quinta-feira, 4 de junho de 2020

Uma fotografia da Foto Beleza II Parte 3.º episódio


Os automóveis na Praça da Liberdade
Uma tentativa de identificação com várias e dispersas derivas por outras imagens do Porto na véspera da 2.ª Guerra Mundial 1938-1940.

fig. 263 – Pormenor da Foto Beleza 1938.

3.º episódio

Carros 22, 23 e 24.

 
fig. 264 – Carros n.º 22, 23 e 24.

Carro n.º 22 – Imaginando o Chevrolet de 1928 conduzido por Álvaro de Campos.


fig. 265 – Um Chevrolet landau 1928. Ano do poema de Álvaro de Campos.


Como o carro não é fácil de identificar, aposto no Chevrolet em que imagino o engenheiro Álvaro de Campos ao volante do Chevrolet pela estrada de Sintra…

Fernando Pessoa na figura de Álvaro de Campos, escreve um poema, precisamente datado de 11 de Maio de 1928, que é talvez um dos raros poemas em que se refere o automóvel a ser conduzido.

E o poeta, ao volante, percorre a estrada com destino a Sintra, mas simultaneamente à procura de se si mesmo e do seu próprio destino interior.
E descreve as sensações contraditórias que a condução do automóvel lhe provoca e o que ele significa na relação do condutor com a máquina.

No início do poema Álvaro de Campos vai sozinho, conduzindo “ao luar e ao sonho, na estrada deserta” um “automóvel emprestado”, não apenas pela estrada de Sintra, mas simultaneamente por uma outra imaginada estrada de um outro sonho e de um outro mundo.

Ao volante do Chevrolet pela estrada de Sintra,
Ao luar e ao sonho, na estrada deserta,
Sozinho guio, guio quase devagar, e um pouco
Me parece, ou me forço um pouco para que me pareça,
Que sigo por outra estrada, por outro sonho, por outro mundo,
…………………………………………………………
Mais adiante o poeta interroga-se sobre o que o automóvel provoca e o que significa. 

O automóvel, que parecia há pouco dar-me liberdade,
É agora uma coisa onde estou fechado,
Que só posso conduzir se nele estiver fechado,
Que só domino se me incluir nele, se ele me incluir a mim.
   ………………………………………………………

E o poema prossegue com o autor a questionar (-se) a relação do condutor com a máquina. Quem é admirado o condutor ou o automóvel? Quem domina quem? Quem influencia quem?

Deixarei sonhos atrás de mim, ou é o automóvel que os deixa?
Eu, guiador do automóvel emprestado, ou o automóvel emprestado que eu guio?
Na estrada de Sintra ao luar, na tristeza, ante os campos e a noite,
…………………………………………………………

E o poeta vai agora guiando desconsoladamente e perde-se nessa outra estrada e desaparece na distância que alcança.

Guiando o Chevrolet emprestado desconsoladamente,
Perco-me na estrada futura, sumo-me na distância que alcanço,

E cede então à velocidade, essa vontade irresistível que se apodera de qualquer condutor!

E, num desejo terrível, súbito, violento, inconcebível,
Acelero...   
……………………………………………………………
 Imerso nos seus pensamentos e inquietações o condutor (acontece a qualquer um…) nem repara que se desviou de um monte de pedras quase sem dar por isso.

Mas o meu coração ficou no monte de pedras, de que me desviei ao vê-lo sem vê-lo,
……………………………………………………

E o poema termina com o autor aproximando-se do seu destino físico e simultaneamente do seu próprio destino interior…
 Na estrada de Sintra, cada vez mais perto de Sintra,
Na estrada de Sintra, cada vez menos perto de mim...

[Excerto do poema “Ao volante do Chevrolet pela estrada de Sintra” (PESSOA pág. 371).]


Na época o Chevrolet era vendido no Porto pela firma Diniz & Mendonça, L. da na Rua de Santa Catarina 558.  

fig. 266 - Publicidade ao Chevrolet in Guiauto Ilustrado de 31 de Agosto  de 1929.

Carro n.º 23 – Um Ford model 48 Cabriolet de 1936


fig. 267 – Carro n.º 23.

O Ford cabriolet tinha como pormenores identificativos:
Grelha do radiador com a forma de escudo convexo;
Para-choques dianteiros com ranhura em V;
Faróis independentes do guarda-lamas;
Duas janelas laterais;
Ranhuras horizontais para ventilação do motor
Friso ao longo da carroceria;
Quatro portas;
Capota de abrir.

 
fig. 268 - Ford model 48 Cabriolet de 1936.


Outra imagem com carro semelhante

Na Ford Lusitana de Lisboa um Ford V-8 cabriolet, mas de duas portas, em exposição.


 
fig. 269 - Um Ford de 1936 em exibição na Ford Lusitana em Lisboa. Foto Mário Novais (1899-1967).
Biblioteca da Fundação Calouste Gulbenkian. F.C.G.


 
fig. 270 - Pormenor da fotografia com o Ford V-8  de Luxe cabriolet 1936 à direita..


Carro n.º 24 –Um Ford modelo A Fordor (4 portas) sedan de 1929.


 
fig. 271 – Carro n.º 24.

fig. 272 - Ford model A 4 door sedan de 1929.

 
fig. 273 – Publicidade Ford A 1929.
fig. 274 - Desenho de Ford A 1929. www.carblueprints.info

Os veículos da marca Ford eram expostos e vendidos no stand da Avenida dos Aliados 165.

Carro n.º 25 – Um DKW Meisterklasse de 1937/38 (sem a roda suplente traseira).


 
fig. 275 – Carro n.º 25.
Ver Carros 1, 3, 9, 16, 25, 30 e 35.

Carro n.º 26 – Um Ford model A Fordor (four door) sedan de 1930.

fig. 276 – Carro n.º 26.


(Ver carro 28)

Carro n.º 27 – Um Citroën traction avant 11 cabriolet de 1934/1938.

 
fig. 277 – Carro n.º27.

O carro estacionado na Praça da Liberdade é um modelo cabriolet de 2 lugares que a Citroën apresentou em 1934 juntamente com os outros traction avant.


 
 
fig. 278 – Desenho de um Citroën cabriolet 1934/1938. www.carblueprints.info

fig. 279 - Citroën traction avant 11 Bl cabriolet de 1938.

Carro n.º 28 – Um Ford Deluxe sedan fordor de 1930.

fig. 280 – Carro n.º 28.
fig. 281 - Ford Town Sedan 1930. www.carblueprints.info

Carro n.º 29 – Um Hilmann Minx de 1936

 
fig. 282 – Carro n.º 29.

fig. 283 - Hilmann Minx de 1936.

fig. 284 - Publicidade ao Hillman-Minx no Jornal O Comércio do Porto 21 de Junho 1936.

Os Hilmann nestes anos eram vendidos por António Sardinha - Automóveis Hilmann. Rua Santa Catarina, 253.
Garagem da Rootes Group na Rua Heróis de Chaves (antiga Rua Duquesa de Bragança e actualmente Rua de D. João IV).

Outra imagem com carro semelhante

Um Hillman estacionado frente à Fábrica Mattos & Irmão na Rua da Alegria em 1939.


fig. 285 - Fábrica Mattos & Irmãos na Rua da Alegria 1939. AHMP.

Carro n.º 30 – Um DKW Meisterclass de 1934/39

fig. 286 – Carro n.º 30.

Ver Carros 1, 3, 9, 16, 25, 30 e 35.

Carro n.º 31 – Um Peugeot 601 de 1934.

fig. 287 – Carro n.º 31.

fig. 288 – Um Peugeot 601 de 1934.

A série 201, 301 e 601 da Peugeot foi apresentada em 1933.

Pormenores identificativos do Peugeot 601:
Símbolo da Peugeot na grelha em forma de escudo convexo;
Curta distância entre os faróis dianteiros;
Para-choques dianteiro encurvado;
Quatro portas com fechos separados;
Três janelas laterais:
Estribo.

fig. 289 -  Publicidade francesa à série Peugeot 201 a 601. 1935.

Carro n.º 32 – Um Chevrolet sedan de 1937 com a matrícula TN-10-24.

fig. 290 – Carro n.º 32.

fig. 291 – Chevrolet sedan 1937.

fig. 292 – Chevrolet master sedan 1937. www.carblueprints.info

Outra imagem do Porto com viaturas semelhantes

A fotografia de Alvão da Praça dos Leões mostra um Chevrolet semelhante estacionado no lado norte da Praça. Atrás um Renault.

Porto imagem 2

fig. 293 - Foto Alvão, Praça dos Leões. Pormenor de um Renault e de um Chevrolet.

Os carros da G.M. eram representados pela General Motors Overseas Corporation - Automóveis (La Salle, Pontiac, Buick, Oldsmobile, Opel, Cadillac, Chevrolet e Vauxall) na Avenida 24 de Julho Lisboa.

No Porto o representante da G.M. era inicialmente o Stand Portuense Limitada de Alberto Lucas de Cunha e Companhia na Rua Sá da Bandeira 261 a 263 e posteriormente no Stand Cunhas & Almeida, Lda.   na Avenida dos Aliados 71 a 81.

Carro n.º 33 – Um Hansa Borgward 1100 de 1937 com a matrícula IL-10-59.

fig. 294 – Carro n.º 33.

fig. 295 -  Um Hansa Borgward 1100 de 1937.

 
fig. 296 - Anúncio da Hansa no jornal O Comércio do Porto de 30 Outubro de 1938.

O representante dos carros alemães Hansa era José Mário Clemente da Costa. Automóveis e Camiões Hansa. Rua Sá da Bandeira 107-2 Porto.

Carro n.º 34 – Um Ford V-8 4 portas de 1934 com a matrícula MN-31-47.

fig. 297 – Carro n.º 34.

Pormenores identificativos do Ford Y 1934:
Friso duplo ao longo da carroceria;
Roda sobresselente na traseira;
Forma do óculo traseiro;
Três janelas laterais;
4 portas com fechos separados.

 
fig. 298 – Ford  V-8 de 1934.

Os Ford V-8 de 1933 na garagem do Serviço Ford da Rua do Heroísmo.

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fig. 299– O Super Serviço da Ford na Rua do Heroísmo em 1933. AHMP.

fig. 300 - Publicidade The New Ford V-8 1933.


C - Os carros estacionados na placa norte da Praça da Liberdade 35 a 46.

Carro n.º 35 – Um DKW Meisterklasse 1934/39

fig. 301 – Carro n.º 35.

fig. 302 – Publicidade do DKW Meisterklasse.

Carro n.º 36 – Um Fiat 1500 berlina de 1935/39


fig. 303 – Carro n.º 36.

Pormenores identificativos do Fiat 1500:
Óculo traseiro dividido;
Para-choques traseiro com ligeira curva;
Roda sobresselente com tampa metálica integrada na carroceria;
Posição do suporte da matrícula.

fig. 304 - Fiat 1500 berlina de 1935/39.

fig. 305 - Publicidade ao Fiat 1500.

fig. 306 – Fiat 1500 1936.

O Fiat 1500 em exibição no Salão de Paris 1935.

fig. 307 –  O Fiat 1500 no Salão de Paris 1935.

Um Fiat 1500 noutra imagem do Porto.

No Postal que mostra a Muralha Medieval e o Dispensário do Porto para Crianças Pobres criado em 1919 pela Rainha D. Amélia (actualmente Instituto Ricardo Jorge), vemos estacionados um Chrysler e a espreitar um Fiat 1500.

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fig. 308 – Postal. Porto – Dispensário e resto da muralha da cidade. Ed. ABÊ.

A Fiat no Porto era representada pela Fiat Portuguesa S.A.R.L. – Rua Santa Catarina 122.

Carro n.º 37 – Um Peugeot 201 de 1929

fig. 309 – Carro n.º 37.

fig. 310 – Um Peugeot 201 de 1929.

fig. 311 - Um Peugeot 201 de matrícula S-23473, no Notícias Ilustrado. Blogue Restos de Colecção.

A Peugeot era representada no Porto pela Empresa Internacional de Comércio e Indústria, L.da  na Rua 31 de Janeiro 225 a 229. E posteriormente pela Agência Orey Antunes, automóveis Packard e Peugeot, situada na Avenida dos Aliados n.º 59 a 69.

Precisamente em 1928 o arquitecto francês Robert Mallet-Stevens (1886-1945) desenha o Stand da Peugeot na Avenida dos Champs-Elysées em Paris. repare-se no lettering muito usado nos anos vinte e trinta.

Na fotografia ao centro um Peugeot 201.

fig. 312 – Robert Mallet-Stevens, Stand Peugeot nos campos Elísios em Paris 1929.

Outras imagens do Porto com viaturas semelhantes

Um Peugeot 2 portas estacionado junto à Faculdade de Medicina, projectada por Rogério de Azevedo (1898-1983) e Baltazar Castro (1891-1967), sendo o edifício inaugurado em 1935.

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fig. 313 -  Foto DGEMN (IRHU). Praça do Carmo 1936.

Ao fundo um Chrysler airflow coupé 1935 (ver carro 47).

 
fig. 314 - Chrysler airflow coupé 1935.

Carro 38 – Um Fiat 500 Topolino (Ratinho) de 1936/37

Comercializado a partir de 15 de Junho de 1936 e projectado pelo engenheiro Dante Giacosa (1905-1996), foi o primeiro pequeno carro europeu verdadeiramente popular.

fig. 315 – Carro n.º 38.

fig. 316 – Fiat 500 Topolino. 1936.

No momento em que para a sua afirmação política os governos promovem a criação de um automóvel acessível a todos, foi o Fiat 500 que permitiu ao regime de Mussolini propagandear um Carro do Povo, que embora não acessível a todos tinha características e um preço que permitia a sua aquisição por mais amplas e mais jovens classes da população.
Na Alemanha nazi Hitler encomenda a Ferdinand Porsche (1875-1951) o Wolkswagen mas ele apenas será comercializado a partir de 1938.

A Fiat lança então uma vasta campanha publicitária de promoção do Fiat 500 associando-o directa ou indirectamente ao regime fascista.

O Fiat 500 é anunciado nos jornais e outras publicações como “la piccola grande vettura del lavoro e del risparmo” (a pequena grande viatura do trabalho e da poupança).

 
fig. 317 – Publicidade no jornal italiano  Il Tirreno de 15 de Junho de 1936.

O Fiat 500, a Vitoria de Samotrácia e o Fascismo

Na publicidade gráfica o Fiat 500 é neste cartaz associado à Vitória de Samotrácia lembrando os dois intelectuais D’Annunzio e Marinetti explicitamnete apoiantes do fascismo.

 
fig. 318 -  Publicidade ao Fiat 500 Topolino, 1936 in Posters from the Fiat Archives 1900 – 1940, Fabbri Editori, 1991.

 Gabriele D’Annunzio (1863-1938), na sua uma tragédia em 4 actos Gioconda, publicada e representada em 1889, diz da Niké di Samotracia que está “vestita di vento”, uma expressão feliz que descreve a escultura da figura alada que parece caminhar contra um vento adverso.

Por isso é tambem a escultura pela sua dinâmica que Fillipo Tommaso Marinetti (1876-1944)* utliza na célebre frase do Manifesto Futurista de 1906:

Un automobile ruggente, che sembra correre sulla mitraglia, è più bello della Vittoria di Samotracia.”

[Um automóvel barulhento, que parece correr com um ruído de metralhadora, é mais belo que a Vitória de Samotrácia.]

*Marinetti esteve em Lisboa no final de 1932, numa sessão onde estiveram presentes, António Ferro e Júlio Dantas, e que provocou um veemente protesto de Almada Negreiros “Um ponto no i do futurismo” no Diário de Lisboa, 25 de Novembro de 1932. E Fernando Pessoa com o heterónimo de Álvaro de Campos escreve um poema “Marinetti Académico”, lembrando o acomodamento do escritor.

Não é, por isso, por acaso que em 1936 o italiano e aerodinâmico Fiat 500 seja associado à Vitória de Samotrácia e aos movimentos culturais que sustentaram o regime de Mussolini.

E o Fiat 500 surge ainda associado ao Fascismo numa ilustração de 1936, de Massimo Quaglino (1899-1982), onde uma figura com uma das fardas da Opera Nazionale Balilla (criada em 1926), apresenta o Fiat 500 a um encantado grupo de crianças, adolescentes e jovens.

fig. 319 - Massimo Quaglino (1899-1982), o Fiat 500. 1936.



fig. 320 – Fiat 500 Topolino. www.carblueprints.info

A Fiat no Porto era representada pela Fiat Portuguesa S.A. instalada até 1941 na Rua Santa Catarina 122. Porto.

O Fiat 500 foi também produzido em França pela Simca (Société Industrielle Mécanique et Carrosserie Automobile) criada pela Fiat em 1934 e o Topolino foi apresentado sob a marca Fiat-Simca.

fig. 321 -  O Stand da Simca no Salão de Paris no Grand Palais 1938.

fig. 322 - Simca 8 4 portes 1938.

Outra imagem com um Fiat 500

A Rua de Santo António (31 de Janeiro), vendo-se ao fundo um painel do Calçado Atlas, com um Fiat 500 estacionado junto a um placard do Salão Central no 1º piso.

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fig. 323 – Guilherme Bonfim Barreiros, Rua de Santo António (31 de Janeiro). CMP Relatório da Gerência de 1940. AHMP.

 
fig. 324 – O Fiat 500 estacionado na Rua de Santo António. Pormenor da imagem anterior.


O automóvel na pintura

Sendo raro, no Porto nestes anos, o aparecimento do automóvel na pintura, saliente-se o jovem Nadir Afonso (1920-2013) que, ainda estudante, procura criar dinâmicas vistas introduzindo os veículos motorizados, naquela sua obstinada vontade de se apossar e apreender a cidade de diferentes pontos de vista, e naquela loucura que vem/de [a] querer compreender…(PESSOA 1965)

Em 1939 produz uma série de desenhos do centro da cidade entre os quais, com técnicas diferentes, duas vistas da Rua de Santo António. 


Num desenho a tinta-da-china, apenas com alguns traços (grossos ou finos) Nadir estrutura e representa o eixo Santo António-Clérigos onde a presença do automóvel indica a época do desenho.

fig. 325 – Nadir Afonso, Santo António-Clérigos. Tinta da China s/papel. 18,5 x18,8 cm. Col. particular.

Numa outra perspectiva, aliás desenhada do mesmo ponto de vista, mais realista mas por isso talvez menos expressiva, Nadir também coloca o automóvel descendo a rua como uma forma de datar o desenho.  
fig. 326 – Nadir Afonso (1920-2013), Rua de Santo António (31 de Janeiro) 1939.

Na Rua dos Clérigos.

Nadir pinta, em 1941, uma visão mais expressionista e plástica a Rua dos Clérigos lembrando as composições de Chaïm Soutine (1893-1943).
Repare-se na forma como é pintada a Torre dos Clérigos quase como uma labareda e na introdução  de diversos carros na Praça da Liberdade que colocam a pintura desta parte central da cidade na sua época.

fig. 327 – Nadir Afonso, Clérigos 1941, óleo s/tela, 51,5 x 48,8 cm. Fundação Nadir Afonso.

Um Fiat 500 descendo a Rua dos Clérigos

Quanto à imagem de um Fiat 500 descendo a Rua dos Clérigos ela surge num postal do início dos anos 40.

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fig. 328 – Postal. Rua dos Clérigos. Anos 40.

O Fiat 500 caminha atrás do eléctrico n.º 299, amarelo e com o “salva-vidas”, que circula na Linha 4 (Alfândega – Fonte da Moura via Palácio).
Repare-se no sinaleiro, que curiosamente dirige o trânsito no cruzamento da Rua dos Clérigos com a Rua do Almada e o Largo dos Lóios, apesar do redundante semáforo pendurado sobre a sua cabeça.

Havia então semáforos deste tipo (com sinaleiros…) no cruzamento da Rua da Boavista com a Rua de Antero de Quental junto à Praça da República e nos cruzamentos da Rua de Santa Catarina quer com a Rua Formosa quer com a Rua Fernandes Tomaz (na imagem).

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fig. 329 – Foto Alvão. Cruzamento da Rua Fernandes Tomaz com a Rua de Santa Catarina. (TAVORA 1984).

Na Rua de Santa Catarina em frente da Casa Voga está estacionado um Buick junto da esquina com as obras de demolição do prédio existente, para a construção do novo edifício projectado pelo arquitecto Homero Ferreira Dias em 1942.

Stop.

A vida parou
ou foi o automóvel?


O semáforo ou o sinaleiro quando nos obrigam a parar impondo um stop, neste período de contenção da mobilidade, faz ganhar actualidade ao poema Cota Zero de Carlos Drummond de Andrade, que numa síntese perfeita mostra como a vida parece parar e o quanto ela depende do carro, quando não podemos nele, livremente deslocar-nos.

Carro n.º 39 – Citroën 7 traction avant (arrastadeira) de 1934

fig. 330 – Carro n.º 39.
(Ver Carro n.º 13)

Carro n.º 40 – Um outro Fiat Topolino meio escondido

fig. 331 – Carro n.º 40.

fig. 332 – Cartaz publicitário do Fiat Topolino 1936.
Ver Carro n.º 38

Carro 41 -  Um Bentley derby 1934 (1933/1940)

fig. 333 – Carro n.º 41.

fig. 334 – Bentley derby 1934.


Carro 42 –  Renault Juvaquatre 1937

fig. 335 – Carro n.º 42.

O carro da Foto Beleza não possui a roda traseira sobresselente.

Em 1936 quando a Frente Popular chega ao governo em França e cria as férias pagas, uma nova população pode agora deslocar-se durante esses períodos. A Renault prevendo as potencialidades desse novo mercado, procura à semelhança de outras marcas a criação de uma viatura acessível sobretudo a camadas mais jovens da população.
O Renault Juvaquatre (do latim juventus e quatro do número de lugares e de cilindros do motor), com evidente inspiração no Opel Olympia (ver carro n.º 10), foi apresentado no Salão de Paris em 7 de Outubro de 1937 coincidindo com o lançamento do Peugeot 202 (ver carro n.º 19) e do Simca 8 (ver carro n.º 38).

fig. 336 – Renault Juvaquatre 1937/48.

Publicidade do Juvaquatre como “La voiture de la jeunesse” (A viatura da juventude), “pour votre travail en semaine et vos week-ends en famille” (para o vosso trabalho durante a semana e os fins de semana com a família).
fig. 337 – Publicidade do Renault Juvaquatre.

Publicidade ao Juvaquatre “La voiture qui accélère vos joies et qui freine vos dépenses…” (A viatura que acelera as alegrias e que trava as despesas).

fig. 338 – Publicidade do Renault Juvaquatre.

Com o sucesso de vendas e dada a sua fiabilidade o Juvaquatre foi fabricado até 1940 (data da ocupação alemã), foi muito utilizado durante os anos da ocupação e foi ainda fabricado no pós guerra entre 1946 e 1948.

Outra imagem do Porto com viaturas semelhantes.

Um Renault Juvaquatre OT-11-05 nas obras da abertura da Praça de D. João I.

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fig. 339 – Guilherme Bonfim Barreiros (1894-1973), Um Renault Juvaquatre na futura praça de D. João I. 1938.AHMP.

fig. 340 – Pormenor da imagem 9.

O representante da marca Renault era Manuel da Silva Carmo & C.ª - Automóveis Renault. Rua de Santa Catarina.

Carro 43 – Um Citroën traction avant “arrastadeira” 1935


fig. 341 – Carro n.º 43.

Ver Carro n.º 13

Outra imagem do Porto com viaturas semelhantes

Um Citroën na Praça dos Leões (Praça da Universidade e hoje Gomes Teixeira).

Porto imagem 10

fig. 342 – Foto Beleza. Praça dos Leões (Praça da Universidade.

Ao lado do Citroën um Chrysler 4 portas sedan de 1933.

fig. 343 – Pormenor da imagem 10.

Carro 44 –Um Ford Tudor sedan de 1936

fig. 344 – Carro n.º 44.

fig. 345 – Ford Tudor  sedan 1936.

Carro 45 – Um carro não identificado

fig. 346 – Carro n.º 45.

Carro 46 – Um Renault vivaquatre de 1932/34

fig. 347 – Carro n.º 46.

 
fig. 348 – Renault vivaquatre 1932/34.

D - Na Rua da Fábrica

Carro 47 – Um Chrysler airflow de 1934/37

fig. 349 –Carro n,º 47.

Ver Carro n.º 37

Correspondendo à criação de automóveis aerodinâmicos a Chrysler lançou em 1934 o modelo Airflow.

fig. 350 – Chrysler airflow 1934/37.

fig. 351 – Publicidade do Chrysler airflow 8 coupé 1935.

Os produtos da marca Chrysler eram apresentados no Stand Nacional Palácio no edifício da Companhia de Seguros A Nacional desde 1927.

O Chrysler e os Armazens Nascimento

Quando em Junho de 1927 foram inaugurados os Grandes Armazéns Nascimento, um projecto inovador de José Marques da Silva de 1914 (início da obra em 1916) o jornal O Primeiro de Janeiro de 14 de Junho de 1927 referia a "magnificência das exposições" nas amplas montras, com uma mobília Luís XVI e um automóvel Chrysler elegantíssimo". (CARDOSO 1997).

Na fotografia de Alvão vemos uma faixa na Rua de Santa Catarina com uma seta que aponta a “Exposição Chrysler, A. Beauvalet” para os Armazéns Nascimento.

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fig. 352 – Foto Alvão, Armazéns Nascimento 1927.

fig. 353 – Pormenor da imagem 11.

fig. 354 – Publicidade da Chrysler de A. Beauvalet no Avenida Palace em Lisboa.

Pierre Albert Beauvalet (1866?-?) que em 1899 veio para o nosso país, era desde 1902 o representante dos automóveis Chrysler e foi um dos promotores do Real Automóvel Clube de Portugal.
No n.º 1 do Guiauto de 31 de Julho de 1929, com uma fotografia sua na capa, é referido “como o introdutor do comércio automóvel em Portugal”.

No número seguinte o filho de João Garrido (?-?) contesta essa afirmação, mostrando que o pai já teria importado automóveis para a sua garagem criada em 1891 no Porto e instalada na Rua Passos Manuel em 1902.

fig. 355 – Auto Palace no Porto Rua Passos Manuel, 16,18 e 20.

Doze anos depois da inauguração dos Armazéns Nascimento, no seu rés-do-chão e galeria do 1º piso instala-se o Café Palladium, inaugurado em 18 de Agosto de 1939, e curiosamente também vemos um Chrysler sedan de 1937 na Rua de Santa Catarina junto ao edifício.

Porto imagem 12
 
fig. 356 – Casa Alvão. O Café Paladium no edifício dos Armazéns Nascimento 1939. (TÁVORA 1984)

fig. 357 – Pormenor da imagem 12


Para concluir
Os automóveis estacionados identificados na fotografia da Foto Beleza e em outras fotos e postais, são de diversos modelos e marcas produzidos entre os finais dos anos vinte e a década de trinta.
O eclodir da II Guerra Mundial em 1 de Setembro de 1939 só se fará, contudo, sentir em Portugal em 1940.
Psicologicamente com a queda de Paris em 14 de Junho de 1940 - no momento em que Portugal promovia a Exposição do Duplo Centenário ou do Mundo Português – já que a capital de França é  para muitos portugueses o símbolo da Liberdade, da Cultura e do Prazer.

Mas foi quando em Portugal começou a rarear o combustível (e surge o gasogénio) e quando se iniciou o cancelamento da importação de automóveis e outros veículos motorizados, já que os países produtores estavam envolvidos no conflito, que economicamente, o sector dos transportes motorizados entrou em crise.
também os Estados Unidos da América quando entraram na guerra em 1941 após o ataque japonês a Pearl Harbour, canalizaram a sua produção automóvel para veículos militares.

Bibliografia
AHMP - Arquivo Histórico Municipal do Porto.
CLAUDIO, Mário - texto e Fotografia, BELEZA – Porto Margens do Tempo. Livraria Figueirinhas Porto/Lisboa. 1994 e reimpressão 2001.
CARDOSO, António – O Arquitecto José Marques da Silva e a Arquitectura no Norte do País na primeira metade do séc. XX. Porto: FAUP publicações, 2ªedição, 1997.
CASTRO, Alice – Fotografia ALVAO, Clichés do Porto 1902 -2002. Edição da Fotografia Alvão. Porto 2002.
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FIM

Nadir Afonso, Praça da Liberdade e Avenida dos Aliados, s/d técnica mista s/ papel 21,5 x 31 cm. Fundação Nadir Afonso.











 






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