliano Augusto de Bettencourt (1825-1886), Carta de Portugal com a divisão administrativa por districtos e concelhos / Coordenada sobre os trabalhos mais importantes existentes na Repartição d'Obras Publicas, por E. A. de Bettencourt; grav. por J. F. M. Palha, ligth de C. Maigné. - Escala 1:700000, 0,00001 = 7. - [S.l.] : Lith. de C. Maigne, [ca 1864]. - 1 mapa : p&b ; 86,00x59,20 cm, em folha de 93,00x70,00 cm. BNP. 

 

fig. 17 – Pormenor da carta de Portugal de 1864 com a povoação de Ovelha.

 

De sege

 A viagem de Coimbra ao Porto ainda podia, embora dificilmente, ser efectuada de sege, um veículo do século XVIII de meia caixa com dois lugares e duas ou quatro rodas, puxado por uma parelha de cavalos ou mulas, que embora ligeira e fácil de manobrar, era sobretudo usada nas deslocações urbanas. 

 

fig. 18 - A.P.D.G. - “Sketches of Portuguese Life, manners, costume and caracther”, London printed for Geo. B. Whittaker, Ave Maria Lane, 1826.

 

De facto, dado o estado das estradas no início do século XIX, a sege só era utilizada em viagem em condições muito especiais, como ilustra William Kinsey.

 

fig. 19 - William Morgan Kinsey (1788-1851), Sege.Mules, and driver going up a step ascent.  Letter III 1827 in Portugal Illustrated Letters London, 1829. (pág.90).




[1] Ver o 1º episódio.

[2] Henri L'Évêque (1814) Costume of Portugal, Colnaghi & Co. Londres 1814. Com 50 gravuras e águas-tinta representando vários costumes portugueses e 53 páginas de texto em inglês e francês explicativos de cada uma dessas imagens.

[3] James “Diogo” Ferrier (1734-18??), militar irlandês que esteve em Portugal entre 1762 e 1780.

[4] Arthur William Costigan, Letter XXIV, 1779 in Sketches of Society and Manners in Portugal in a Serie of Letters from Arthur William Costigan, Esq. Late a Captain of the Irish Brigade in the Service of Spain, to his Brother in London. Vol. II. Printed for T. Vernor, Birchin-Lane Cornhill. London 1787. (pág. 17). 

[5] Henri L'Évêque (1814) Costume of Portugal, Colnaghi & Co. Londres 1814.

[6] William Granville Eliot (1775-1855), A Treatise on The Defence of Portugal with a Military Map of The Country To which is added A Sketch of the Manners and Costumes of the Inhabitants, and Principal Events of the Capigns under Lord Wellington in 1808 and 1809. Printed for T. Egerton, Military Library. Withehall London 1810. (pág.128).

[7] O reverendo William Morgan Kinsey (1788-1851), esteve em Portugal em 1827. A partir do seu Diário, das cartas que escreveu ao poeta e dramaturgo Thomas Haynes Bayly (1797-1839) e ainda de outras fontes, escreveu um livro que publicou em 1828 com o título Portugal Illustrated, com gravuras de G. Cooke e J. Skelton. A segunda edição que utilizamos é de 1829.

[8] William Morgan Kinsey (1788-1851), Portugal Illustrated Letters, Embellished with a map, plates of coins, wignettes, and a various engravings of costumes, landscape scenery, &c. Treuttel, Würtz, and Richter, Soho Square London 1828.

[9] William Morgan Kinsey (1788-1851), Portugal Illustrated Letters, Embellished with a map, plates of coins, wignettes, and a various engravings of costumes, landscape scenery, &c. Treuttel, Würtz, and Richter, Soho Square London 1828. (pág.218).

[10] rev. William Morgan Kinsey (1788-1851), Portugal Illustrated Letters, Embellished with a map, plates of coins, wignettes, and a various engravings of costumes, landscape scenery, &c. Treuttel, Würtz, and Richter, Soho Square London 1828. (pág.271).

[11] James Cavanah Murphy (1760–1814) Architecte, Travels in Portugal, through the provinces of Entre Douro e Minho, Beira, Estremadura, and Alem-Tejo, in the years of 1789 and 1790: consisting of observations on manners, custos, trade, public buildings, arts, antiquities of the kingdom. Printed for Strahan and T. Cadell Jun. and W. Davies. London 1795.

[12] James Cavanah Murphy (1760–1814), A General View of the State of Portugal Containing a Topographical description there of in which are inclued, na account of the physical and moral together with observations on the animal, vegetable and the whole compiled from the best portuguese writers, and illustrades with plates. . Printed fot T. Cadell Jun. and W. Davies in the Strand London 1798.

[13] Camilo Castelo Branco – Introdução a Vinte Horas de Liteira. (1864). 3ª Edição Parceria António Maria Pereira Lisboa 1907. (pág. 5 a 10).


4 - O percurso entre Porto e Coimbra

 

Como já afirmámos nos finais do século XVIII, o arquitecto irlandês James Cavanah Murphy (1760-1814) foi incumbido de realizar o levantamento do Mosteiro da Batalha e por isso deslocou-se a Portugal.

Empreende então uma viagem do Porto até à Batalha (onde se deteve por cerca de 3 meses), tendo então seguido por outros itinerários no sul do país.

Dessa sua deslocação por Portugal publicou um livro Travels in Portugal in the years of 1789 and 1790 [1].

Se bem que Fernandes Thomaz se tenha deslocado de Coimbra para o Porto interessa-nos desse relato de Murphy, o percurso inverso (do Porto até Coimbra), já que apesar de algumas poucas alterações ditadas sobretudo pelas deslocações militares na Guerra Peninsular, manteve-se no geral o tipo de transporte, o estado da estrada e os locais de prenoita dos viajantes e a mudança dos animais

 Murphy narra, esse percurso com referências diárias, desde Sexta-Feira, 23 de Janeiro de 1789, até à sua chegada a Coimbra, 4 dias depois.

 Por isso acompanhemos essa viagem de Murphy.

 O Mapa

Na folha n.º 1 do mapa da Península Ibérica de 1790 desenhado por Tomás López de Vargas Machuca (1730-1802) e Michael Votésky (?-?), assinalamos os locais que são referidos no relato de Murphy. (Porto, Carvalhos, Arrifana, Albergaria, Sardão, Avelãs (?), Mealhada, e Coimbra).

 

fig. 20 - Tomás López de Vargas Machuca (1730-1802) e Michael Votésky (cartógrafos), Franz Anton Schraembl (1751-1803) (editor) Folha n.º 1 de Neueste generalkarte von Portugal und Spanien1790 nach den astronomischen Beobachtungen und Karten des Herrn Thomas Lopez / verfasst von Herrn Michael Voteskymapa em 6 seções 72 x 53 cm cada folha. Institut Cartogràfic i Geològic de Catalunya.

 

 

fig. 21 - Pormenor do mapa com o percurso entre Porto e Coimbra com as localidades assinaladas e numeradas, referenciadas por James Murphy.

 

 Partida do Porto (1)

 Escreve Murphy em 23 de Janeiro:

“Assim que atravessamos o Douro, juntaram-se-nos três outras carruagens que regressavam a Lisboa; duas delas estavam vazias, a outra tinha sido contratada por um senhor da província do Minho.

Este senhor tem sido o meu topógrafo na estrada; e temo que os nomes de alguns lugares, não encontrados nos mapas portugueses, façam parte da corrupta ortografia local, onde se fala um dialecto entre o português e o espanhol.

Fomos também acompanhados, no primeiro dia de viagem, por quatro galegos, contratados pelos arrieiros para os ajudar a resgatar os seus veículos e mulas dos obstáculos que se interpunham.”

[“As soon as we crossed the Douro, we were joined by three other carriages returning to Lisbon; two of them were empty, the other was engaged by a gentleman from the province of Minho.

This gentleman has been my topographer on the road; and I fear that the names of some places, not to be found in the Portuguefe maps, partake of the corrupt orthography of his province, where in they speak a dialed: between the Portuguese and the Spanish languages.

We were also accompanied, in the first day's journey, by four Galician labourers, employed by the muleteers for the purpose of assisting them in rescuing their vehicles and mules from the obstrudions that lay in the way.” ]


E Murphy prossegue salientando:

É extraordinário que tão perto da segunda cidade do reino não haja um caminho a que possámos chamar de estrada; é verdade que alguns esforços foram feitos para abrir uma, mas foi tão mal planeada que na primeira enchente provocada pelas chuvas a maior parte dela foi varrida.

Não teríamos podido prosseguir sem a ajuda desses muleteiros, visto que as mulas caíam a cada momento, ou ficavam atoladas na lama, onde teriam permanecido, se não fossem os esforços de toda a companhia.”

[“It is extraordinary, that so near the second city in the kingdom, there is not a perch of what we should call a road; some efforts, it is true, have been made to form one, but fo ill contrived, that the first torrent hasnswept the greater part of it away. We should not have been able to proceed without the aid of these labourers, as the mules were every moment tumbling, or embarrassed in the mud, where they must have remained but for the united efforts of the company.”]  [2]

 

Os Carvalhos [2]

 Relata Murphy a sua chegada aos Carvalhos onde se instalará na Estalagem.

“Às quatro horas da tarde chegamos a Dos Carvalhos num estado miserável; mulas e almocreves, galegos e passageiros, todos com os trajes, salpicados da cabeça aos pés.

A Estalagem dos Carvalhos ou Caravansary of the Oaks, dista cerca de uma légua do Porto, e de onde partimos às 9 horas da manhã, concluiu esta jornada.”

[“At four o'clock in the afternoon we reached Dos Carvalhos in a miserable plight; mules and muleteers, Galicians and passengers, all in the same livery, bespattered from head to foot, Estalagem dos Carvalhos or the, distant about one league from Oporto, which we left at nine o'clock in the morning, closed this day's flage.”] [3]

A Estalagem

 Nos Carvalhos, onde se acolhe, Murphy desenha a Estalagem com um majestoso carvalho e um carro de bois.

 

fig. 22 - Estalagem dos Carvalhos in Murphy A View of the Caravansary of the Oaks. Plate II pág.20.

A Estalagem apresenta uma arquitectura rural e popular. O edifício tem um rez-do-chão que se prolonga em alpendre o qual se abre para um pátio. Num corpo de uma das extremidades do edifício colocavam-se os estábulos. No corpo principal a porta da entrada e a sala das refeições. O piso superior era reservado para os quartos.

 Sobre esta estalagem também escreve William Kinsey.

“(…) Chegámos a Vila Nova, onde a estalagem não sendo muito convidativa, dirigimo-nos então ao adro da igreja, e espalhámos os fragmentos heterogêneos de nossa cesta de provisões nos degraus de uma cruz de pedra, como fizemos posteriormente, em várias ocasiões, onde o ar livre sempre preferimos ao ambiente sujo e confinado das barracas de rua, que por aqui se distinguem universalmente por ostentarem uma inscrição na placa da "Companhia Geral do Alto Douro".

[“(…) we reached Villa Nova, where the estalagem not being very inviting, we betook ourselves to the churchyard, and spread the motley fragments of our provision basket on the steps of a stone cross, as subsequently, in numerous instances, where the open air challenged our preference to the filth and confined atmosphere of the way-side winehuts, which in these parts are universally distinguished by bearing an inscription on the sign of " Companhia Geral do Alto Douro."] [4]

E referindo-se às estalagens, para além de uma gravura de um edifício não identificado, escreve com uma britânica ironia:

“O edifício de uma Estalagem tem na frente um espaço aberto, ao lado do qual existe uma porta que conduz ao curral escuro para as mulas, - pois não merece o nome de estábulo, - e do outro lado uma espécie de masmorra, lúgubre e escura, na qual são colocados, lado a lado, numerosos sacos grosseiros recheados de palha, ou folhas de milho, para os arrieiros e peões. Uma escada de pedra, invariavelmente coberta de lixo, e mais frequentemente cercada por mendigos robustos e importunos, a cujas mãos estendidas e às súplicas fervorosas é quase impossível de resistir, leva a um salão, ou refeitório, comum a todos os que chegam, tendo em cada lado portas para os diversos armários, pois não podem ser chamados de quartos de dormir, com os quais, no entanto, os viajantes comuns têm de contentar-se em ocupar, ou melhor, compartilhar com os nativos percevejos.”

[“The arrangement of an Estalagem is generally to have a open space in front, on one side of which is a door leading into the dark receptacle for the mules, — for it does not deserve the name of a stable, — and on the other is a sort of dungeon, dreary and dark, in which are placed, side by side, numerous coarse bags stuffed with straw, or leaves of Indian corn, for muleteers and foot-passengers. A stone staircase, invariably covered with filth, and most frequently beset by sturdy and importunate beggars, whose clasped hands and earnest entreaties it is almost impossible to resist, leads up to a landing-place, or eating-room, common to all comers, on either side of which

are doors to the different cupboards, for they cannot be called bed-rooms, which nevertheless ordinary travellers are contente to occupy, or rather share with the native persevejos.”] [5]

fig. 23William Morgan Kinsey (1788-1851), Estalagem or Portuguese Inn. In Portugal Illustrated Letters. (pág. 214).

 

Na verdade, já antes William Granville Eliot no seu Treatise of Defence of Portugal, publicado em 1810, havia criticado as estalagens portuguesas.

“As Estalagens, ou pousadas, mesmo em algumas das melhores cidades, são miseravelmente sujas e deploráveis, não oferecendo um melhor alojamento; uma cervejaria na Inglaterra é um luxo em comparação com a melhor delas. Um oficial raramente estará sujeito a esse inconveniente; o seu uniforme é um passaporte suficiente; e, a pedido do magistrado-chefe * do local, ele receberá uma autorização.

*Nas cidades, o magistrado-chefe tem o título de Corregedor, tendo jurisdição sobre determinado distrito. Nas menores cidades e vilas as autorizações são emitidas por um Juiz-de-Fora, Juiz do Povo ou Capitão Mor. Este último é uma espécie de magistrado militar, tendo o comando do Levée en Masse, normalmente com a patente de Tenente-Coronel.”

[“The Estalagens, or inns, even in some of the better towns, are miserably dirty and wretched, affording no better accommodation; a pot alehouse in England is a luxury compared to the best of them. An officer will seldom be subject to this inconvenience; his uniform is a suficiente passport; and, on application to the chief magistrate* of the place, he will be provided with a billet.

* In the cities the chief magistrate is entitled Corregidor, having the jurisdiction of a certain district. In the smaller towns and villages billets are procured from the Juiz-de-Fora, Juiz de Povo, or Capitao Mor. The latter is a kind of military magistrate, having the command of the Levée en Masse, most commonly with the rank of Lieutenant Colonel.”] [6]

 

E prossegue William Eliot, referindo-se à restauração.

“Há uma abundância de Casas de Café em cada cidade; estas, exceto alguns em Lisboa e no Porto, são literalmente casas de venda de café, limonada, bebidas espirituosas e nada mais.

 [“There are abundance of Casas de Café in every town; these, except some few in Lisbon and Oporto, are literally houses for selling coffee, lemonade, spirits, and nothing more.”]

E refere ainda as Casas de Pasto:

“As Casas de Pasto e Casas de Comer ou restaurantes, são idênticas às Estalagens no que diz respeito à sujeira e falta de higiene; tudo é servido com uma abundância de azeite e alho. O único prato saboroso ao paladar da maioria dos ingleses é o Caldo de Galinha, composto por uma galinha cozida com um pouco de toucinho gordo, uma cebola e um pouco de arroz, servidos juntos no caldo; nele é introduzido um pouco de óleo rançoso e uma salsicha de alho forte, quando não é proibido.”

[“The Casas de Pasto and Casas de Comer or eating-houses, are of the same description with respect to nastiness and filth, as the Estalagens; every thing is served up with a profusion of oil and garlic. The only palatable dish to the taste of most Englishmen is a Caldo de Galinha, composed of a fowl boiled with a bit of fat bacon, an onion and some rice, served up together in the broth; into this a little rancid oil and a strong garlic sausage is introduced, if not forbidden.] [7]



[1] James Cavanah Murphy (1760–1814) Architecte, Travels in Portugal, through the provinces of Entre Douro e Minho, Beira, Estremadura, and Alem-Tejo, in the years of 1789 and 1790: consisting of observations on manners, custos, trade, public buildings, arts, antiquities of the kingdom. Printed for Strahan and T. Cadell Jun. and W. Davies. London 1795.

[2] James Cavanah Murphy (1760–1814) Architecte, Travels in Portugal, through the provinces of Entre Douro e Minho, Beira, Estremadura, and Alem-Tejo, in the years of 1789 and 1790: consisting of observations on manners, custos, trade, public buildings, arts, antiquities of the kingdom. Printed for Strahan and T. Cadell Jun. and W. Davies. London 1795. (pág. 18).

[3] James Cavanah Murphy (1760–1814) Architecte, Travels in Portugal, through the provinces of Entre Douro e Minho, Beira, Estremadura, and Alem-Tejo, in the years of 1789 and 1790: consisting of observations on manners, custos, trade, public buildings, arts, antiquities of the kingdom. Printed for Strahan and T. Cadell Jun. and W. Davies. London 1795. (pág. 18 e 19).

[4] rev. William Morgan Kinsey (1788-1851), Portugal Illustrated Letters, Embellished with a map, plates of coins, wignettes, and a various engravings of costumes, landscape scenery, &c. Treuttel, Würtz, and Richter, Soho Square London 1828. (pág. 209 e 210).

[5] rev. William Morgan Kinsey (1788-1851), Portugal Illustrated Letters, Embellished with a map, plates of coins, wignettes, and a various engravings of costumes, landscape scenery, &c. Treuttel, Würtz, and Richter, Soho Square London 1828. (pág. 216 e 217).

[6] William Granville Eliot (1775-1855), A Treatise on The Defence of Portugal with a Military Map of The Country To which is added A Sketch of the Manners and Costumes of the Inhabitants, and Principal Events of the Capigns under Lord Wellington in 1808 and 1809. Printed for T. Egerton, Military Library. Withehall London 1810. (pág.129).

[7] William Granville Eliot (1775-1855), A Treatise on The Defence of Portugal with a Military Map of The Country To which is added A Sketch of the Manners and Costumes of the Inhabitants, and Principal Events of the Capigns under Lord Wellington in 1808 and 1809. Printed for T. Egerton, Military Library. Withehall London 1810. (pág.130).