domingo, 4 de agosto de 2024

poemas recuperados 30

 


Liam Gillick, Factories in the snow 2016. Foto de Filipe Braga, Fundação de Serralves, Álvaro Siza, Museu de Serralves. Porto.



Um piano em Serralves

 “Todos os dias estarás refazendo o teu desenho.

Não te fatigues logo. Tens trabalho para toda a vida.”

Cecília Meireles *

 

Na sala branca que uma janela faz

um piano negro ao sol adormece.

No espanto luminoso do soalho

só na sombra a longa cauda mexe.

 

Nada perturba o repouso musical

da janela onde se abre todo mundo.

Ninguém ocupa o vazio espaço

que anseia algo limpo e profundo.

 

A esquecida melodia esvanecida

se adivinha nas folhas do arvoredo

soa pelos jardins da bela e antiga

moradia agora d’arte e seu segredo

 

A que abrigo de sonho pertence a sala

um gesto de mão pensante nos informa

quem desenhou um tão inefável espaço

que de obscura matéria a luz conforma.

 

* Cecília Meireles (1901-1964), Desenho de O estudante empírico (1959-1964) in Poesia Completa Livro 2, organização de Antonio Carlos Sechin. Editora Nova Fronteira, Rio de Janeiro: 2001. (pág. 1455).




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