terça-feira, 18 de março de 2025

uns apontamentos sobre Camilo e a Foz do Douro

 

No bicentenário de Camilo Castelo Branco (1825-1890) que se comemorou em 16 de Março uns apontamentos sobre Camilo e a Foz do Douro.

Camilo Castelo Branco fez algumas estadias na Foz, como se constata numa carta dirigida à filha onde refere o Hotel Mary Castro, também referido, noutros textos, como o Hotel inglez.

“Cartas VII

M * QUERIDA FILHA

Fui p.ª a Foz, Hotel Mary & Castro. E' o quarto onde estivemos no 1.º andar. Saudades, e presentim.os de q. não nos aguentaremos aqui mais. O S.r Pinto está no Central, Entre Paredes com o Narciso.” [1]


 

fig. 1 – o Hotel Mary Castro (hotel inglez) na rua das Motas. Ed. “A Nossa Foz do Douro” in blog. Porto de Antanho https://portodeantanho.blogspot.com/search/label/Hotel%20e%20Pens%C3%A3o%20Mary%20Castro

 

Camilo Castelo Branco como editor publica em 1870, sob o pseudónimo de João Junior, um livro que intitulou Scenas da Foz. Onde curiosamente pouco se fala da Foz do Douro.

 E Camilo Castelo Branco como editor escreve

“Declaro que encontrei uma serie de scenas, que tanto podiam ser de S. João da Foz como de Freixo-de-Espada-á-Cinta. Entretanto, os quadros comicos são desenhados com um pouco mais sal que um artigo de fundo. Os episodios funebres estão escriptos em estylo de cavallo de carruagem, como dizia Voltaire.” [2]

E acrescenta

 “Pergunta o leitor o que tem isto com as Scenas da Foz?

Se me começam com perguntas, estamos mal aviados! Um homem na minha idade, com a reputação feita, escreve as cousas como ellas lhe escorregam dos bicos da penna. Nem acizelo o estylo, nem torneio o pensamento, nem traço plano. Não me apoquentem. Lá vamos á Foz.” [3]

 No livro, apenas três referências a Carreiros por onde se passeavam as personagens e uma referência à benéfica e romântica presença que o oceano provoca no coração:

“Deveis de saber, leitores pudicos, que D. Vicencia Raposo, quando chegou á Foz, sentiu, na presença do occeano, rejuvenescer-se o coração, desenrugar-se-lhe a alma, e esvoaçarem-lhe de redor candidos amorinhos. Souvent l'onde irrite la flamme, disse Corneille, e D. Vicencia, aspirando o ar nitrico do mar, cobrou vigor de peito, e com o vigor novo readquiriu as necessidades velhas, as ilusões de 1801, as realidades de 1809, e até o amargo prazer de experimentar os desenganos de 1819, época da sua fatal decadencia.” [4]

Camilo e o Castelo da Foz

Mas Camilo no n.º 2 da Gazeta Literária, uma publicação por ele dirigida, escreve sobre a fortaleza de S. João Baptista conhecida como o Castelo da Foz.

“O CASTELLO DE S: JOÃO DA FOZ

Nas salas da pacifica fortaleza da cidade do Porto, ha quatorze annos que fugiam as noites, e alvoreciam as manhãs, esmaiando, sem poder quebrantar, a formosura das graciosas damas que dispartiam à volta d’ellas o excedente da sua felicidade. Em noites calmas e alumiadas da lua era bello vel-as, as gentis senhoras que ali moravam, por sobre os baluartes e revelim, vestidas de branco, ora quietas e contemplativas voltadas ao mar, ora correndo ao longo dos terraços, como creanças para quem o crepúsculo da manhã da vida havia de esvair-se nos alvores do dia eterno.”

“Se haverá dos que viram o Porto de ha quatorze annos quem não tenha saudados das noites do Castello da Foz! Eu de mim não sei o que hoje la passa; mas ouvi dizer que as brizas baloiçam as solitarias ervas dos baluartes e o vento silva nos vigamentos das salas onde estrondeavam as musicas.” 

E depois de resumir a história do castelo da Foz bosquejadas umas notas subsidiarias para quem mais espaciadamente quizer historiar a formação do Castello da Foz” mais adiante escreve:

 “N’outro artigo coordenarei as notas que tiver acerca da importância guerreira e política do Castello. A guerreira já de antemão posso assegurar que foi mediana. A política não tanto assim, consideradas as agonias que gemeram nos calabouços d’aquella casa, onde eu, há catorze anos, as imaginei, durante as delícias d’um baile.

Os que ali padeceram nas masmorras e muitos dos que eu la vi bebendo a haustos de felicidade o néctar da vida, tudo resvalou no sorvedouro da eternidade…

Findei tristemente como comecei. C.CASTELLO-BRANCO.” [5]

 



fig. 2 - Cesário Augusto Pinto (1825-1895). O Castelo da Foz 1849. In As margens do Douro, collecção de doze vistas Litografia 160 x 250 mm. por J. C. V. V.a  Nova*. Rua do Campo Pequeno, Porto, 1849

.


*J.C.V. V.ª Nova - Joaquim Cardoso Vitória Vila Nova (c.1793-1850)


Ainda sobre o Castelo da Foz refira-se que Lady Johnson no seu Fair Lusitania, a escritora descreve um fim do dia de tempestade junto ao Castelo.

E como foi Camilo que traduziu o livro, com o título de A Formosa Lusitania, onde mostra as suas qualidades de tradutor e escritor, não parece descabido citar essa passagem.

 Ás onze horas, os últimos carros largam para o Porto: ha então um atropellamento geralpor cauza de logares, e a Praia fica em parte vazia: mas quem está na Foz não se apressa a retirar-se, de modo que muitas vezes á meia noute há ainda ali alguns retardatários.

A tarde da festa não convidava a andar á tuna; mas eu, com os meus amigos portuguezes, fomos de passeio até perto do castello. Não havia luar. Toldava o ceu um largo cinto negro de nuvens arqueadas que se engrossavam. As vagas rugiam furiozas; na barra espadanavam alvejantes espumas, emquanto no mar escuro rutilavam longos sulcos de luz phosphorica.

Cuidei que chovia; mas eram borrifos de espuma à mistura com areias que as lufadas do vento quente nos atiravam. Não trovejava, posto que os relâmpagos vividos e brilhantes coruscassem no espaço, agora, relampadeando por largo e envolvendo, por instantes castello, montes e mar, em roixa luz intensa; logo, em linhas ondulosas que pareciam esbrazear o dorso das vagas, como se fossem uma acceza massa que se abria e fechava com deslumbrantes lampejos por entre nuvens lúgubres e negras.

Toldava o ceu um largo cinto negro de nuvens arqueadas que se engrossavam. As vagas rugiam furiozas; na barra espadanavam alvejantes espumas, emquanto no mar escuro rutilavam longos sulcos de luz phosphorica.

Cuidei que chovia; mas eram borrifos de espuma à mistura com areias que as lufadas do vento quente nos atiravam. Não trovejava, posto que os relâmpagos vívidos e brilhantes coruscassem no espaço, agora, relampadeando por largo e envolvendo, por instantes castello, montes e mar, em roixa luz intensa; logo, em linhas ondulosas que pareciam esbrazear o dorso das vagas, como se fossem uma acceza massa que se abria e fechava com deslumbrantes lampejos por entre nuvens lúgubres e negras.” [6]

 


fig. 4  - O Castello de S. João da Foz, Coelho, in O Archivo Popular vol.3, 1839 (pág.177).e em Illustração Portuguesa n.º 7 de 8 de Outubro de 1888 Lisboa.

Camilo Castelo Branco ainda em outra publicação, Scenas Contemporâneas, refere a “praia dos Inglezes”.

 “ACTO II.

A scena é na Foz, justamente na praia dos Inglezes.

Senhoras e homens tomando banhos; outros entrando nas barracas, horrivelmente desfigurados, ou, antes, taes quaes a natureza os fez. Sobre os penedos, pinhas de povo que pasmam diante dos ensaios do salvavidas. Estes podem dizer o que quizerem a tal respeito. O author dá carta branca ao actor para que diga centenares de parvoices: pode até discorrer sobre o dropp se lhe aprouver; mas o melhor é calar-se.

 SCENA I.

Afora estes entes nullos, Jorge e Leocadia sentados em cadeiras.

Leocadia (fazendo SS com o guarda-sol na areia).

— Estás tão sombrio, Jorge!

Jorge (fazendo TT na areia corna chibata).

— Estou optimamente. (Ouvem-se guinchos muito sympathicos das senhoras, que patinham no banho. Alguns homens urram).

Leocadia. — Parece que te aborrece a Foz ! . . .

Jorge. — Nada me aborrece… Estou bem em toda a parte…” [7]



fig. 3  – Emílio Pimentel* e J. Pedrozo **, A Praia de Banhos in (José Duarte) Ramalho Ortigão (1836-1915), As Praias de Portugal, guia do banhista e do viajante, Com desenhos de Emílio Pimentel, Livraria Universal de Magalhães & Moniz, Editores, 12, Largo dos Loyos, 14, Porto 1876.

* Emílio Oliveira Pimentel (1844-1880)

**João Pedrozo Gomes da Silva (1823-1890).

 E, para finalizar, no romance “Annos de Prosa”, Camilo Castelo Branco, também refere a Foz do Douro.

 “A primeira carta de Leonardo Pires ao condiscípulo dizia que Silvina ia todos os dias á Foz de carroção, e almoçava bifes e fiambre no hotel inglez. Ajuntava a isto o picaresco informador que a menina usava de anquínhas no vestido de banho, e fazia de nereida saracoteando-se na agua, requebrando-se em risos e ditos galanteadores aos tritões de baeta azul que a rodeavam, e saindo dos braços de Neptuno mui peneirada aos saltinhos pela praia, que eram umas delicias vêl-a.” [8]



[1] Júlio Dias da Costa (1878 -1935), Escritos de Camilo I – Cartas. II – Notas em livros. Notícia por Júlio Dias da Costa. Portvgália, Editora. Lisboa 1923. (pág. 53).

[2] Camillo Castello Branco, Scenas da Foz, 2.ª edição, Em Casa de Cruz Coutinho – Editor. Porto 1860.

[3] Idem.

4 ibidem

[5] Camilo Castelo Branco, in Gazeta Literária nº. 2 1868. E em Mosaico e Silva de Curiosidades Históricas, Litterarias e Biográficas. Livraria Chardron de Lelo & Irmão L.da, edit. Rua das Carmelitas, 144 Porto 1868. (pág. 15).

[6] Lady Jackson (Catherine Hannah Charlotte Elliott), Fair Lusitania. Formosa Lusitânia, traduzida e anottada por Camilo Castello Branco, livraria Portuense Editora 121, Rua do Almada, 123, Porto 1877. (Pág.316).

[7] Camillo Castello Branco Scenas Contemporâneas por Camillo Castello Branco. Acto II, 2ª Edição, Porto em Casa de Cruz Coutinho – Editor, Porto 1862. (pág.14).

[8] Camillo Castello Branco cap. XV de Annos de Prosa (1. ed.1863). Segunda edição revista e correcta pelo author. Companhia Editora de Publicações Illustradas, 35, Travessa da Queimada, 35, Lisboa, (pág. 152).