Gustave Bourgain “Dourando a Figura de Proa” 1886
Shakespeare Soneto 123 [1]
fig. 1-
Gustave Bourgain (1856-1918) – Dourando a
Figura de Proa (Gilding the
Figurehead), Porto 1886, óleo sobre tela 75 x 105 cm. Col. particular.
Gandalf’s Gallery. http://gandalfsgallery.blogspot.com/
Em 1896, Gustave Bourgain (1856-1921) pintou um quadro histórico intitulado “Dourando a Figura de Proa” (Gilding the Figurehead).
Na pintura, datada de 1886, Bourgain, num exercício sobre o
Tempo, procura reavivar o passado, como “se
possível fosse que tornasse / o tempo para traz, como a memória” [2].
Modificando a visão do Porto como era no seu tempo e
reconstruindo uma imagem antiga do Douro e da cidade.
Imagem antiga que, em sombra e esquecimento, se foi perdendo
e mudando no “tempo que
tão leve vai voando.” [3]
[1] William Shakespeare (1564-1616), Sonnet CXXIII. In Shakespeare Sonnets, Ticknor and Fields Boston Mass. 1865. (pág. 129).
[2] Luís de Camões, Canção X in Obras de Luís de Camões, Edição completa com as mais notáveis variantes. Lello & Irmão – Editores, 144, Rua das Carmelitas Porto 1970. (pág. 258).
[3]
Luís
de Camões, Écloga XII in Obras de Luís de Camões, Edição completa com as mais
notáveis variantes. Lello & Irmão – Editores, 144, Rua das Carmelitas Porto
1970. (pág.637).
Gustave
Bourgain (1856-1921), foi um pintor e ilustrador francês ligado à revista L'Illustration. Em 1882 foi
enviado a Alexandria no Egipto com a expedição inglesa. Expõe pela primeira vez
no Salon de 1884 com uma cena da guerra anglo-egípcia (Com o n.º 334, Arrestation des pillards, à Alexandrie.
Julliet 1882 no Catálogo ilustrado do Salão).
Torna-se pintor oficial da
Marinha. Dedicando-se à pintura histórica, pinta um conjunto de quadros sobre a
campanha do Egipto por Napoleão entre os quais dois quadros de Bonaparte no
Cairo. Participa na Exposição Universal de 1900 com uma celebrada aguarela de 1892,
“La Fin du "Vengeur", retratando o combate do navio francês com o navio inglês
Brunswick em 1794.
É o autor de Le Marin
Français, livre ilustré par G. Bourgain, peintre de la marine. Librairie
Renouard-Laurens éditeur. 1896.
O Quadro
O quadro divide-se em duas partes. Uma, à esquerda, mais
sombria onde está representada a proa de um navio e a outra, cheia de um sol
deslizando para poente, mostra o Douro de um luminoso azul, onde um igual navio
está fundeado em enseada segura.
Ao fundo o perfil pálido da cidade do Porto.
fig. 2 – O quadro dividido em 2 partes.
Na zona mais sombria, Bourgain pinta a proa de um navio talvez inspirado nos versos de Marcus Valerius Martialis “A um fragmento do “Argos”:
“Fragmentum quod uile putas et
inutile lignum,
haec fuit ignoti prima carina maris.
Quam nec Cyaneae quondam potuere ruinae
frangere nec Scythici tristior ira freti.
Saecula uicerunt: sed quamuis cesserit annis,
sanctior est salua parua tabella rate.” [1]
Que Jorge de Sena traduziu como:
“Este fragmento, lenho inútil dizes, / Primeira quilha foi no mar ignoto. / Que não quebraram as Ciâneas rochas, [2] / Nem a fúria cruel das águas citas, / Os séculos venceram: mas que resta / Mais venerável é que a nave inteira.” [3]
O navio está atracado ao cais de Gaia, onde uma amarra, segura e grossa, com um nó de volta redonda, enlaça um poste cravado no empedrado.
fig. 3 – Pormenor mostrando o cais de Gaia. Do lado esquerdo Bourgain 86.
[1] Marcus
Valerius Martialis (38-104 d. C.) “De fragmento Argus” in M. Val. Martialis
Epigrammata cum notis, Thomae Farnabii. Amstelodami, Sumptibus Remondini
MDCCXLIX (Liber VII pág. 212).
[2] As rochas
Ciâneas eram na mitologia grega as Simplegades, uns rochedos que formavam um
estreito que à passagem dos navios se aproximavam e os comprimiam e destruíam.
Foram os Argonautas os primeiros que por aí passarem, largando uma pomba que
apenas perdeu alguma penas. Então ousaram entrar na estreita passagem o que
conseguiram perdendo apenas alguns dos ornamentos do Argos. Os rochedos a
partir daí ficaram definitivamente imóveis.
[3] Jorge
de Sena (1919-1978), Poesia de 26 séculos.
Primeiro volume – de Arquíloco a Caldéron. Editorial Inova Limitada Porto 1971.
Dois marinheiros atarefam-se na manutenção da embarcação, um dos quais com o tradicional barrete vermelho, cria um ponto de cor na penumbra do casco do navio.
fig. 4 – Dois marinheiros na manutenção do navio.
No centro do quadro, separando os dois lados da composição, está, num andaime pendurado, uma personagem a qual, com as mãos de artista e cuidado vestuário, vai dourando a figura de proa (a carranca), essa escultura que justifica o título da pintura.
A figura de proa “com
o sopro do vento, a levantar a cara / e a escutar a voz do rio” [1] representa um guerreiro encavalitado no talhamar (a peça da frente da proa) sob
o gurupés (o mastro horizontal da
proa).
Instalada na proa “olha para os quatro infinitos”, e impõe ao navio obediente a ir seguindo “magnífico e orgulhoso de vento”,[2]
fig. 6 – A figura de proa do navio.
[1] Cesare Pavese (1908-1950), Paesagio VIII, di Lavore stanca (1936). In Poesie edite e inedite. A cura di Italo
Calvino.Giulio Einaudi editore s.p.a. Torino1962. (pág. 158).
“I ricordi cominciano nella sera
sotto il fiato del vento a levare il volto
e ascoltare la voce del fiume. L'acqua
è la stessa, nel buio, degli anni morti. (…)”
[2] Lucie Delarue-Mardrus (1880-1945), La Figure de Proue, Bibliothèque-Charpentier. Eugène Fasquelle, Éditeur. 11, Rue de Grenelle, 11. Paris 1908. (pág. 3).
“La figure de proue allongée à l'étrave / Vers les quatre infinis, le visage en avant / S'élance; et, magnifique, enorgueilli de vent / Le bateau tout entier la suit comme un esclave (…)”
O Navio
Embora sem qualquer fundamento, gostaria que o navio representado fosse o antigo L’Union, da Armada Francesa rebaptizado em 1803 de Diomede.
Assim, na figura de proa não figuraria um soldado romano, mas a representação do herói grego Diomedes, companheiro de Ulisses, tido como o lendário fundador da cidade do Porto. [1]
Ao longo dos tempos, vários autores assim o consideraram e já no final
do século XVIII, o padre Agostinho Rebello da Costa na Descripçaõ
Topografica, e Historica da Cidade do Porto de 1789, ao procurar afirmar,
nacional e internacionalmente a cidade do Porto, contribuiu para a lenda
escrevendo que “Diomedes rei de Etholia hum dos Principes, e Capitaens do cerco de
Troya imitando a Ulysses, navegára pelo Mediterraneo, atá sahir pelas Columnas
de Hercules ao Occeano Occidental, e
tomando porto na foz do Rio Douro, desembarcara da parte setentrional, aonde se
demorara largo tempo attraido da amenidade, e frescura do Paiz;…” [2]
E ainda nesta época de transição entre os dois séculos, João
Peixoto de Miranda, no seu poema Cale ou
A Fundação da Cidade do Porto, publicado em 1838, também canta que:
“O Grego, que vencendo o mar, e ventos, / Lançou, da nobre Cale os fundamentos.” [3]
No lado direito da pintura, mais luminoso e tendo por fundo a cidade do Porto, está fundeado uma outra grande embarcação “como um navio que chegou a um porto / E cujo movimento é ali estar,” [4]
[1] Esta
lenda de que Diomedes teria fundado a cidade de Gaia e do Porto, está baseada
nas referências que Estrabão (c.64 a.C. – 21 ou 25 d.C.) faz à presença grega
no noroeste da Península Ibérica.
[2]
Agostinho Rebello da Costa, Descripçaõ
Topografica, e Historica da Cidade do Porto. Na Officina de Antonio Alvarez
Ribeiro. Porto. Anno de MDCCLXXXIX. (pág. 3).
[3] João
Peixoto de Miranda, Cale ou A Fundação da
Cidade do Porto, (1838). Poema de João Peixoto de Miranda, Typographia de
D. António Moldes, Largo da Batalha n.º 41, Porto 1850. (Canto I, Estrofe 2,
pág. 15).
[4]
Fernando Pessoa (1888-1935). Já não me
importo (2-9-1935), in Novas poesias inéditas. (Direção, recolha e notas de
Maria do Rosário Marques Sabino e Adelaide Maria Monteiro Sereno). Ática Lisboa
1973.
A nau “no socegado porto descançando” [1], tem a proa virada para poente, e flutua em paz, num estranho silêncio de abandono já que, embora a meio pano, nele não se observa nenhum tripulante.
fig. 9 – A nau de 74 peças fundeada no Douro com numeradas as velas armadas.
O navio representado na pintura tem apenas armadas as velas:
1 – Carangueja 2 – Mezena 3 - Gávea 4 – Joanete maior 5 – Estai de gávea 6 – Estai volante 7 – Bujarrona 8 – Bujarrona pequena (Giba)
[1] Antonio Diniz da Cruz e Silva (1731-1799), na Arcadia de Lisboa Elpino Nonacriense. Poesias.Tomo III Que contem Poesias Liricas. Na Typographia Lacerdina, Rua da Condeça ao Carmo n.º 19. Lisboa 1812. (pág. 240).
O navio de 74 peças [1]
A nau (navio ou vaso de guerra) de
74 canhões (peças ou bocas de fogo) foi concebido pelo grande matemático e
engenheiro naval Jean-Charles, chevalier de
Borda (1733-1799), (criador entre outras invenções do sistema
métrico) em colaboração com o arquitecto-naval Jacques-Noël Sané, (1740-1831).
A primeira destas embarcações a ser construída foi Le Téméraire em Brest 1782, o qual deu nome a esta classe
de navios.
Rápido e manobrável, pela sua agilidade capaz de se confrontar com navios de outra tonelagem e capacidade de fogo, tornou-se o navio de referência em todas as frotas europeias nos finais do século XVIII, incluindo a Armada Portuguesa.
Jean-Jérôme
Baugean (1764-1819) foi o autor de um álbum póstumo publicado em 1826, “Collection de toutes les
espèces de bâtimens de guerre et de bâtimens marchands qui naviguent sur
l'Océan et dans la Méditerranée, dessinée d'après nature et gravée par Baugean”
[2] com
72 estampas com um pequeno comentário acompanhando cada uma delas..
O navio de 74 bocas de fogo é apresentado no álbum em duas estampas, sendo a estampa 62 a imagem do navio em construção (a estampa LXII Vaisseu de 74 en Construction); e outra a estampa 35, a imagem do navio preparando-se para zarpar (a estampa XXXV, Vaisseau de ligne français de 74 moullié en rade.).
A Estampa 62.
fig. 10
- Jean-Jérôme
Baugean (1764-1819), Planche
LXIl. In Collection de toutes les espèces de bâtimens de guerre et de bâtimens
marchands qui naviguent sur l'Océan et dans la Méditerranée, dessinée d'après
nature et gravée par Baugean. A Paris Chez Jean, Rue Sainte-Jean-de Beauvais
n.º 810. Paris 1826. BnF.
Comentário no álbum: planche LXII -Vaisseau de 74, prêt à mettre à l'eau. Ce vaisseau, prêt à être lancé ou mis à l'eau (…) est presque fini quelques ouvriers achèvent de le calafeter; une tente le couvre dans toute sa longueur pour l'abriter du soleil. (pág. 14).
[Estampa LXII – Nau de 74 pronta para ser lançada à
água. Este navio pronto para ser lançado ao mar ou posto a navegar (…) está
quase acabado e enquanto alguns operários acabam de o calafetar; uma lona
cobre-o a todo o comprimento para o abrigar do sol.].
A Estampa 35.
fig. 11
- Jean-Jérôme
Baugean (1764-1819), Planche
XXXVe. Vaisseaude ligne français de 74, mouillé en rade. In Collection de
toutes les espèces de bâtimens de guerre et de bâtimens marchands qui naviguent
sur l'Océan et dans la Méditerranée, dessinée d'après nature et gravée par
Baugean. A Paris Chez Jean, Rue Sainte-Jean-de Beauvais n.º 810. Paris 1826.
BnF.
Comentário no álbum: planche XXXV - Lorsqu'un vaisseau, revenant de naviguer, n'a pas besoin de radoub, il reste en rade dégréé en partie, et son équipage à bord, en attendant les ordres de se préparer à mettre à la voile. Le vaisseau ici représenté a un pavillon de signal au bout de vergue du grand hunier, hissé en bannière, ce qui se fait ainsi dans les calmes plats, pour qu'il soit aperçu. (pág. 8).
[Estampa XXXV - Quando uma embarcação, voltando de navegar e não necessitando de se reequipar, permanece fundeada no porto, parcialmente desaparelhada, com a tripulação a bordo, aguardando as ordens de preparação para zarpar. A embarcação aqui representada tem uma bandeira sinalizadora na verga superior do mastro grande, içada como um estandarte, o que é feito em acalmias, para que o navio possa ser visto.]
[1] Ver
Jean Boudriot (1921-2015), Le vaisseau de
74 canons, 4 vols. Éditions des Quatre Seigneurs, Grenoble 1977.
[2]
Jean-Jérôme Baugean (1764-1819), Collection de toutes les espèces de bâtimens
de guerre et de bâtimens marchands qui naviguent sur l'Océan et dans la
Méditerranée, dessinée d'après nature et gravée par Baugean. A Paris Chez Jean,
Rue Sainte-Jean-de Beauvais n.º 810. Paris 1826. BnF.
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A nau Rainha de Portugal
fig. 12 - A nau de 74 Rainha de Portugal in Alternavios http://alernavios.blogspot.com/2010/09/rainha-de-portugal.html
A
nau Rainha
de Portugal, um navio português de linha de 3ª classe, foi construído no
estaleiro do Arsenal da Marinha em Lisboa, por Torcato José Clavina (17??-?) e
lançado ao mar em 28 de Setembro de 1791. Entrou ao serviço em 28 de Dezembro
do mesmo ano.
Pertenceu à esquadra que levou para o Brasil a família real em 1807, operou no Mediterrâneo na esquadra portuguesa em auxílio à frota inglesa do Mediterrâneo do Almirante Nelson, e participou na batalha do Cabo de S. Vicente durante a Guerra Civil, cuja vitória da armada liberal comandada por Napier [1] foi determinante para o fim do conflito. “Napier a Esquadra apenas avistou, / A venceu á bordage, e a derrotou.” [2]
[1] Charles
John Napier (1786-1860), depois de uma carreira ao serviço da Marinha Inglesa,
chegou ao Porto em 3 de Junho de 1833, para assumir o comando da esquadra de D.
Pedro na Guerra Civil. Foi então empossado a 8 de Junho com o nome de Carlos de
Ponza, para evitar a interdição do governo britânico. No mês seguinte, a 5 de
Julho, vence a batalha naval do Cabo de São Vicente desbaratando a armada de D.
Miguel. Foi o autor de “An account of the
war in Portugal between Don Pedro and Don Miguel” publicado em 1836, onde
descreve pormenorizadamente esta batalha.
[2] José Martins
Rua (c.1814-1868), Pedreida Poema Heróico
da Liberdade Portugueza. Typographia Commercial Portuense Porto 1843. (estrofe
51, pág.181).
Uma pintura da nau Rainha de Portugal
Uma pintura de 1833, existente no Museu da Marinha de Lisboa, “O Almirante Napier a bordo da nau Rainha de Portugal, em Lisboa depois da sua vitória sobre a esquadra de D. Miguel no Cabo de São Vicente”, mostra o Tejo tendo ao centro a nau Rainha de Portugal.
fig. 13 - M. Yarwood (?-?), O Almirante Napier a bordo da nau Rainha de Portugal, em Lisboa depois da sua vitória sobre a esquadra de D. Miguel no Cabo de São Vicente. 1833. Óleo s/tela 40,4 x 30,6 cm. Museu de Marinha. Lisboa.
Na pintura, que é uma vista de um ameno Tejo, na hora em que o sol poente o vai cobrindo de ouro e dando às nuvens tons de violeta e laranja, desliza a nau no
“(…) puro, suave e brando Tejo, / com as côncovas barcas, que, nadando, / vão pondo em doce efeito seu desejo. / as co’ brando vento navegando, / outras co’s leves remos, brandamente / as cristalinas águas apartando. [1]
[1] Luís de Camões, Elegia III in Obras de Luís de Camões, Edição completa com as mais notáveis variantes. Lello & Irmão – Editores, 144, Rua das Carmelitas Porto 1970. (pág. 406).
Sobre essas águas calmas com “As velas todas brandamente inchadas” [1] o Rainha de Portugal navega em majestade Tejo acima, rodeado pelas côncavas e súbditas embarcações: três fragatas, um barco de Riba Tejo, um saveiro da costa e um caíque.
(1) À direita, em primeiro plano dando escala ao navio e à pintura um barco de Riba Tejo.
No quadro é visível a “proa arrufada com agressivo pregueado metálico de cabeças salientes, bico muito levantado” [2].
Vê-se a grande vela latina enrolada na comprida verga articulada com o mastro, muito inclinado para a proa. Tem bem visível um leme com xarolo manobrado por uns cabos chamados gualdropes. Possui pás-de-bordo, umas espadelas laterais para estabilizar a embarcação.
João de Souza, no Caderno de todos os Barcos do Tejo tanto de Carga e Transporte como d’ Pesca, apresenta uma imagem Barcos de Riba Tejo - Barques du haut Tage, eles portent des provisions a la Ville. [3]
fig. 16
- João de Souza, Barcos de Riba Tejo - Barques du haut Tage, eles portent des
provisions a la Ville in Caderno de todos os Barcos do Tejo tanto de Carga e
Transporte como d’ Pesca. Ilustrado por João Ramalho Estampa 6. Na Soci[edade]
de Joze Fon[se]ca o Arcenal. Lisboa 1785.
Os elementos essenciais que caracterizam a embarcação são apontados na figura seguinte:
fig. 17 - Adaptação de um desenho de Aldo Cherini (1919-2010) e Corrado Cherini, Barco de Riba Tejo in Barche e navicelle d'Europa - un ricchissimo e significativo patrimonio etnografico quasi completamente scomparso. 1978. (pag.9).
Legenda: 1 – Proa 2 – Vela latina 3 – Verga 4 – Mastro 5 – Leme com xarolo 6 – Espadela ou pá-de-bordo.
O
barco de Riba Tejo, quando apresenta à proa e à ré uns elementos horizontais
denominados botalós (ou batelós)
* que serviam para
amurar e caçar outras velas, chama-se muleta.
*
Do francês boutes-hors.
A Muleta, para além da espectacular elegância e beleza quando armava todo o velame, este permitia imprimir à embarcação uma maior velocidade e uma outra força, sobretudo quando se impunha o arrasto da rede de pesca (tartaranha).
fig. 18 – Muleta a todo panno largo Estampa de J. Almeida in A. A. Baldaque ds Silva (1852-1915), Estado actual das pescas em Portugal, Compreendendo a Pesca Marítima, Fluvial
e Lacustre em Todo o Continente do Reino, Referido ao Ano de 1886, Lisboa,
Imprensa Nacional, 1891 (pág. 397).
[1] Sophia
de Mello Breiner Andresen (1919-2004). Navegações
in Obra Poética. Assírio & Alvim Porto 2015. ((pág.733).
[2] Octávio
Lixa Filgueiras (1922-1996), Introdução ao “Caderno de Todos os Barcos do Tejo
tanto de Carga e Transporte como d’Pesca, por João de Souza, Lente
d’Arquitectura Naval e da Companhia de Guardas Marinhas”, Academia da Marinha
Lisboa 1985. (ponto 7 pág.20).
[3] João de Souza, Barcos de Riba Tejo - Barques du haut Tage, eles portent des provisions
a la Ville in Caderno de todos os Barcos do Tejo tanto de Carga e
Transporte como d’ Pesca. Ilustrado por João Ramalho Estampa 6. Na Soci[edade]
de Joze Fon[se]ca o Arcenal. Lisboa 1785.
(1) Por trás do Barco de Riba Tejo junto à margem está fundeada uma fragata navio de três mastros e velas redondas com 24 a 50 peças distribuídas por uma só coberta.
fig. 19
– Pormenor da Fragata ancorada junto a Lisboa.
(2) À esquerda um saveiro da costa com a sua proa e popa reviradas, navegando pela força dos remos já que está sem o mastro nem a vela.
fig. 22 - João de Souza, Cayque Batiment pecheur de l'Algarve qui vient souvent à Lisbone In Caderno de todos os Barcos do Tejo tanto de Carga e Transporte como d’ Pesca. Ilustrado por João Ramalho.
(4) Atrás do Rainha de Portugal navegam duas fragatas de 24 peças e uma só coberta, sendo que uma se dirige para o mar e a outra acompanha a nau almirante.
(5)
No horizonte, a poente, a Torre de Belém: “Sobre
as águas se recorta a branca escultura /Quasi
oriental quasi marinha /Da
torre aérea e branca /E
a manhã toda aberta /Se
torna irisada e divina.” [1]
Retomando a pintura de Bourgain
fig. 24 - Gustave Bourgain (1856-1918) – Dourando a Figura de Proa (Gilding the Figurehead), Porto 1886, óleo sobre tela 75 x 105 cm. Col. particular. Gandalf’s Gallery.
No lado direito da pintura
fig. 25 - Pormenor do escaler.
O escaler era o mais pequeno do conjunto de três, de diferentes dimensões, que faziam parte do equipamento dos navios de 74 canhões.
fig. 26 - Pormenor de um modelo de
Nau de 74 peças. In Claude
Balmefrezol. Marine Française fin XVIII°.
http://www.maquetland.com/article-1011-marine-francaise-fin-xviii-version-francaise
Na parte mais luminosa do quadro, no Douro navegam ou estão
ancoradas diversas embarcações (valboeiros, caíques, escaleres), entre as quais
se salienta, em primeiro plano, um atarefado barco rabelo. Desliza para o cais
de Gaia, com o arrais e dois feitores de proa instalados na apegada e manobrando
a espadela, e dois outros marinheiros segurando o remo de estibordo.
Transporta os feitores e vinhateiros com o vinho do Porto embalado em pipas, convenientemente arrumadas sob a vela de linho adormecida.
fig. 27 - Pormenor de um barco rabelo.
fig. 28 - Pormenor mostrando o panorama da cidade do Porto.
Por isso a cidade do Porto, é representada com o casario descendo até ao rio, desde o morro da Vitória, e o morro
da Sé, este dominado pela Catedral e pelo Paço Episcopal e onde espreita a
igreja dos Grilos, até à muralha e ao cais da Ribeira.
É certamente inspirada na gravura de George Vivian [1] do álbum Scenery of Portugal & Spain, publicado em Londres em 1839.
Note-se a coloração, os pormenores do perfil da cidade, do Palácio Episcopal e das embarcações com o barco rabelo em primeiro plano.
fig. 29 - Pormenor mostrando o panorama da cidade do Porto.
fig. 30 - George Vivian (1798-1873), Oporto from Villa nova, litografia de Louis Haghe (1806-1885) in Scenery of Portugal & Spain, 14 Pall Mall, East P. and D. Colnaghi and Com. London 1839.
[1] George
Vivian (1798-1873), desenhador e pintor, viajou através de Espanha e
Portugal entre 1833 e 1837. No seu regresso, Vivian publicou uma
colecção de litografias sob o título “Scenery
of Portugal & Spain” constituído por 33 desenhos gravados em pedra por
L. Haghe (1806-1885). Tornou-se célebre a gravura da praça de S.
Bento no Porto e que foi reproduzida numa nota de 100 escudos do Banco de
Portugal.
O barco rabelo é semelhante embora Bourgain o tenha invertido desenhando-o a navegar na direção contrária.
fig. 31 – O barco rabelo em Bourgain.
fig. 32 – O barco rabelo de
Vivian invertido.
fig. 33 – O barco rabelo em Vivian.
Do mesmo modo a panorâmica da cidade é em tudo semelhante, incluindo muitas das embarcações que no Douro navegam.
fig. 34 – Vista da cidade em Bourgain. 1886.
fig. 35 – Vista da cidade em Vivian. Publicada em 1839.
Bourgain aproveita o desenho das naus de 74 peças para “esconder” a Torre dos Clérigos e a Ponte das Barcas. [1]
[1] Na data
da pintura 1886 era inaugurada a ponte Luís I mas ainda não fora desmontada a
ponte pênsil.
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