Aspectos do Porto na segunda década de oitocentos 2
A deslocação por terra entre Coimbra e o Porto
As estradas
“Ville au bout de la route et route prolongeant la ville: ne choisis donc pas l'une ou l'autre, mais l'une et l'autre bien alternées.” [1]
Para se
deslocar de Coimbra para o Porto pode ter feito a viagem por terra, viagem
então particularmente difícil, já que era sujeita a assaltos e, sobretudo, sem
estradas dignas desse nome, já que, quando
D. Maria I (1734-1816) subiu ao trono (em 1777), o país não possuía estradas.
O Marquês de Pombal
(Sebastião José de Carvalho e Mello 1699-1782) apenas mandara fazer uma estrada até à sua propriedade em
Oeiras, e a Companhia dos Vinhos do
Alto Douro mandou abrir algumas
estradas, no Douro.
Assim D. Maria l mandou
construir em 1788, uma estrada de Lisboa ao Porto, mas que apenas se construiu
até Coimbra.
Com a construção desta
estrada surgiu um serviço regular de transportes para passageiros utilizando
os carros de transporte do correio, a mala-posta, á semelhança do que já
existia noutros países europeus.
A mala-posta partia da
porta do Correio Geral na Calçada do Combro em Lisboa ao mesmo tempo que partia
de Coimbra uma outra no sentido inverso.
As viagens realizavam-se às
segundas, quartas e sextas e as mala-posta encontravam-se e estacionavam na
estalagem de Porto de Mós.
Como os poucos passageiros
que nela viajavam, tinham como destino
a Universidade de Coimbra, a carreira
terminou em 1804.
Como em
1820, data da Revolução liberal, confirma Adrien Bablbi:
No reinado de D. Maria, construiu-se com grandes custos a estrada de Lisboa a Coimbra, sendo que o troço chamado Alto de Rio-Maior pode ser comparado ao que na Itália, França, Alemanha e Inglaterra oferecem de melhor. A estrada que vai de Lisboa às fortalezas de San-Julião e Cascaes por Oeiras, junto ao Tejo, é realmente bonita; o mesmo se pode dizer da que vai de Lisboa a Colares via Cintra, e que um ramal termina em Mafra; daquela que de Lisboa por um lado a Caldas da Rainha, e por outro a Santarém, e daquela que do Porto conduz a São João da Foz.
[Sous
la reine Marie on construisit à grands frais le chemin de Lisbonne à Coimbra,
dont la partie dite Alto de Rio-Maior pourrait être comparée à ce que l'Italie,
la France, l'Allemagne et
l'Angleterre
offrent de beau en ce genre. La route qui mène de Lisbonne aux forteresses de
San-Juliào et de Cascaes par Oeiras, le long du Tage, est vraiment belle; on
pourrait en dire autant de celle qui va de Lisbonne à Colares par Cintra, et
dont une branche aboutit à Mafra; de celle qui de Lisbonne conduit d'un côté à
à Caldas da Rainha, et de l'autre à Santarem, et de celle qui de Porto conduit
à San-Joào da Foz.] [2]
As principais vias de comunicação no interior do país eram
então os rios.
1 - As estradas em Portugal no início do século XIX
Sobre esta falta de estradas em Portugal ou da sua falta de
qualidade, apesar de algumas excepções, pronunciaram-se os viajantes militares
ou civis na transição do século XVIII para o século XIX.
“As estradas em Portugal estão num estado tão deplorável, afirma o eloquente redactor de O Portuguez, que o viajante corre sempre o risco de partir o pescoço.
Pode-se imaginar o quanto esta falta de comunicações prejudica o comércio interno, a agricultura e a civilização; todas as comarcas e quase todas as cidades parecem constituir um reino separado, como no tempo dos Mouros. A nossa própria experiência e a informação que temos recolhido de várias localidades, obrigam-nos a adoptar a opinião deste O Portuguez; acrescentaremos ainda, que tendo nos comprometido a ir de Coimbra ao Porto na mesma carruagem que nos tinha trazido de Lisboa a Coimbra, em vez de fazermos este caminho como habitualmente fazemos em liteira, pagamos três vezes mais, e estivemos em contínua angústia temendo pela vida daquilo que de mais caro temos no mundo. Podemos até dizer, sem medo de exagerar, que a maioria das estradas do reino são apenas caminhos locais, que são transitáveis apenas para pequenas carroças.”
[Les routes en Portugal sont
dans un état si déplorable, dit l'éloquent rédacteur du O Portuguez, que le
voyageur est toujours en danger de se rompre le cou.
On peut concevoir combien un
tel défaut de communications doit entraver le commerce intérieur, l'agriculture
et la civilisation; chaque comarca et presque chaque ville semblent faire un
royaume séparé comme du temps des Maures. Notre propre expérience et les
informations que nous avons prises sur plusieurs localités, nous ſorcent à
adopter l'opinion de ce Portugais; nous ajouterons même, qu'ayant entrepris
d'aller de Coimbra à Porto dans la même calèche qui nous avait conduit de
Lisbonne à Coimbra, au lieu de faire ce chemin comme on le fait ordinairement
en litière, nous avons versé trois fois, et nous avons été dans des angoisses
continuelles pour la vie de ce que nous avons de plus cher au monde. On peut
dire même, sans craindre d'exagérer, que la plupart des routes du royaume ne
sont que des chemins de traverse, qui ne sont praticables que pour les petites
charrettes.] [3]
E William Morgan Kinsey (1788-1851) [4], no seu Portugal Illustrated Letters, publicado
em 1828, resume o estado das estradas portuguesas na frase:
“Como alguém já disse é mais
fácil conduzir um navio até ao Brasil do que conduzir uma mula de Lisboa ao
Porto.”
[1] Victor Segalen (1878-1919), Conseils au bom voyageur in Stèles (1914). 4.e edition. Les Éditions G. Crès & C.ie. Paris 1922. (pág. 99). Bibliothèque nationale de France.“Cidade no fim da estrada e estrada que prolonga a cidade: por isso não escolha uma nem outra, mas alternadamente uma e outra.”
[2] Adrien Balbi (1782-1848), “Essai statistique sur le royaume de Portugal et d'Algarve comparé aux autres états de l’Europe,et suivi d’un coup d’oeil sur létat dês Sciences, dês Lettres et dês Beaux-Arts parmi les portugais dês deux hémisphères” Chez Rey et Gravier, Libraires, Paris 1822. (pág.475).
[3] Adrien Balbi (1782-1848), “Essai statistique sur
le royaume de Portugal et d'Algarve comparé aux autres états de l’Europe,et
suivi d’un coup d’oeil sur létat dês Sciences, dês Lettres et dês Beaux-Arts
parmi les portugais dês deux hémisphères” Chez Rey et Gravier,
Libraires, Paris 1822. (pág.474).
[4] O reverendo William
Morgan Kinsey (1788-1851), esteve em Portugal em 1827. A partir do seu Diário,
das cartas que escreveu ao poeta e dramaturgo Thomas Haynes Bayly (1797-1839) e
ainda de outras fontes, escreveu um livro que publicou em 1828 com o título Portugal
Illustrated, com gravuras de G. Cooke e J. Skelton. A segunda edição que
utilizamos é de 1829.
[5] rev. William Morgan Kinsey
(1788-1851), Portugal Illustrated
Letters, Embellished with a map, plates of coins, wignettes, and a various
engravings of costumes, landscape scenery, &c. Letter IV. Treuttel, Würtz,
and Richter, Soho Square London 1828. (pág.116).
2 - Os transportes terrestres no início do século XIX
Até ao aparecimento em Portugal da ferrovia, e o seu desenvolvimento na segunda metade do século XIX [1], os transportes por terra eram efectuados a cavalo (mula ou burro), de liteira urbana (transportada por homens), de liteira de duas mulas, por carro de bois ou por carruagem (coche ou sege).
O carro de bois
A sege
O coche
O outro coche e as liteiras
[1] Ver eng. Carlos Manitto
Torres (1885-1961), A evolução das Linhas
Portuguesas e o seu significado ferroviário in Gazeta dos Caminhos de Ferro
n.º 1681, Ano LXX, Janeiro de 1958. (pág. 9 a 12).
3 - O percurso de Coimbra ao Porto por via terrestre na viragem dos séculos 18 e 19
Os transportes
A cavalo
Sobre O Cavaleiro aponta L’Évêque:
“O Cavaleiro representado nesta gravura está sentado numa sela rasa que desde há alguns anos substituiu a sela de manejo cujo uso estava generalizado, mas conserva os estribos de madeira. São como se vê uma espécie de caixa na qual o pé do Cavaleiro entra e de onde facilmente sai. Se esta forma de estribos não é elegante, este inconveniente tem, por outro lado, enormes vantagens: nunca, qualquer que seja o acidente, os pés do Cavaleiro ficam presos e estão sempre protegidos da humidade.” *
*Nota R.F. - O estribo usado pelos cavaleiros na corrida de toiros à portuguesa, conserva este material e esta forma, sendo por vezes protegidos e adornados por uma placa metálica e trabalhada.
[“Le Cavalier représenté dans
cette gravure est assis sur une selle rase qui depuis quelques années a
remplacé la selle de manége dont jadis l'usage étoit général, mais il conserve
encore les étriers de bois. C'est, comme on le voit, une espèce de caisse dans
laquelle le pied du Cavalier entre et d'où il sort avec la plus grande
facilité. Si la forme de ces étriers n'est pas élegante, ce léger inconvénient
est racheté par des avantages bien essentiels: jamais, quelqu'accident qui
arrive, les pieds du Cavalier ne peuvent rester embarrassés dans ces étriers,
et toujours ils y sont à couvert de l'humidité.”] [2]
A alternativa ao
cavalo era de povoação em povoação alugar um burro como escreve Costingan [3] no seu Sketches of Society and
Manners in Portugal, quando em
viagem do Porto para Lisboa os cavalos tiveram de parar por cansaço.
“Em todas as vilas e aldeias da estrada entre Porto e Santarém, onde embarcámos, existem sempre para alugar uns miseráveis burros que, contudo, nos transportam num ápice, para a povoação mais próxima, e chegando aí por mais duramente que lhes batamos eles recusam-se a dar mais um passo, mas existem sempre outros burros que podeis montar até à localidade seguinte…”
“ In all the towns
and villages on the road between Porto and Santarem ,where we embarked, there
are miserable little asses constantly to be hired, which however run with you
like lightning to the next town, and were you beat them to death, would not to
go a step farther, but there again you always find fresh ones ready to take you
up;…” [4]
Naa vinheta de Giuseppe Piattoli para ilustrar o
provérbio toscano “Crede essere
sopra un gran cavallo, ed è sopra un tristo asino”, (Julga estar montado num
belo cavalo, mas está em cima de um miserável burro), que como o português “passar de cavalo a burro”, ignora a
utilidade (e a dignidade) desse resistente e trabalhador animal.
O tu che sempre di te
stesso altero
Ti credi andar de più famosi al paro,
Credendo cavalcar nobil Destriero,
Tu premi il dorso a sordido Somaro.
[Ó tu que sempre te orgulhas ti próprio
achas que pareces o mais famoso,
Acreditando montar um nobre Corcel,
Vais montado num humilde Burro.]
De liteira
A liteira segundo Henri L’Évêque
“Nas províncias de Portugal, que ficam para
além de Coimbra, a norte do Mondego, o terreno é geralmente tão áspero e tão
acidentado, os caminhos são tão íngremes e tão estreitos, e as curvas tão
abruptas, que é muitas vezes muito difícil aí passar um carro. (…)
Viaja-se, por isso, a cavalo, ou melhor, sobre mulas, que têm patas muito mais seguras. Mas as senhoras, os enfermos, os idosos, que não suportam o movimento das montadas, são obrigados a recorrer à Liteira, cujo uso, tão comum em tempos na Europa, ainda se preserva nesta parte de Portugal.”
[“Dans les provinces de
Portugal, qui sont au-delà de Coimbra, au nord du Mondego, le terrain est en
général si âpre et si montueux, les chemins sont si roides et si étroits, et
les tournans si brusques, qu'il est souvent bien difficile d'y faire passer une
voiture. (…) On y voyage donc ordinairement à cheval, ou, pour mieux dire, sur
des mulets, qui ont le pied beaucoup plus sûr. Mais les dames, les infirmes,
les vieillards, qui ne peuvent supporter le mouvement de cette monture, sont
obligés de recourir à la Litière, dont l'usage, si commun jadis en Europe, se
conserve encore dans cette partie du Portugal.”]
E prossegue na sua descrição da gravura:
“É, como pode ser visto nesta gravura, uma
caixa que se assemelha muito à de uma liteira levada por homens, exceto que as
dimensões são maiores, e em vez de ser carregada por dois homens, ela é carregada
por duas vigorosas mulas que a ela são atreladas.
Com uma porta de cada lado da caixa, o seu interior é acolchoado, forrado de tecido ou seda e fechado por cortinas e às vezes por espelhos. Duas pessoas sentam-se à vontade, posicionando-se não uma ao lado da outra, mas opostas uma à outra. Essa situação de tête-à-tête, o balanço muito suave da liteira, a própria lentidão de sua marcha, pois ela mal percorre de 20 a 25 milhas durante o dia (5 a 6 léguas no país), tudo parece convidar o viajante a gozar o longo percurso com os prazeres da conversa e a efusão da confiança: é o que tem levado a dizer que a liteira é, por excelência, a viatura dos amigos e dos amantes, que sempre têm muito a dizer um ao outro e que nunca se cansam do prazer de se ver e encontrar”.
[“C'est, comme on le voit dans cette gravure, une caisse qui ressemble beaucoup à celle d'une chaise à porteurs, excepté que les dimensions en sont plus grandes, et qu'au lieu d'être portée par deux hommes, elle l'est par deux mulets vigoureux qu'on y attèle. Une portière s'ouvre de chaque côté de la caisse, dont l'intérieur est rembourré, doublé en drap ou en soie, et fermé par des rideaux, et quelquefois par des glaces. Deux personnes y sont assises à l'aise, en se plaçant, non pas à côté, mais vis-à-vis l'une de l'autre. Cette situation en tête-à-tête, le balancement très-doux de la machine, la lenteur même de sa marche, car elle ne fait guères, dans la journée, plus de 20 à 25 milles (5 à 6 lieues du pays), tout semble inviter les voyageurs à charmer la longueur de la route par les plaisirs de la conversation et les épanchemens de la confiance : c'est ce qui a fait dire, que la litière étoit, par excellence, la voiture des amis et des amans, qui ont toujours tant de choses à se dire, et qui ne sont jamais rassasiés du plaisir de se voir.”]
E termina salientando o ruído das campainhas e dos guizos que assinalam a marcha da liteira:
“Os arreios das mulas estão carregados com um grande número de sinos e guisos, que o animal sacode e faz soar enquanto caminha. A continuidade desse ruído agudo não pára de ofender o ouvido; mas ele torna-se mais suave pela habituação, e o seu inconveniente é mais do que compensado pela vantagem que dele se obtém. Em primeiro lugar, avisa os que negligentes ou afastados, que as mulas e a liteira estão paradas; e a sua sonoridade anuncia ao longe a aproximação da liteira a todos os que se aproximam, sejam cavaleiros, carroças, ou bestas de carga: o que, nos estreitos caminhos, nos desfiladeiros ou nas encostas das montanhas, dá-lhes tempo para se arrumarem nas bermas da estrada, em espaços concebidos para o efeito, de forma a permitir a passagem da liteira, que só com grande dificuldade pode recuar, e cuja envergadura é, por vezes, suficiente para ocupar toda a largura do caminho, que em alguns sítios é demasiado estreito.”
[“La bride des mulets est
chargée d'un grand nombre de clochettes et de grelots, que l'animal agite et
fait sonner en marchant. La continuité de ce bruit aigu ne laisse pas
d'offenser l'oreille; mais l'accoutumance l'adoucit, et l'incommodité qu'il
donne est plus que compensée par l'avantage qu'on en retire. D'abord, son
interruption avertit le conducteur négligent ou écarté, que la marche des
mulets est arrêtée ; et son éclat annonce au loin l'approche de la litière à
tous les objets qui viennent au-devant, tels que cavaliers, charrettes, bêtes
de somme: ce qui, dans les défilés des chemins, dans les gorges ou sur les
penchans des montagnes, donne à ceux-ci le temps de se ranger sur les côtés de
la route, dans des espaces ménagés à dessein, afin de laisser passer la litière,
qui ne sauroit reculer que très-difficilement, et dont la voie suffit
quelquefois pour occuper toute la largeur du chemin, tant il est étroit dans
quelques endroits.”] [5]
A liteira segundo William Granville Eliot
William Granville Eliot (1775-1855) um oficial inglês que participou na Guerra Peninsular no seu Treatise of Defence of Portugal, publicado em 1810, também refere a liteira de mulas.
“Nas zonas mais montanhosas do país, é utilizado um veículo semelhante a uma liteira, transportado da mesma maneira por duas mulas; assim, poderá ser transportado do Porto para Lisboa, numa distância de 52 léguas, em sete dias, sendo ao ritmo de cerca de trinta milhas por dia. Será conveniente começar a negociar para toda a jornada, visto que nenhuma alteração será feita na estrada; e também munir-se de um bom manto, um cobertor e alguns alimentos.”
[“Over the more mountainous parts of the
country, a vehicle resembling a sedan chair, and carried in the same manner by
two mules, is used; by this means you may be conveyed from Oporto to Lisbon, a
distance of 52 leagues, in seven days, being at the rate of about thirty miles
a day. It will be expedient at starting to bargain for the whole journey, as no
relays are to be met with on the road; also to be provided with a good cloak, a
blanket, and some eatables.”] [6]
A liteira segundo William Kinsey
E William Morgan Kinsey (1788-1851) [7], no seu Portugal Illustrated Letters, publicado
em 1828, não só refere a liteira como apresenta duas imagens de liteiras em
viagem.[8]
[Travellers, who are unequal to support the jolting on bad roads, under an almost vertical sun, and who dislike the uneven paces of a mule, which generally produce feverish sensations, usually hire a Liteira, which resembles a double Bath-chair, and is suspended by strong poles between two mules, the foremost of which is always led by the guide in difficult parts of the road. The price of a Liteira varies from twelve to fifteen shillings a day, exclusive of gratuities and the food of the muleteer.] [9]
A liteira segundo James Murphy
Nos
finais do século XVIII, o arquitecto irlandês James Cavanah Murphy (1760-1814)
foi incumbido de realizar o levantamento do Mosteiro da Batalha.
Para
isso deslocou-se de barco de Inglaterra até Portugal onde desembarcou na cidade
do Porto em Dezembro de 1788.
No
início de 1789 empreende uma viagem por terra para sul até à Batalha (onde se
deteve por cerca de 3 meses), tendo então seguido por outros itinerários no sul
do país.
Mais adiante referiremos o percurso de Murphy do Porto até Coimbra – no sentido inverso de Manoel Fernandes Thomaz – mas que pode dar uma ideia, apesar de alguns melhoramentos nas estradas devidos às manobras militares da Guerra Peninsular, da viagem de Manoel Fernandes Thomaz quando em 1817 se desloca para o Porto, para tomar posse do lugar de desembargador do Tribunal da Relação.
Da sua estadia em Portugal, James Murphy publica ainda em 1797 A General View of the State of Portugal [12], um relato, não tão crítico, mas mais objectivo e menos adjectivado, onde insere, na página 146, uma curiosa gravura Viajando de Liteira representando uma liteira que transporta uma jovem, atenta ao muleteiro que cavalgando de costas para o caminho vai cantando e tocando uma guitarra. A estampa é referida no texto como People of fashion, and delicate persons, usually travel in litters, as represented in Plate IX.
A estampa IX numa cópia da Biblioteca Nacional de Portugal.
Nota à gravura - Cadell & Davies era uma editora constituída entre
1793 e 1836 por Thomas Cadell Júnior (1773-1836), filho do editor Thomas Cadell (1742–1802)
e por William Davies (1764 -1820).
A liteira segundo Camilo Castelo Branco
Ainda sobre a liteira de machos, Camilo Castelo Branco
(1825-1890), em Vinte Horas de Liteira
de 1864, recorda uma viagem de liteira, entre Vila Real e o Porto, lembrando o
tilintar das campainhas: “a liteira dos dous machos pujantes e das
ciocoenta campainhas estridulas, (…)
a liteira das minhas saudades, porque se
embalaram n'ella as minhas primeiras peregrinações; porque, dos postigos de
uma, vi eu, fora das cidades, os primeiros prados e bosques e serras empinadas;
porque o tilintar das suas campainhas me alegrava o animo, quando a toada festiva
me interrompia as cogitações da tarde por essas estradas do Minho e Traz-os-montes.”
Escrevendo que a “voragem do progresso” a fará desaparecer face à ferrovia, “o hórrido fremir do wagon, que bate as crepitantes azas de infernal hippogrypho.” e à melhoria das estradas que “o camartello e o rodo escalaram o agro e penhascoso das serras,” obrigaram que “a liteira, acossada pelo Char-à-bancs,” apenas fosse utilizada “nas veredas pedregosas, e acoutou-se á sombra do solar alcantilado e inaccessivel ao rodar da sege. Ao passo que o vapor talava os plainos, galgava ella, espavorida, os desfiladeiros para esconder-se.” [13]
O percurso de liteira de Camilo Castelo Branco
Camilo Castelo Branco usa essa viagem entre Ovelhinha “uma
póvoa escondida nos fraguedos do Marão”, (uma aldeia situada junto a Amarante), e a Rua da Boavista no Porto
(capítulo XXIV), como pretexto para o diálogo com o amigo.
E refere, ao longo do romance, as sucessivas paragens “Pernoitámos em Amarante, numa estalagem, onde eu, anos antes, tinha visto três belas criaturas” (...), e no capítulo seguinte “apeámos na estalagem de Penafiel” e refere ainda a passagem por Baltar e São Roque da Lameira.
Na carta de Portugal de Emiliano Augusto de Bettencourt
(1825-1886), precisamente de 1864, assinalámos a povoação de Ovelha
junto a Amarante.
De sege
De facto, dado o estado das estradas no início do século XIX, a sege só era utilizada em viagem em condições muito especiais, como ilustra William Kinsey.
[1] Ver o 1º episódio.
[2] Henri L'Évêque (1814) Costume of Portugal, Colnaghi & Co. Londres 1814. Com 50 gravuras e águas-tinta representando vários costumes portugueses e 53 páginas de texto em inglês e francês explicativos de cada uma dessas imagens.
[3] James
“Diogo” Ferrier (1734-18??), militar irlandês que esteve em Portugal entre 1762
e 1780.
[4] Arthur William Costigan, Letter XXIV, 1779 in Sketches of Society and Manners in Portugal in a Serie of Letters from Arthur William Costigan, Esq. Late a Captain of the Irish Brigade in the Service of Spain, to his Brother in London. Vol. II. Printed for T. Vernor, Birchin-Lane Cornhill. London 1787. (pág. 17).
[5] Henri L'Évêque (1814) Costume of
Portugal, Colnaghi & Co. Londres 1814.
[6] William Granville Eliot
(1775-1855), A Treatise on The Defence of
Portugal with a Military Map of The Country To which is added A Sketch of the
Manners and Costumes of the Inhabitants, and Principal Events of the Capigns
under Lord Wellington in 1808 and 1809. Printed for T. Egerton, Military
Library. Withehall London 1810. (pág.128).
[7] O reverendo William
Morgan Kinsey (1788-1851), esteve em Portugal em 1827. A partir do seu Diário,
das cartas que escreveu ao poeta e dramaturgo Thomas Haynes Bayly (1797-1839) e
ainda de outras fontes, escreveu um livro que publicou em 1828 com o título Portugal
Illustrated, com gravuras de G. Cooke e J. Skelton. A segunda edição que
utilizamos é de 1829.
[8] William Morgan Kinsey
(1788-1851), Portugal Illustrated
Letters, Embellished with a map, plates of coins, wignettes, and a various
engravings of costumes, landscape scenery, &c. Treuttel, Würtz, and
Richter, Soho Square London 1828.
[9] William Morgan Kinsey
(1788-1851), Portugal Illustrated
Letters, Embellished with a map, plates of coins, wignettes, and a various
engravings of costumes, landscape scenery, &c. Treuttel, Würtz, and
Richter, Soho Square London 1828. (pág.218).
[10] rev. William Morgan Kinsey (1788-1851), Portugal Illustrated Letters, Embellished with a map, plates of coins, wignettes, and a various engravings of costumes, landscape scenery, &c. Treuttel, Würtz, and Richter, Soho Square London 1828. (pág.271).
[11] James Cavanah Murphy (1760–1814) Architecte, Travels in Portugal, through the provinces
of Entre Douro e Minho, Beira, Estremadura, and Alem-Tejo, in the years of 1789
and 1790: consisting of observations on manners, custos, trade, public
buildings, arts, antiquities of the kingdom. Printed for Strahan and T.
Cadell Jun. and W. Davies. London 1795.
[12] James Cavanah Murphy (1760–1814), A General View of the State
of Portugal Containing a Topographical description there of in
which are inclued, na account of the physical and moral together with
observations on the animal, vegetable and the whole compiled from the best
portuguese writers, and illustrades with plates. . Printed fot T. Cadell Jun.
and W. Davies in the Strand London 1798.
[13] Camilo
Castelo Branco – Introdução a Vinte Horas de Liteira. (1864). 3ª
Edição Parceria António Maria Pereira Lisboa 1907. (pág. 5 a 10).
4 - O percurso entre
Porto e Coimbra
Como já afirmámos nos finais do século XVIII, o arquitecto irlandês James
Cavanah Murphy (1760-1814) foi incumbido de realizar o levantamento do Mosteiro
da Batalha e por isso deslocou-se a Portugal.
Empreende
então uma viagem do Porto até à Batalha (onde se deteve por cerca de 3 meses),
tendo então seguido por outros itinerários no sul do país.
Dessa
sua deslocação por Portugal publicou um livro Travels in Portugal in the years of 1789 and 1790 [1].
Se
bem que Fernandes Thomaz se tenha deslocado de Coimbra para o Porto interessa-nos
desse relato de Murphy, o percurso inverso (do Porto até Coimbra), já que
apesar de algumas poucas alterações ditadas sobretudo pelas deslocações
militares na Guerra Peninsular, manteve-se no geral o tipo de transporte, o
estado da estrada e os locais de prenoita dos viajantes e a mudança dos animais
Na
folha n.º 1 do mapa da Península Ibérica de 1790 desenhado por Tomás
López de Vargas Machuca (1730-1802) e Michael Votésky (?-?), assinalamos os
locais que são referidos no relato de Murphy. (Porto, Carvalhos, Arrifana,
Albergaria, Sardão, Avelãs (?), Mealhada, e Coimbra).
Partida do Porto (1)
“Assim que
atravessamos o Douro, juntaram-se-nos três outras carruagens que regressavam a
Lisboa; duas delas estavam vazias, a outra tinha sido contratada por um senhor
da província do Minho.
Este senhor tem sido
o meu topógrafo na estrada; e temo que os nomes de alguns lugares, não
encontrados nos mapas portugueses, façam parte da corrupta ortografia local,
onde se fala um dialecto entre o português e o espanhol.
Fomos também acompanhados, no primeiro dia de viagem, por quatro galegos, contratados pelos arrieiros para os ajudar a resgatar os seus veículos e mulas dos obstáculos que se interpunham.”
[“As soon as we crossed the Douro, we were
joined by three other carriages returning to Lisbon; two of them were empty,
the other was engaged by a gentleman from the province of Minho.
This gentleman has been my
topographer on the road; and I fear that the names of some places, not to be
found in the Portuguefe maps, partake of the corrupt orthography of his
province, where in they speak a dialed: between the Portuguese and the Spanish
languages.
We were also accompanied, in
the first day's journey, by four Galician labourers, employed by the muleteers
for the purpose of assisting them in rescuing their vehicles and mules from the
obstrudions that lay in the way.” ]
E Murphy prossegue salientando:
“É extraordinário que tão perto da segunda cidade do reino não haja um
caminho a que possámos chamar de estrada; é verdade que alguns esforços foram
feitos para abrir uma, mas foi tão mal planeada que na primeira enchente
provocada pelas chuvas a maior parte dela foi varrida.
Não teríamos podido prosseguir sem a ajuda desses muleteiros, visto que as mulas caíam a cada momento, ou ficavam atoladas na lama, onde teriam permanecido, se não fossem os esforços de toda a companhia.”
[“It is extraordinary, that so near the second city in the kingdom,
there is not a perch of what we should call a road; some efforts, it is true, have been made to
form one, but fo ill contrived, that the first torrent hasnswept the greater
part of it away. We should not have been able to proceed without the aid of
these labourers, as the mules were every moment tumbling, or embarrassed in the
mud, where they must have remained but for the united efforts of the company.”]
[2]
Os Carvalhos [2]
“Às quatro horas da
tarde chegamos a Dos Carvalhos num estado miserável; mulas e almocreves,
galegos e passageiros, todos com os trajes, salpicados da cabeça aos pés.
A Estalagem dos Carvalhos ou Caravansary of the Oaks, dista cerca de uma légua do Porto, e de onde partimos às 9 horas da manhã, concluiu esta jornada.”
[“At four o'clock in the afternoon we reached
Dos Carvalhos in a miserable plight; mules and muleteers, Galicians and
passengers, all in the same livery, bespattered from head to foot, Estalagem
dos Carvalhos or the, distant about one league from Oporto, which we left at
nine o'clock in the morning, closed this day's flage.”] [3]
A Estalagem
A Estalagem apresenta uma arquitectura rural e popular. O edifício tem um rez-do-chão que se prolonga em alpendre o qual se abre para um pátio. Num corpo de uma das extremidades do edifício colocavam-se os estábulos. No corpo principal a porta da entrada e a sala das refeições. O piso superior era reservado para os quartos.
“(…) Chegámos a Vila Nova, onde a estalagem não sendo muito convidativa, dirigimo-nos então ao adro da igreja, e espalhámos os fragmentos heterogêneos de nossa cesta de provisões nos degraus de uma cruz de pedra, como fizemos posteriormente, em várias ocasiões, onde o ar livre sempre preferimos ao ambiente sujo e confinado das barracas de rua, que por aqui se distinguem universalmente por ostentarem uma inscrição na placa da "Companhia Geral do Alto Douro".
[“(…) we reached Villa Nova, where the estalagem not being very inviting, we betook ourselves to the churchyard, and spread the motley fragments of our provision basket on the steps of a stone cross, as subsequently, in numerous instances, where the open air challenged our preference to the filth and confined atmosphere of the way-side winehuts, which in these parts are universally distinguished by bearing an inscription on the sign of " Companhia Geral do Alto Douro."] [4]
E referindo-se às estalagens, para além de uma gravura de um edifício não identificado, escreve com uma britânica ironia:
“O edifício de uma Estalagem tem na frente um espaço aberto, ao lado do qual existe uma porta que conduz ao curral escuro para as mulas, - pois não merece o nome de estábulo, - e do outro lado uma espécie de masmorra, lúgubre e escura, na qual são colocados, lado a lado, numerosos sacos grosseiros recheados de palha, ou folhas de milho, para os arrieiros e peões. Uma escada de pedra, invariavelmente coberta de lixo, e mais frequentemente cercada por mendigos robustos e importunos, a cujas mãos estendidas e às súplicas fervorosas é quase impossível de resistir, leva a um salão, ou refeitório, comum a todos os que chegam, tendo em cada lado portas para os diversos armários, pois não podem ser chamados de quartos de dormir, com os quais, no entanto, os viajantes comuns têm de contentar-se em ocupar, ou melhor, compartilhar com os nativos percevejos.”
[“The
arrangement of an Estalagem is generally to have a open space in front, on one
side of which is a door leading into the dark receptacle for the mules, — for
it does not deserve the name of a stable, — and on the other is a sort of
dungeon, dreary and dark, in which are placed, side by side, numerous coarse
bags stuffed with straw, or leaves of Indian corn, for muleteers and foot-passengers.
A stone staircase, invariably covered with filth, and most frequently beset by
sturdy and importunate beggars, whose clasped hands and earnest entreaties it
is almost impossible to resist, leads up to a landing-place, or eating-room, common to all comers, on either side of which
are doors to the different cupboards, for they cannot be called bed-rooms, which nevertheless ordinary travellers are contente to occupy, or rather share with the native persevejos.”] [5]
Na verdade, já antes William Granville Eliot no seu Treatise of Defence of Portugal, publicado em 1810, havia criticado as estalagens portuguesas.
“As Estalagens, ou pousadas, mesmo em algumas das melhores cidades, são miseravelmente sujas e deploráveis, não oferecendo um melhor alojamento; uma cervejaria na Inglaterra é um luxo em comparação com a melhor delas. Um oficial raramente estará sujeito a esse inconveniente; o seu uniforme é um passaporte suficiente; e, a pedido do magistrado-chefe * do local, ele receberá uma autorização.
*Nas cidades, o magistrado-chefe tem o título de Corregedor, tendo jurisdição sobre determinado distrito. Nas menores cidades e vilas as autorizações são emitidas por um Juiz-de-Fora, Juiz do Povo ou Capitão Mor. Este último é uma espécie de magistrado militar, tendo o comando do Levée en Masse, normalmente com a patente de Tenente-Coronel.”
[“The Estalagens, or inns, even in some of the better towns, are miserably dirty and wretched, affording no better accommodation; a pot alehouse in England is a luxury compared to the best of them. An officer will seldom be subject to this inconvenience; his uniform is a suficiente passport; and, on application to the chief magistrate* of the place, he will be provided with a billet.
* In the cities the chief magistrate is entitled Corregidor, having the jurisdiction of a certain district. In the smaller towns and villages billets are procured from the Juiz-de-Fora, Juiz de Povo, or Capitao Mor. The latter is a kind of military magistrate, having the command of the Levée en Masse, most commonly with the rank of Lieutenant Colonel.”] [6]
E prossegue William Eliot, referindo-se à restauração.
“Há uma abundância de Casas de Café em cada cidade; estas, exceto alguns em Lisboa e no Porto, são literalmente casas de venda de café, limonada, bebidas espirituosas e nada mais.
[“There are abundance of Casas de Café in every town; these, except some few in Lisbon and Oporto, are literally houses for selling coffee, lemonade, spirits, and nothing more.”]
E refere ainda as Casas de Pasto:
“As Casas de Pasto e Casas de Comer ou restaurantes, são idênticas às Estalagens no que diz respeito à sujeira e falta de higiene; tudo é servido com uma abundância de azeite e alho. O único prato saboroso ao paladar da maioria dos ingleses é o Caldo de Galinha, composto por uma galinha cozida com um pouco de toucinho gordo, uma cebola e um pouco de arroz, servidos juntos no caldo; nele é introduzido um pouco de óleo rançoso e uma salsicha de alho forte, quando não é proibido.”
[“The Casas de Pasto and Casas de Comer or
eating-houses, are of the same description with respect to nastiness and filth,
as the Estalagens; every thing is served up with a profusion of oil and garlic.
The only palatable dish to the taste of most Englishmen is a Caldo de Galinha,
composed of a fowl boiled with a bit of fat bacon, an onion and some rice,
served up together in the broth; into this a little rancid oil and a strong
garlic sausage is introduced, if not forbidden.] [7]
[1] James Cavanah Murphy (1760–1814) Architecte, Travels
in Portugal, through the provinces of Entre Douro e Minho, Beira, Estremadura,
and Alem-Tejo, in the years of 1789 and 1790: consisting of observations on
manners, custos, trade, public buildings, arts, antiquities of the kingdom. Printed
for Strahan and T. Cadell Jun. and W. Davies. London 1795.
[2] James Cavanah Murphy (1760–1814) Architecte, Travels
in Portugal, through the provinces of Entre Douro e Minho, Beira, Estremadura,
and Alem-Tejo, in the years of 1789 and 1790: consisting of observations on
manners, custos, trade, public buildings, arts, antiquities of the kingdom. Printed
for Strahan and T. Cadell Jun. and W. Davies. London 1795. (pág. 18).
[3] James Cavanah Murphy (1760–1814) Architecte, Travels in Portugal, through the provinces
of Entre Douro e Minho, Beira, Estremadura, and Alem-Tejo, in the years of 1789
and 1790: consisting of observations on manners, custos, trade, public
buildings, arts, antiquities of the kingdom. Printed for Strahan and T.
Cadell Jun. and W. Davies. London 1795.
(pág. 18 e
19).
[4] rev.
William Morgan Kinsey (1788-1851), Portugal
Illustrated Letters, Embellished with a map, plates of coins, wignettes,
and a various engravings of costumes, landscape scenery, &c. Treuttel,
Würtz, and Richter, Soho Square London 1828. (pág. 209 e 210).
[5] rev.
William Morgan Kinsey (1788-1851), Portugal
Illustrated Letters, Embellished with a map, plates of coins, wignettes,
and a various engravings of costumes, landscape scenery, &c. Treuttel,
Würtz, and Richter, Soho Square London 1828. (pág. 216 e 217).
[6] William Granville Eliot
(1775-1855), A Treatise on The Defence of
Portugal with a Military Map of The Country To which is added A Sketch of the
Manners and Costumes of the Inhabitants, and Principal Events of the Capigns
under Lord Wellington in 1808 and 1809. Printed for T. Egerton, Military
Library. Withehall London 1810. (pág.129).
[7] William Granville Eliot
(1775-1855), A Treatise on The Defence of
Portugal with a Military Map of The Country To which is added A Sketch of the
Manners and Costumes of the Inhabitants, and Principal Events of the Capigns
under Lord Wellington in 1808 and 1809. Printed for T. Egerton, Military
Library. Withehall London 1810. (pág.130).
5 - Um parêntesis sobre o Carvalho
A presença do Carvalho
não é apenas uma referência ao nome do lugar [1], e às
origens irlandesas do arquitecto [2], mas permite a Murphy estruturar
o espaço da estampa enquadrando o edifício da estalagem.
Por isso o Abade de Jazente começa assim um seu soneto:
“As sestas longas do
fervente Estío
Passo á sômbra do
rústico Carvalho,” [3]
O Carvalho entre os gregos
Neste final do século
XVIII há um retorno à Antiguidade Clássica.
O carvalho era, entre os gregos, uma árvore conotada como símbolo de força, nobreza e resistência e representava a força invencível e símbolo de longevidade.
Na Grécia antiga dizia-se que os deuses
habitavam na Natureza e na região de Dodona existiu um carvalho que era o
templo de Zeus.
O deus revelava a sua vontade através do ruído produzido pelo vento soprendo a folhagem ecompetia aos oráculos, quando mulheres apelidadas de peleiades, interpretar esse mumúrio e os desígnios da divindade.
Que Fernando Pessoa descreve no poema:
“Vai alto pela folhagem
Um rumor de pertencer,
Como se houvesse na aragem
Uma razão de querer.
Mas, sim, é como se o som
Do vento no arvoredo
Tivesse um intuito, ou bom
Ou mau, mas feito em segrêdo…” [*]
[*] Fernando
Pessoa (1888-1935), “Vai alto pela folhagem”” 5 de Setembro de 1933, de
Cancioneiro in Fernando Pessoa Obra Poética, Companhia Aguilar Editôra, Rio de Janeiro
1965. (pág. 169).
Homero (928? - 898? A.C.) na Odisseia refere que Ulisses fora a Dodona para saber como regressar a Ítaca.
“Dele [Ulisses], disse-me que fora a
Dodona, para do divino
E magestoso carvalho saber a vontade de Zeus,
como poderia voltar para a sua cidade de Ítaca,”
[4]
Platão (428/27-348/47 a.C.) no Fedro coloca Sócrates referindo o carvalho do templo de Zeus em Dordona.
“Sócrates – Dizem, caro amigo, que os primeiros oráculos no templo de Zeus, Em Dodona *, foram feitos por um carvalho! É evidente que os homens daquele tempo não eram tão sábios como os da nossa geração e, como eram ingénuos, o que um carvalho ou um rochedo dissessem tornava-se muito importante, conquanto lhes parecesse verídico!” [5]
*Cidade grega, notável pelo templo em honra de Zeus.
Na tradução francesa:
[“SOCRATE
Mon ami, les prêtres du temple de Zeus à Dodone ont affirmé que c'est d'un chêne que sortirent les premières divinations. Les gens de ce temps-là, qui n'étaient pas savants comme vous, jeunes gens, écoutaient fort bien dans leur simplicité un chêne ou une pierre, si le chêne ou la pierre disaient la vérité.” ] [6]
E Apolonius de Rodes (295-215 a.C) na Argonáutica, diz que o mastro do navio dos Argonautas era construído a partir de um carvalho da floresta sagrada da Dordona
“O porto Pagaseo retumba horrendo,
E Argo mesma soando urge a partida,
Pois nella se embebeu trave
divina
Do roble Dodoneo, que
a sabia Palas
Da quilha em meio colocou.” [7]
O Carvalho na poesia da transição dos séculos XVIII e XIX.
Neste final do século XVIII há um retorno à Antiguidade Clássica e os poetas associam o carvalho ao templo de Dodona.
O poeta francês Pierre Fulcrand de Rosset (1708-1788), no seu poema L’Agriculture, canta Dodona e o seu orgulhoso Carvalho.
[“La
Grèce, qu´habitants des campagnes,
Les
Dieux peuplaiente les bois, les jardins, les montagens;
Qu’on
y voyait Diane, & Priape, & Silvain,
Que
chaque arbre enfermait une Nymphe en son sein.
Elle
allait, de Dodône admirant le
miracle,
De
sa forêt profete interroger l’oracle.
Sur un chêne orgueilleux, des Peuple adoré,
Les
Druydes sanglans cueillaient le gui sacre;
Les
Autels explosaient au culte du vulgaire,
De la faveur de Cieux ce gage imaginaire.”] [8]
O poema foi traduzido para português por Manuel Maria Barbosa du Bocage (1765-1805).
“A Grécia presumiu,
sonhou que os deuses
Povoavam jardins,
montanhas, bosques;
Que Pan, Delia,
Priápo ali se viam
E morava uma Nympha
em cada tronco:
De
Dodona, os milagres admirandos,
Consultavam
prophetico arvoredo:
Sobre
carvalho, aos povos adorável,
Iam colher o agárico
sagrado
Feros ministros,
druydas cruentos;
Ante o culto plebeu
se expunha em aras
Penhor ílcticio do celeste amparo.” [9]
Um outro poeta René Richard Louis Castel (1758-1832), num poema Les Plantes, também traduzido por Bocage, refere o carvalho.
“Crescendo, dobra o
lustre a Natureza;
Vigor celeste a Mocidade
anima.
Tudo fermenta,
existe. Olha o carvalho:
Lá formosêa o chaõ co'as tardas sombras.” [10]
[“La nature, en croissant,
redouble de largesse.
Une vigueur céleste anime sa
jeunesse.
Tout fermente, tout vit. Les chênes verdoyans
De
leur ombre tardive embellissent tes champs.”] [11]
E finalmente o conhecido abade e poeta Jacques Delille (1738-1813), autor do incontornável poema Les Jardins [12], num outro poema intitulado L’Imagination, de 1806, faz referência ao Carvalho.
[“L'agriculteur pour lui voit
des dangers sans nombre;
Mais il prévoit ses fruits, il
espère son ombre.
Non loin de lui s'élève un chêne fastueux
Qui défia cent ans les vents
impétueux;
Son sommet revêtu d'un plus
rare feuillage,
Et sa mousse et ses noeuds
décèlent son grand âge:
Mais le culte et l'amour du
peuple des hameaux,
Consacrent sa vieillesse et
ses derniers rameaux.
Ainsi du chêne antique ou du naissant arbuste,
L'un paraît plus touchant, et
l'autre plus auguste;
L'un a pour lui l'espoir,
l'autre le souvenir;
L'un plaît dans le passé,
l'autre dans l'avenir.” ][13]
Numa minha aproximada tradução:
“O agricultor vê sempre
perigos numerosos;
Mas prevê os seus
frutos, e espera pela sua sombra.
Não muito longe,
ergue-se um carvalho sunptuoso
Que desafiou cem anos,
os ventos impetuosos;
A sua copa coberta de
uma mais rara folhagem,
A sua longa idade,
pela seiva e pelos nós, é a imagem:
Mas a adoração e o
amor dos que o conhecem,
Consagra a sua
velhice e a sua última ramagem.
Assim, o carvalho antigo ou o nascente arbusto,
Um mais comovente e o
outro mais augusto;
Um tem em si a
esperança, o outro tem a saudade;
Um agrada pelo
futuro, o outro pelo peso da idade.”
[1] Note-se na toponímia
local a presença de Carvalhos, Carvalhosa,
Carvalhido, Carvalhal, etc.
[2] Na Irlanda a grande presença de carvalhos origina na
tradição celta a atribuição ao carvalho de propriedades medicinais e tornando o
carvalho uma árvore sagrada.
[3]
Paulino
António Cabral de Vasconcellos (1719-1789), Abbade de Jazente (1782-1784). Soneto in Poesias de Paulino Cabral de
Vasconcellos. Na Officina de Antonio Alvarez Ribeiro. Anno de 1786. Porto.
(pág.132).
[4] Homero, Odisseia (Canto
XIX, 296-298)
[5] Platão, Fedro ou da Beleza. Tradução e Notas de Pinharanda
Gomes, sexta edição, Guimarães
Editores, Lisboa 2000.(pág. 122).
[6]
Phèdre in Oeuvres
de Platon, Ion, Lysis, Protagoras, Phèdre, Le banquet. Traduction nouvelle,
avec des notices et des notes par E. Chambry. Librairie Garnier Frères Rue des Saint-Pères
6. Paris 1919. (pag.307).
Émile Chambry (1864-1951).
[7]
Os Argonautas Poema
de Apollonio Rhodio, traduzido por José Maria de Costa e Silva Imprensa
Nacional Lisboa 1852. (pág. 18).
[8]
Pierre Fulcrand
de Rosset (1708-1788), L’Agriculture.
Imprimerie Royale. Paris. M DCC LXIV. (pág. 84).
[9]
Manuel
Maria Barbosa du Bocage (1765-1805), A
Agricultura. Poema Mr. De Rosset. Traduzido em Verso portuguez. In Bocage, Obras Completas vol. VI. Imprensa Portugueza. Porto 1875. (Canto Terceiro Das Árvores. pág 269).
[10]
As Plantas Poema de Ricardo de Castel. professor de litteratura no
prytaneo-francez; traduzidas da II. edição, verso a verso, debaixo dos
auspicios e ordem de S. Alteza Real O Principe Regente Nosso Senhor, por Manoel
Maria de Barbosa Du Bocage. Na Typographia Chalcographica, Typoplastica, e
Litteraria do Arco do cego. Liaboa M. D.C.C.C. I. (Canto I, pág. 33).
[11]
René
Richard Louis Castel (1758-1832), Les
Plantes, Poème, Par
René-Richard Castel. Seconde Édition, revue. Ornée de cinq figures en taille –
douce. De L'Imprimerie de Didot Jeune, Chez Deterville, Libraire, rue du
Battoir, n.º 16, A Paris 1799. (Chant I, pág. 20).
[12]
Les Jardins oú l’Art d’Embellir les
Paysages
(1780), poème par M. L’Abbé de Lille. A Paris De l’Imprimerie de France . Amer.
Didot L’Ainé. M DCC LXXXII. O poema foi traduzido para inglês por Maria Henrietta Montolieu
(1751-1832), The Gardens. Poem translated from the french of the
Abée Delille by Mrs. Montolieu. The
second Edition. Printed by T. Bensley, Bolt Court; and sold by Robson, New Bond
Street; White Flert Street; Evans, Pall Mall; and Kerby, Stafford Street.
London 1805. Ilustrado
por quatro gravuras de Vieira Portuense (1765-1805) e Francesco Bartolozzi
(1727-1815), com que Vieira então trabalhou.
[13]
Jacques
Delille (1738-1813), L’Imagination. Poëme
(1806). in Oeuvres Complètes de
Jacques Delille. Avec les Notes et Variantes, les Imitations de Poetes les plus
estimés, par V. Arnault de L’Académie Française. Tome quatrième. Chez Édouard
Leroi, Libraire. À Bruxelles Chez Langlet et Compagnie, Libraires. Paris 1835. (Chant troisième, pág. 80).
O Carvalho na pintura clássica e
romântica
The Great Oak de Nicolaes Berghen
O pintor Nicolaes Berghem, (1620-1683), citado,
entre outros pintores, por Jacques Delille no seu poema os Jardins, pintou ainda no século XVII, um quadro intitulado O Carvalho grande.
Nessa tela mostra
um tratamento da paisagem com uma quente luminosidade e um céu brilhante, onde alguns
pastores com seu gado descansam na sombra fresca de um velho e magestoso Carvalho.
A árvore que domina todo o centro da composição, levou certamente Delille a escrever no seu poema:
“Mas quando um velho ácer ou um carvalho antigo,
Patriarca da floresta ergue o venerável
rosto amigo,
Que toda a sua tribo, à sua volta se enfileira,
Compondo a sua corte com respeito e maneira;
Porque a árvore isolada agrada aos campos que decora.
Com muitas mais escolhas e mais gosto agora.”
[“Mais lorsqu'un chêne antique, ou lorsqu'un vieil érable
Patriarche des bois,
lève un front vénérable,
Que toute sa tribu, se rangeant à l'entour,
S'écarte avec respect, et compose sa cour;
Ainsi l'arbre isolé plaît aux champs qu'il décore.
Avec bien plus de
choix et plus de goût encore.”] [1]
A pintura de Berghem mostra na sua quase obecessão pelos pormenores com que pinta sobretudo as árvores, terá de facto influenciado a arte na França e na Inglaterra do século XVIII.
Le Chêne et le Roseau de Jules Coignet
A influência da literatura na pintura
também permitiu a Jules Coignet ilustrar a
conhecida fábula de Jean de La Fontaine (1621-1695), Le chêne et le roseau, vigésima segunda do seu primeiro livro de
1668.
A fábula é um diálogo entre o
forte e grandioso carvalho e o frágil e rasteiro junco, que termina por uma
tempestade que derruba o carvalho e que, graças à sua flexibilidade, permite ao
junco manter-se de pé.
Vieira Portuense e o Carvalho
Francisco Vieira o Vieira Portuense
(1765-1805), pintou em 1797 e 1798 um quadro, com o título de "Queen Margaret and the Robber", que apresentou no Salão
anual da Royal Academy of Arts, inaugurado em Londres a 21 de Abril de 1798.
A pintura actualmente no Museu Nacional
Soares dos Reis com o título de A Fuga de
Margarida de Anjou, retrata o episódio da História de Inglaterra de David Hume (1711-1776) de 1762. Baseado
na lenda que contava que, quando os Iorque capturaram Henrique VI, a rainha Margarida
(Marguerite d'Anjou 1430-1482) foge com o filho Eduardo de Westminster, o
herdeiro do trona.
É, contudo, surpreendida durante a fuga por um assaltante a quem Margarida implora que poupe “a vida do filho do teu rei”. O salteador reconhecendo na criança o futuro rei de Inglaterra, acaba por nenhum mal lhes fazer e acompanhá-los até ao seu destino.
[“While in this wretched condition, she
saw a robber approach with his naked sword; and finding that she had no means
of escape, she suddenly
embraced the resolution of trusting entirely for protection to his faith and
generosity. She advanced towards him; and presenting to him the young prince,
called out to him, Here, my friend, I commit to your care the
safety of your king's son. The man, whose humanity and generous spirit had been obscured, not
entirely lost, by his vicious course of life, was struck with the singularity
of the event, was charmed with the confidence reposed in him; and vowed, not
only to abstain from all injury against the princess, but to devote himself
entirely to her servisse.” ][2]
Margarida de Anjou, surge ainda como personagem maior com a designação de Queen Margaret na trilogia de William Shakespeare Henry VI de 1591 (como a rainha interventiva que era) e na peça Richard III de c.1592, quando regressada a Inglaterra como rainha viúva sedenta de vingança pela morte do marido, o que, aliás, nunca aconteceu.
As árvores
são carvalhos que Vieira Portuense, nesta procura de uma paisagem fiel à
Natureza, estudava já na sua estadia em Londres.
Vieira Portuense procurava então estudar a representação da
natureza como na ilustração do livro The
Gardens – a tradução inglesa do poema Les Jardins de Delille - de Maria Henrietta Montolieu (1751-1832),
publicado em 1782.
O
livro apresenta quatro gravuras de Vieira Portuense e Francesco
Bartolozzi (1727-1815), com quem Vieira então trabalhou.
Reproduzimos as duas primeiras dessas gravuras.
E pela mesma época Vieira também
pintou um outro quadro Narciso na Fonte (c. 1797), onde a Natureza (frondosos
carvalhos, o lago, o céu, a fonte) enquadram (ou esmagam!) reduzidas figuras mitológicas.
A fonte representa nesta pintura o mesmo que os vestígios de uma casa gótica no
quadro A Fuga de Margarida de Anjou,
ou seja, a presença de uma construção artificial lembrando a acção humana na
paisagem e na Natureza.
E nos seus desenhos também Vieira Portuense tem apontamentos de
árvores.
A Great Oak Tree de John Constabl
Na mesma época John Constable (1776-1837) desenha a carvão
um carvalho intitulado A
Great
Oak Tree.
O carvalho como figura central do quadro de
Louis Noël
E o magestoso carvalho como tema central da pintura surge ao longo do
século XIX, como ilustra o quadro Étude
de Chênes de Louis Noël (1824-1904).
Le Chêne
de Vercingétorix de Courbet
O carvalho ocupa assim, a quase totalidade do espaço da tela e é um verdadeiro retrato do que então existia em Fagey na região natal de Courbet. Tratado de uma forma realista - mostrando a influência que então já tem a fotografia na pintura da época – é, no entanto, pintado de maneira a sublinhar a sua magestosa presença e a grandiosidade da sua folhagem.
O quadro gerou polémica
porque Gustav Courbet quando em 1867 expôs o quadro acrescentou ao título “appelé Chêne de Vercingétorix, camp de
César près d’Alésia, Franche-Compté”, dando-lhe uma conotação política.
Em França no Segundo Império
(1852-1870) tinha-se estabelecido uma polémica sobre o verdadeiro lugar onde se
deu a batalha de Alésia (52 a.C.), onde os romanos comandados por Júlio César (100-44 a.C.) venceram os gauleses liderados por Vercingétorix (80-46 a.C.).
A
polémica era entre Alise Sainte-Reine na Borgonha como defendia o próprio
imperador Napoleão III (1808-1873) ou Alaise no Franche-Compté, a região natal
de Courbet que o pintor tanto amava e defendia.
Assim
o quadro tornou-se simbolo do confronto político entre Napoleão III e Gustav
Courbet, entre Vercingétorix e Júlio César entre o poder local e o poder
central.
O Carvalho de Miguel Torga
“Eis o pai da montanha, o bíblico Moisés
Vegetal!
Falou com Deus também,
E debaixo dos pés, inominada, tem
A lei da vida em pedra natural!
Forte
como um destino,
Calmo como um pastor,
E sempre pontual e matutino
A receber o frio e o calor!
Barbas, rugas e veias
De gigante.
Mas, sobretudo, braços!
Longos e negros desmedidos traços,
Gestos solenes duma fé constante…
Folhas verdes à volta do desejo
Que amadurece.
E nos olha a prece
Da eternidade
Eis o pai da montanha, o fálico pagão
Que se veste de neve e guarda a mocidade
No coração!” [3]
[1] Jacques Delille (1738-1813), Les Jardins, Poëme par Jacques Delille. Nouvelle Édition revue, corrigé et augmentée. Chez L. G. Michaud, Libraire Rue de Cléry, n.º 13 Paris. M. DCCC. XX. Chant le deuxième (pág.67).
[3] Miguel Torga (1907-1995), A um Carvalho, Diário V. 1951.
Regresso ao percurso de James Murphy
2 Arrifana
No seu percurso Murphy chega no Sábado dia 24, à Arrifana (St. Antonio da Rafana) [3].
A refeição, que incluiu jantar e ceia, consistia em pão, vinho, peixe seco (bacalhau?) e azeite; o último eu não provei, pois reparei no galheteiro reabastecido com a lamparina. Um senhor português que se sentou ao meu lado gritou num inglês estropiado: "Isso é péssimo, senhor, mas não espere melhor até chegar a Lisboa."
[“January
24. Here our Galicians consigned us to our fate, and returned to Oporto. At
five in the morning we continued our journey, amidst incessant rain, to St.
Antonio da Rafana [Arrifana], where we took up our lodging for the night.
Our repast, which included dinner and supper, conisted of bread, wine, dried fish, and oil; the latter I did not taste, as I saw the cruet replenished from the lamp. A Portuguese gentleman who sat next me, cried in broken English, " This is bad fare, Sir, but you must expedt no better till you get to Lisbon."] [1]
Uns anos mais tarde da passagem de Murphy por Arrifana, quando por adeu-se
um terrível episódio nesta localidade e que marcou por muito tempo os seus
habitantes. [2]
No dia 17 de Abril de 1809, foram fuzilados pelas tropas francesas os
que haviam realizado uma embuscada em Riba-Ul e em que perdeu a vida um
sobrinho do general Nicolas Jean de Dieu Soult (1769-1851). Tendo a população
refugiado na igreja os soldados franceses fizeram sair os homens e contando-os
até cinco, separavam este e também o fuzilavam.
3 Albergaria a Velha
“Domingo, 25 de Janeiro. Os nossos arrieiros recusaram-se a partir esta
manhã sem antes assistir à missa. Acompanhamo-los a uma pequena capela, a cerca
de meia milha da aldeia, onde um venerável velho padre celebrou o serviço do
dia com grande decência.
O auditório tinha uma aparência de respeitabilidade e não se via, entre
as pessoas, nenhuma cuja maneira de vestir denotasse miséria. A jornada daquele
dia foi mais gratificante do que a anterior, pois o tempo estava bom e o
caminho razoavelmente limpo.
Em direção ao Oeste contemplámos uma agradável vista sobre o mar; as terras das margens pareciam bem cultivadas e as montanhas plantadas com árvores. Às cinco horas concluímos a nossa viagem, numa pequena aldeia chamada Algarve Veilha, [Albergaria a Velha] a nove léguas bem contadas do Porto.”
[“Sunday January 25. Our muleteers would not depart
this morning till they heard divine service. We accompanied them to a small
chapel, about half a mile from the village, where a venerable old father
celebrated the service of the day with great decency.
The auditory had a respectable appearance; not one was
to be seen among them whose apparel bespoke wretchedness. This day's journey
was more pleasant than that of the foregoing, as the weather was fair, and the
way tolerably clean. Towards the West side had an agreeable prospect of the
sea; the land bordering on the coast appeared in good cultivation, and the
shelving mountains were planted with trees. At five o'clock we concluded our
Sabbath-day's journey, at a little village called Algarve Veilha, [Albergaria a Velha] nine computed
leagues from Oporto.”] [3]
Pelo seu lado, também William Kinsey ao descrever este percurso entre o Porto e Coimbra refere a estalagem de Albergaria gerida por dois padres e onde um deles tocava guitarra e compunha modinhas.
(…) Albergaria Velha, onde existe uma boa estalagem mantida por dois padres, com a assistência, ou melhor, sob o domínio da sua irmã. Um dos dignos eclesiásticos é um entusiasta da música, e muitas vezes ocupa as tediosas horas de um viajante cansado com os sons suaves da sua guitarra, e se devidamente lisonjeado, pode mesmo entoar uma modinha por ele composta.”
[(…) Alvergaria Velha, where there is a good estalagem kept by two priests, with the assistance, or rather under the dominion, of their sister. One of the worthy ecclesiastics is an enthusiast in music, and often beguiles the tedious hours of the wearied traveller with the sweet sounds of his guitar, and if properly flattered, may be coaxed out of a modinha of his own composition.”] [4]
4 Avelãs?
No Domingo, dia 26 de Janeiro, Murphy continua o seu percurso atravessa o Vouga, refresca-se no Sardão [5], passa por Vila Bela [Avelãs?] e chega nesse dia à Mealhada.
“26 de Janeiro.
Partimos às seis da manhã, e passamos por uma região abundante, diversificada
com vales e serras, revestidas de bosques de abetos e sobreiros. Atravessando o
rio Vouga encontramos outro, a curta distância, com o nome de Rio da Bella.
Depois de tomarmos um refresco no Sardad [Sardão] passamos pela Villa da Bella [Avelãs?] cuja aparência não justifica o nome.”
["January 26th. We set
out at six o'clock in the morning, and passed through a pleafant country,
diversified with hill and dale, clothed with groves of spruce and cork trees.
Having crossed the river Vouga we met another, a short distance from thence,
properly named Rio da Bella.
After taking some refreshment at Sardad [Sardão] we passed through Villa da Bella [Avelãs?] the appearance of which does not justify the name.]
Como não encontrei qualquer
referência a um Vila Bela, e como
Murphy se queixa da dificuldade de entender a pronúncia local, penso que a
povoação referida será Avelãs.
5 Mealhada
No final da tarde desse Domingo, Murphy assinala a sua chegada à Mealhada [7] onde pernoita.
“Mealhado [Mealhada] fecha a jornada; assim que assentamos, a mesa estava posta com pão, mel, fruta e vinho.”
[“Melhado [Mealhada] closed this day's journey; as soon as we sat down, the table was
spread with bread, honey, fruit, and wine.”] [5]
6 Coimbra
E finalmente, às 10 horas da manhã de Segunda-Feira, Murphy chega a Coimbra cujo panorama o surpreende e encanta, e que, por isso, descreve romanticamente.
“O dia 27 de Janeiro ofereceu a paisagem mais sublime que já vi. Chegamos ao cimo da montanha mais isolada nesta parte do país ao nascer do dia, quando alguns raios brilhantes, de uma cor púrpura profunda, começaram a despontar no céu a nascente. Estes logo se transformaram num feixe de raios de um tom de açafrão, que pareciam ascender como as chamas de um vulcão; a sua rápida expansão dissipou instantaneamente todas as sombras e encheu o horizonte com um glorioso esplendor.”
[“January 27th offered the
most sublime prospest I ever beheld. We reached the summit of the lostiest
mountain in this part of the country about break of day, when a few seeble
rays, of a deep purple colour, began to shot along the Eastern sky. These
shortly yielded to a transiente cone of rays of a saffron hue, which appeared
to ascend like the flames of a volcano; their rapid expansion instantly
dispelled every gloom, and filled the horizon with a blaze of glory.”] [6]
Dada a quase coincidência das datas da chegada de Murphy podemos considerar que Coimbra apresentava então esta imagem publicada pelo Professor Doutor António Filipe Pimentel na revista Rua Larga de Julho de 2009, da reitoria a Universidade de Coimbra.
No artigo publicado e acompanhando o desenho, transcrevemos parcialmente o que escreve António Filipe Pimentel e que identifica os pormenores do edificado.
(…) “Com efeito, nela avulta, em primeiro plano, a ponte manuelina, ainda
rematada pela torre da portagem e, da Estrela (com a muralha da couraça ainda
livre de adições urbanas) à Sapiência (Santa Cruz transcende já a perspectiva
do desenhador) é ainda a cidade intocada pelos efeitos da desamortização dos
bens eclesiásticos de 1834, o que se divisa. Por outro lado, no Paço das
Escolas – cuja configuração geral persiste a que chegaria aos dias de hoje
(excepção feita às obras de requalificação dos alçados exteriores da Biblioteca
Joanina promovidas pela DGEMN na década de 1940) –, ostenta-se já, plenamente
edificado, o Observatório Interino, projectado por Manuel Alves Macomboa em
substituição do do castelo, concluído exteriormente em 1791 e que ocuparia o topo
livre do pátio escolar até à sua demolição, nos anos 50 do século findo: o que
objectivamente lhe faculta um terminus ante quem. E de igual modo se ostenta
ainda, essencialmente íntegra, a grande plataforma contrafortada que o
protegeria pelo ocidente, bem visível no desenho de Hoefnagel, erguida por
Boitaca ao tempo das grandes obras de D. Manuel I.
Entretanto e para Sul (o extremo direito do desenho) o
grande espaço da cerca dos Beneditinos que o Jardim Botânico ocuparia –
sabendo-se, como se sabe, que seria a obra mais demorada do complexo dos
estabelecimentos científicos pombalinos – permanece ainda aparentemente
intocado (fora a mata), com casario avulso que o respectivo plantio faria
remover, recortando-se contra o aqueduto, plenamente visível: e é este um dado
que releva para a história daquele que é, inquestionavelmente, um dos mais
belos e fascinantes trechos do património universitário e também para a
história do desenho, tendo em conta saber-se que a conclusão deste programa
seria um dos grandes projectos de D. Francisco de Lemos no seu segundo
reitorado (1799-1821), ocupando-o essencialmente nos anos terminais, onde a
má-língua universitária o cominaria de gastar os recursos da instituição “em
construir muros de pedra e cal, e socalcos, que, não podendo concorrer para o
adiantamento das sciencias, pelos seus muitos defeitos, nem ao menos servem de
recreio”. Obtido, pois, por esta via, o terminus ad quem – o arranque do
plantio do Botânico –, a cronologia do desenho parece, com efeito, poder estabilizar
nos inícios de 1800, garantindo assim à cidade um terceiro marco iconográfico,
com intervalo quase secular: Hoefnagel, em finais do século XVI; Baldi, no
terceiro quartel do XVII; o que nos ocupa, dos anos finais do século XVIII ou
(mais provavelmente) já dos inicios do XIX. De facto, em primeiro plano,
fornecendo a escala da composição, o que parece ser o esboço de um casal de
camponeses, pode, na verdade, proporcionar ainda – mais, talvez, que o desenho
do edificado, num país então de austero paisagismo urbano (logo, com diminutas
possibilidades de confronto) – a pista para uma indagação autoral que seria
objectivamente útil apurar.” [7]
[1] James Cavanah Murphy (1760–1814) Architecte, Travels in Portugal, through the provinces
of Entre Douro e Minho, Beira, Estremadura, and Alem-Tejo, in the years of 1789
and 1790: consisting of observations on manners, custos, trade, public
buildings, arts, antiquities of the kingdom. Printed for Strahan and T.
Cadell Jun. and W. Davies. London 1795. (pág. 20).
[2] Em
Arrifana ergue-se um Monumento da autoria de Domingos dos Reis Maia decidido no
centenário do episódio, mas apenas inaugurado em 17 de Abril de 1917.
[3] James Cavanah Murphy (1760–1814) Architecte, Travels
in Portugal, through the provinces of Entre Douro e Minho, Beira, Estremadura,
and Alem-Tejo, in the years of 1789 and 1790: consisting of observations on
manners, custos, trade, public buildings, arts, antiquities of the kingdom. Printed
for Strahan and T. Cadell Jun. and W. Davies. London 1795. (pág. 21).
[4]
rev.
William Morgan Kinsey (1788-1851), Portugal
Illustrated Letters, Embellished with a map, plates of coins, wignettes,
and a various engravings of costumes, landscape scenery, &c. Letter XIV. Treuttel,
Würtz, and Richter, Soho Square London 1828. (pág.374).
[5] James Cavanah Murphy (1760–1814) Architecte, Travels
in Portugal, through the provinces of Entre Douro e Minho, Beira, Estremadura,
and Alem-Tejo, in the years of 1789 and 1790: consisting of observations on
manners, custos, trade, public buildings, arts, antiquities of the kingdom. Printed
for Strahan and T. Cadell Jun. and W. Davies. London 1795. (pág. 23).
[6] James Cavanah Murphy (1760–1814) Architecte, Travels
in Portugal, through the provinces of Entre Douro e Minho, Beira, Estremadura,
and Alem-Tejo, in the years of 1789 and 1790: consisting of observations on
manners, custos, trade, public buildings, arts, antiquities of the kingdom. Printed
for Strahan and T. Cadell Jun. and W. Davies. London 1795. (pág. 23).
[7] António Filipe
Pimentel, Vista inédita de Coimbra in
Rua Larga, revista da Reitoria da Universidade de Coimbra, n.º 25 de Julho de
2009. (pág. 36).
Coimbra na gravura romântica
No início do século XIX um oficial inglês o Major General Thomas Staunton St. Clair (1785 – 1847), que participou na Guerra Peninsular, desenhou uma vista de Coimbra provavelmente em 1811 ou 1812, impressa em Londres em 1815. [1]
Coimbra foi reconquistada aos franceses em Outubro de 1810, pelas tropas anglo-portuguesas - das quais Thomas Stauton fazia parte - sob o comando de Nicholas Trant (1769-1839), o qual havia participado nos combates do Porto em 1809 e a quem é dedicada a Planta Redonda do Porto.
Embora nem todos estes versos se refiram directamente a Coimbra e ao Mondego, por aqui esteve Luís de Camões. Por isso estes versos do poeta poderiam servir de legenda á gravura.
“Vamos alli, que alli
bosque sombrio
Nos dará fresco
abrigo, assento o prado,
Formosa vista o
valle, o monte, o rio:
O rio, que verás tão socegado,
Que te parecerá que
se arrepende
De levar ágoa doce ao
mar salgado.” [2]
E a gravura representa uma vista na
direcção de Nordeste com uma luz de Sudeste, talvez na
“primavera
Que os deleitosos campos pinta e veste,” [3]
Ao fundo por entre as
colinas
“Vão as serenas ágoas
Do Mondego descendo,
E mansamente até o mar não parão;” [4]
As duas margens do Mondego estão ligadas
pela Ponte de Santa Clara. A poente o mosteiro de Santa Clara e na margem
nascente a cidade de Coimbra encimada pela Universidade.
No primeiro plano à esquerda um pensativo
pastor com os seus cães e o rebanho já que como diz o poeta “Nem pastor ha no campo sem tristeza.” [5]
“Adornados andar vi os pastores
De quanto por o mundo se deseja;
E vi co'o campo competir nas côres
Os trajes, de obra tanta e tão sobeja,
Que se a rica materia mio faltava,
A obra de mais rica sobejava.” [6]
No Álbum Costumes Portugueses, de João Palhares (1819-1891), também as mulheres da Beira litoral são representadas com esses chapéus de abas largas.
Nos meados do século o pintor portuense
Francisco José Resende (1825-1893) [7], entre as suas obras, pintou figuras populares com os seus
trajes característicos, incluindo pescadores e camponeses da Beira litoral.
Naquele que é talvez mais conhecido e reproduzido quadro de Francisco José de Resende a “Camponesa de Ílhavo”, a figura feminina, com um traje onde sobressaem os múltiplos adereços, tem, sobre a cabeça e por cima de uma mantilha, um grande chapéu de aba larga.
O mesmo tema é tratado por Miguel Ângelo Lupi (1826-1883) num estudo de uma figura feminina com traje semelhante e com o característico chapéu de largas abas.
Outras gravuras de Coimbra
Já nos anos 30 do século XIX são publicadas, em pleno romantismo, várias gravuras de Coimbra mostrando o panorama que tanto deslumbrou James Murphy.
Dessas escolhemos uma de James Holland [8] e outra
de George Vivian [9].
A gravura de James Holland
A gravura View of Coimbra de James Holland faz
parte de um conjunto de 10 que ilustram o livro The tourist in Portugal
[10]
de William
Henry Harrinson (1773-1841) publicado em Londres em 1839.
William
Harrison narra o seu percurso do Porto até Coimbra, passando por Oliveira de
Azemeis, e acomodando-se em Albergaria no primeiro dia. No dia seguinte passa
por Sardão e chega a Coimbra.
A cidade de Coimbra ergue-se na encosta de uma colina, aos pés da qual corre o rio Mondego.”
[“Coimbra is not seen
to advantage from the road by which we approached it; but the view of the city
from the hills on the south is remarkably fine.
The city of Coimbra
is built on the side of a hill, at the foot of which flows the river Mondego.”] [11]
A gravura de George Vivian
Sob
uma luz matinal, a Alta de Coimbra é vista no topo da colina à esquerda, e
entrevê-se a cidade junto ao Mondego que serpenteia por entre as terras
arborizadas até ao horizonte.
À
esquerda da imagem, dois homens preparam tábuas, para a construção naval ou
civil, serrando troncos que foram transportados por um carro de bois aí
estacionado.
Junto
ao carro de bois, o condutor
(…) “deitado
Da relva faz colchão,
do Campo leito:
E tudo á freferi
dorme socegado.” [12]
Na estrada ao centro caminha um outro carro de bois e à direita dois viajantes com as suas mulas.
[1] Gravada por Charles Turner (1774-1857) e editada por Colnaghi
& Co (c.1785-1911).
[2] Luís Vaz de Camões,
Éclogas. Écloga XI (pág. 622). In Obras de Luís de Camões. Lello & Irmão - Editores, Rua das Carmelitas 144. Porto 1970.
[3] Luís Vaz de Camões,
Éclogas. Écloga VI (pág. 587).
[4] Luís Vaz de Camões, Canção IV (pág. 234).
[5] Luís Vaz de Camões, Écloga I (pág. 524).
[6] Luís Vaz de Camões,
Écloga I (pág. 519 e 520).
[7] Ver de
António Mourato, Francisco José Resende (1825-1893).
Figura do Porto Romântico. Edições Afrontamento Porto 2007.
[8] James Holland
(1800-1870), esteve em Portugal entre nos meses de Verão e do Outono de 1837.Ilustrou
o livro The
tourist in Portugal, de William Henry
Harrison publicado em Londres em 1839.
[9] George Vivian
(1798-1873), desenhador e pintor em Londres, viajou através de Espanha e
Portugal. No seu regresso, Vivian publicou uma colecção de litografias
sob o título “Scenery of Portugal & Spain” constituído por 33
desenhos gravados em pedra por L.
Haghe (1806-1885). Tornou-se célebre a gravura da praça de S. Bento no Porto e que
foi reproduzida numa nota de 100 escudos do Banco de Portugal.
[10] William Henry Harrison (1773-1841), The tourist in Portugal, illustrated from paintings by James
Holland. Ed. Robert Jennings, printed by Maurice, Clark, & Co. London
1839.
[11] William Henry Harrison
(1773-1841), The tourist in Portugal,
illustrated from paintings by James Holland. Ed. Robert Jennings, printed by
Maurice, Clark, & Co. London 1839.
[12] Paulino
António Cabral de Vasconcellos, Abade de Jazente (1719-1789). Poesia de Paulino Cabral de Vasconcellos
na oficina de Alvarez Ribeiro anno de 1786. (pág. 45).
CONTINUA
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