fig. 1 – O projecto apresentado em 27 de Fevereiro de 1920. Fachada Rua de Passos Manoel e Rua de S.ta Catharina. Escala 001 x 100. AHMP.
fig. 2
- O projecto apresentado em 27 de Fevereiro de 1920. Corte Transversal. (1:100)
Planta Topografica. (1:1000 Detalhe das retretes. (1:10). Vãos do Telhado. (1:100).
AHMP.
Em 27 de Fevereiro de 1920 Manuel José Pereira Leite Júnior requer à CMP a construção de um edifício “no terreno que possui no angulo formado pelas ruas de St.ª Catarina e Passos Manoel, lado oriental, conforme o projecto e memória descriptiva junta (…)”. [1]
O projecto e a respectiva memória descritiva são assinados
pelo arquitecto Agostinho Ribeiro de Ferreira (? - ?).
Sabe-se que o autor do projecto é o arquiteco Francisco
Oliveira Ferreira (1884 -1957), mas provavelmente - por nessa altura ainda não possuir
o diploma de arquitecto que só obterá em 1925 - o projecto apresentado na CMP
está assinado por um arquitecto diplomado. Uma prática que se manterá ao longo do
século XX, já que só se obtinha o diploma alguns anos depois de exercer a
profissão e elaborar alguns projectos.
Para melhor se perceber a prática da arquitectura no início
do século XX, transcreve-se algumas passagens da memória descritiva.
Assim: “(…) As
cantarias serão de Granito fino e mármore, sendo de mármore as colunas que
fazem parte das fachadas, bem como alguns motivos decorativo.
Como os pavimentos do
1º e 2º andares teem de ficar amplos devido a destinarem-se a negocio, levará
vigas de ferro servindo de travação ao prédio, bem como nos vãos do rez do
chão. As esquadrias exteriores serão de madeira de castanho e ferro forjado,
para receberem vidraça, cristal e vidro fantasia.” (…).
E como curiosidade a memória descriptiva termina da seguinte
maneira:
“As retretes serão
modernas com syphão e o mais hygienicas, sendo de autoclysmo e d’harmonia com
as leis de salubridade em vigôr.
Simplificando direi
que toda a obra será executada d’harmonia com as leis salubridade das
construções e demais posturas municipaes em vigôr.
Saude e Faternidade
Porto, 1 de Março de 1920.” [1].
Este projecto é aprovado em 27 de Março de 1920 pelo então Presidente da Câmara, Armando Marques Guedes (1886/9-1958), maçónico, advogado, professor universitário, jornalista e político (foi deputado de 1915 a 17 e de novo de1925 a 26, e Ministro das Finanças em 1925).
Numa nota importante do processo de licenciamento, os
serviços camarários lembram que o projecto não cumpre o alinhamento e que “É para notar que a fachada d’esta
edificação voltada á rua Passos Manoel avança cerca de 1, 50 m. sobre o terreno
municipal”. [2]
Para melhor se compreender a dificuldade do lote e a necessidade de cumprir o alinhamento, mostra-se o cruzamento das ruas de Santa Catarina e de Passos Manuel em 1892.
Na planta de Telles Ferreira de 1892 está cartografado o
cruzamento das ruas de St.a Cahtarina
com Passos Manoel (assim escrito) e
os alinhamentos previstos. (fig. 3)
Note-se que a rua Passos Manuel terminava a poente, na rua
de Sá da Bandeira e a nascente, no Largo de S.to André (futura praça
dos Poveiros).
Pinho Leal no seu Portugal Antigo e moderno v.7. Lisboa 1876 (pág.477)
descreve assim a
“Capella de Santo André—no logar do mesmo nome (antiga feira da herva) próximo e ao O. do passeio publico de S. Lazaro. Foi demolida ha uns 15 ou 16 annos, e d'ella só existe a memoria no referido largo, que ainda conserva o nome do santo.” [3]
fig. 3 - A esquina das ruas de Santa Catarina e Passos Manoel. Pormenor da Planta de Telles Ferreira escala 1:5000No levantamento à escala 1:500, nota-se a divisão da propriedade (parcelas pequenas), os muitos logradouros ajardinados e os trilhos do transporte eléctrico então existente. (fig.4)
fig. 4 - A esquina das ruas de Santa
Catarina e Passos Manoel. Quadrícula 278 da Planta de Telles Ferreira escala
1:500.
[1]
Requerimento de Manuel José Pereira Leite (pág. 27) Processo de 27/02/1920. Arquivo
Histórico Municipal do Porto AHMP
[2]
Memória descriptiva do projecto apresentado em 1920. Processo de 27/02/1920. (pág.
28 e 29). AHMP
[3]
Processo de 27/02/1920 (pág. 34) AHMP.
[4] Pinho Leal, (Augusto Soares de Azevedo Barbosa de Pinho Leal, 1816-1884), Portugal Antigo e Moderno, vol.7. Lisboa 1876. (pág.477).
O projecto de 1922
Por esta razão do alinhamento com o projectado traçado para a
rua Passos Manuel ou porque a construção do edifício sofreu uma larga
contestação dando “lugar a reclamações no
local, e em consequência delas a Ex.ma Camara mandou intimar o requerente a
apresentar novo projecto a fim de subordinar as obras a outro alinhamento, que
deu entrada em 6 de Outubro de 1922 (…)” [1].
fig. 5 – Aditamento ao projecto a
que se refere o Requerimento do Ex.mo Sr. Manoel José Pereira Leite Júnior.
Fachada da Rua Passos Manoel. Rua de S,ta Catarina. Corte por A.B. Escala
1:100. (pág.2). AHMP.
Este novo projecto de 10 de Janeiro de 1923 não assinado, em tudo idêntico ao anterior, apenas obedecendo ao alinhamento exigido pela CMP, apresenta agora os cálculos referentes á estrutura (pág. 3 a 40).
Em 3 de Março de 1923 o projecto é definitivamente aprovado
sendo Presidente António Joaquim de Sousa Junior (1871-1938), médico e político
republicano deputado ao Congresso Constituinte em 1911, e Ministro da
Instrução.
A licença é emitida pelo engenheiro civil e de minas António Pinto de Miranda Guedes (1875—1937), engenheiro, então chefe da divisão de Obras da Câmara Municipal do Porto, e que em 1927 nomeado director dos Serviços Municipalizados de Águas e Saneamento (SMAS) então criados.
O lapso de tempo também é explicado pelo Requerente em
documento anexo ao processo: “Quando o
Requerente ia dar começo ás obras de execução daquele projecto, no verão de
1921, pessoas mal-intencionadas, abusando do fácil impressionismo das massas
populares, promoveram no local ruidosas manifestações de desagrado, que
procuraram atingir a Vereação nos seus intuitos do alinhamento e aformoseamento
daquele local (…)”
“Em consequência de
tais manifestações e de acordo com a Ex.ma Camara, o Requerente suspendeu as
mesmas obras, tanto mais que esperava no entretanto consegui judicialmente o
despejo do seu inquilino, um dos principais instigadores da arruaça. (…)” [3]
fig. 6 – A implantação do edifício e
o alinhamento da rua Passos Manuel na Planta de Telles Ferreira de 1892.
[1] Requerimento
de 06/10/1922. AHMP.
[2] Aditamento
de 27 de setembro de 1922 ao Processo de 1920 (pág. 235) AHMP.
[3] Aditamento
de 27 de setembro de 1922 ao Processo de 1920 (pág.260). AHMP
As obras
Uma extraordinária fotografia de Alvão dos anos 20 mostra a rua de Passos Manuel e o aspecto das demolições necessárias para o alinhamento e a construção do edifício da Casa Inglesa.
fig. 7 - Foto Alvão n.º 24 in
Fotografia Alvão Clichés do Porto 1902-2002 ed. Casa Alvão Porto 2002
fig. 8 – Pormenor da fotografia
anterior
Julgo tratar-se de um Citroën Torpedo dos anos 20 quer pela descrição das características visíveis quer porque o stand da Citroën será em 22 de Fevereiro de 1930, o primeiro inquilino do rés do chão do prédio (antes da Casa Inglesa). O stand da Citroën situava-se então na rua de Sá da Bandeira como se vê na foto de Alvão (ver fig. 9 e fig. 10), tendo à porta do Stand um conjunto de automóveis com matrículas da série N-7200 a 7600.
fig. 9 –Rua de Sá da Bandeira 335.
c.1929. Foto n.º 67 in A Cidade do Porto na Obra do fotógrafo Alvão. Ed.
Fotografia Alvão. 1984.
Na fig.11, dois carros da escola de condução do Automóvel Clube de Portugal (ACP), quando criou em 1935 a sua Escola de Condução no Porto, com o Citroën Torpedo de 1926 atrás de um Ford 4 portas de 1932 com a matrícula N-12449, estacionados, julgo eu, junto ao jardim da Praça 9 de Abril (Arca d’Água), jardim inaugurado em 9 de Abril de 1928.
fig. 11
- Os carros da Escola de Condução do ACP.
O edifício
Quanto ao edifício em 22 de Fevereiro de 1923 a “Comissão de Estética considera o presente
projecto em excelentes condições artísticas e digno de ser aprovado em presença
do alinhamento da sua fachada para a rua Passos Manoel (…)” [1]
O edifício não seguirá exactamente o projecto, sendo abandonado o torreão do gaveto
O arquitecto coloca os acessos nos topos do edifício: no
cunhal da rua de Santa Catarina, situa-se o acesso nobre ao piso térreo, e no
topo nascente da Rua Passos Manuel, a entrada com a escada de acesso aos pisos
superiores.
Pode ler-se:
“Mais um interessante projecto do
distinto arquitecto do Porto, Ex.
mo Sr. Francisco de Oliveira Ferreira,
temos hoje o prazer de publicar, sendo indiscutivelmente um grandioso
e belo que vai engrandecer o aspecto estético daquela cidade que
ultimamente se tem modificado duma forma
notável e progressiva.”
E o articulista refere
que:
“Todo o edifício é de granito fino lavrado e
destina-se a rendimento, tendo no rez do chão um só amplo estabelecimento com
cave e outros andares com grandes salões e escritórios.”
“O edifício tem além das lojas três
andares e mansarda, havendo no cunhal uma torre que se eleva alto dando um
feliz remate a esta construção.”
“Os progressos da engenharia com a
difusão do beton armado e outros processos de construção facilitam extraordinariamente
a ideação moderna de forma que, pode-se afoitamente afirmar, que não há
dificuldade que se não possa vencer, não há pensamento que não seja possível
materializar, embora pareça impraticável.”
“De há muito que o Porto se vem
desenvolvendo pondo-se sob o ponto de vista estético num plano que o vai
aproximando das grandes cidades modernas (…)”
“A obra está em via de conclusão estando até já arrendado o estabelecimento
para Stand da “Citroën”.” [2]
[1] Aditamento
de 27 de setembro de 1922 ao Processo (pág. 263) AHMP
[2] A Arquitectura Portuguesa, revista mensal de
Arquitectura e Construção ano XXIII – 2ª série Lisboa Fevereiro de 1930 n.º 2.
(pág. 1).
E, nos anos 30, a loja de vestuário Casa Inglesa veio ocupar
com grande sucesso o espaço comercial do rés-do-chão do edifício, que assim
passou a ser conhecido como o edifício da Casa Inglesa.
Esse sucesso traduz-se na publicação nos anos 30, da
partitura da canção “Espera-me na Casa Inglesa” de Júlio Pontes. Na capa um
desenho do edifício. (fig. 12).
fig.
12 - Capa da partitura da Espera-me na Casa Inglesa one step marcha
música de Júlio Pontes, c.1930. Coleção Arquivo Helder Pacheco. AHMP
fig. 13 – O edificio numa foto com a Casa Inglesa.
A minha ligação ao edifício.
Quando estudante de Arquitectura na Escola de Belas Artes,
junto com outros colegas estudantes de arquitectura nas Belas Artes,
frequentando vários anos do curso, entre 1967 e 1970, alugamos duas salas do 3º
andar do edifício para aí instalar um atelier para a elaboração dos trabalhos
escolares. Uma voltada para a rua Passos Manuel em frente da porta lateral do
Majestic (sala A) e a outra na esquina de Santa Catarina (sala B).
Essas salas, tinham sido ocupadas pelo pintor e professor
Augusto Gomes que as libertou por razões de saúde.
Estas salas-ateliers funcionaram como verdadeiras escolas
pela colaboração entre os estudantes, com visitas esporádicas de alguns
professores.
fig. 14 – O edifício da Casa Inglesa com a indicação da salas ocupadas pelo grupo de estudantes de arquitectura.
E muitos outros por estas salas passaram, substituindo os
que então iam concluído o curso.
O Marcolino Relojoeiro
O espaço da Casa Inglesa
acabou por ser ocupado em 2011/14 pela vizinha relojoaria Marcolino.
O Marcolino Relojoeiro instalou-se em 1937, num estabelecimento projectado pelo arquitecto Homero Ferreira Dias (1904-1960), na rua Passos Manuel junto ao edifício da Casa Inglesa.
fig. 15.–
Fachada da loja Marcolino na rua Passos Manuel nos anos 60 do século XX.