Aspectos do Porto na segunda década de oitocentos
Episódio 1
Em 1817 Manoel Fernandes
Thomaz (1771-1822) chega ao
Porto vindo sul, para tomar posse do lugar de desembargador da Relação.
Ignoro se se
deslocou por terra ou por mar, mas fosse qual fosse o modo de deslocação, a
primeira imagem que teria da cidade, seria a que Henri L’Évêque retratou nesta conhecida
gravura publicada precisamente, em 1817.
A gravura de H. L’ Evêque (1769-1832) [1]
A gravura mostra uma cidade debruçada sobre o rio, com uma
grande actividade portuária onde é salientado o comércio do vinho.
L’Évêque mostra ao fundo a cidade com a colina da Sé 1 com a Catedral 2 e o
Paço Episcopal 3 e a colina da Vitória 3 com o Mosteiro de S. Bento.
Na encosta o convento de S. Domingos 4 e o convento de S. Francisco 5
Junto à Porta da Ribeira, sensivelmente ao centro da imagem
entre as duas embarcações a capela de Nossa Senhora do Ó 7 sobre a muralha.
Esta estende-se para montante com os antigos postigos do
Pelourinho; da Forca; da Madeira e o postigo da Areia.
No primeiro plano, desenhado com rigor o Cais de Gaia.
1 - A panorâmica da cidade
A cidade estende-se em anfiteatro desde o morro da Sé 1 com uma verdejante escarpa sobre o Douro, o vale do
rio de Vila, o morro da Vitória 3 até à praia de
Miragaia. 6
Após a curva do rio a
Companhia das Vinhas do alto Douro constrói entre 1761 e 1767 o armazém de
Monchique e a cidade estende para poente as actividades portuárias. E em 1788 é
decidida a abertura da marginal para ligar Miragaia com a Foz. Já em 1789, com
projecto de Champalimaud de Nussane [2],
iniciam-se as obras do cais de Massarelos.
Na imagem ao fundo ainda se vê a margem sul com os seus armazéns.
Afirma o Padre Agostinho Rebello da Costa (?-1791), na “Descripção
topographica e historica da Cidade do Porto” de 1789:
“(...) falarei
somente dos dous cais que se dilatam pelas margens do Rio Douro, tanto da parte
meridional, como setentrional.”
E prossegue “Os deliciosos passeios a que estes Cais daõ lugar, saõ
o divertimento mais frequente dos Nobres, Povo e Senhores, tanto Portuguezes
como Estrangeiros.
Espera-se, que o
que está da parte setentrional chegue em breve tempo até São Joaõ da Foz. Se
isto assim acontecer, não haverá Cidade na Europa, que logre comodidade, ou
ainda recreio similhante.” [3]
[1]
Henri l'Éveque (1769-1832), viajante,
pintor, aguarelista e gravador suíço, esteve várias vezes em Portugal, tendo
registado graficamente, entre outros temas, numerosos episódios das Invasões
Francesas no seu álbum Campaigns of the
British Army in Portugal, under the command of general the Earl of Wellington
de 1812 dedicado a este militar, com 19 gravuras. Foi ainda autor de outro
álbum Costume of Portugal, um belo
livro dos costumes portugueses publicado durante o século XIX dedicado ao
conselheiro, ministro e secretário de Estado António de Araújo (António Araújo
e Azevedo, 1º Conde da Barca 1754-1817).
[2] José Champalimaud de Nussane (Paul Joseph Champalimaud, Senhor de Nussane 1733-1799), engenheiro militar de origem francesa foi director da Junta de Obras Públicas entre 1787 e 1794.
[3]
Agostinho Rebelo da Costa (?-1791), Descripção topographica e historica da
Cidade do Porto. Na Officina de Antonio Alvarez Ribeiro, Porto 1789.
(Cap.II pág. 29 e 30).
2 - O Porto como um anfiteatro
“Porto. Cidade episcopal, construída em amfiteatro numa posição
dominante ao longo da margem setentrional do Douro, sobre dois montes
chamados da Sé e da Vitória.”
[“Porto. cidade épiscopale, bâtie en amphithéâtre dans une dominante position le long du bord septentrional du Douro, sur deux monts nommés de la Sé et de la Victoria.”] [3]
E, mais tarde, Alexandre Herculano (1810-1877) nas Lendas e Narrativas de 1851 também descreve o Porto como um “amphitheatro sobre o esteiro do Douro, e reclina-se no seu leito de granito.” [4]
[1] Agostinho Rebelo da Costa (?-1791), Descripção topographica e historica da
Cidade do Porto. Na Officina de Antonio Alvarez Ribeiro, Porto1789. (Cap.II
pág.21).
[2] Adrien Balbi (1782-1848), “Essai statistique sur le royaume de Portugal et d'Algarve comparé aux autres états de l’Europe,et suivi d’un coup d’oeil sur létat dês Sciences, dês Lettres et dês Beaux-Arts parmi les portugais dês deux hémisphères” Chez Rey et Gravier, Libraires, Paris 1822. (pág.213). Escrito no preciso momento da revolução liberal de 1820 e da Constituição de 1822, o Essai descreve um Portugal herdeiro do período iluminista e onde as novas ideias iniciam um novo ciclo. O livro é escrito ainda nas vésperas da independência do Brasil.
[3]
Adrien Balbi (1782-1848), “Essai statistique sur
le royaume de Portugal et d'Algarve comparé aux autres états de l’Europe,et
suivi d’un coup d’oeil sur létat dês Sciences, dês Lettres et dês Beaux-Arts
parmi les portugais dês deux hémisphères” Chez Rey et Gravier,
Libraires, Paris 1822. (pág.213).
[4] Alexandre Herculano (1810-1877), Lendas e Narrativas. 2ª edição, Volume I. Arrhas por foro d’Hespanha, cap. IV Uma barregan rainha. Em Casa da Viuva Bertrand e Filhos, Lisboa
MDCCCLVIII (pág. 154).
3 - A Ponte das Barcas
No centro da gravura, a Ponte das Barcas 10 inaugurada em 1806, um projecto de Carlos Amarante [1], após ser rejeitado o projecto
da ponte de pedra à cota alta de 1802.
Unindo uma pequena capela 9 na
margem esquerda do Douro com o cais da Ribeira junto às portas da muralha no
lado do Porto 8.
Junto à ponte do lado do Porto é visível a roda da grua de apoio à ponte e ao cais.
fig. 5
– Pormenor da gravura de L’Évêque com a roda da grua junto ao apoio norte da
ponte.
[1]
Carlos Luiz Ferreira da
Cruz Amarante (1748-1815), engenheiro militar com projectos e intervenções em
Braga (Santuário do Bom Jesus entre 1784 e 1811; fachada da igreja de N.ª Sr.ª
do Pópulo e Hospital de S. Marcos) e na cidade do Porto com o projecto da Ponte
das Barcas 1806; a Igreja de S. José das Taipas (1795-1878); a Igreja da O. T.
da Trindade 1803 e a Academia Real da Marinha e Comércio em 1807 corrigindo um
projecto de 1803 de José da Costa e Silva (1747-1819) entretanto embarcado com
a Coroa para o Brasil.
4 - A grua do cais
Este tipo de grua que desde a antiguidade são utilizadas
para içar grandes pesos, a partir do século XVI, torna-se frequente nos cais
fluviais e marítimos, como se vê no porto de Brest numa pintura de 1774 de Louis
Nicola van Blarenberghe.
Sabemos o autor e a data desta grua.
fig. 8
- Louis-Jean
Montier Deslongchamps (1721-1782), Grande grue
portuaire de Brest XVIIIè siècle. In Recueil de toutes sortes de
machines, d'outils, et d'ustensiles en usages pour la construction et carenne
des vaisseaux, et de tout ce qui a raport à leurs armements dans un arsenal de
marine. Pr[emie]re partie par Deslongchamps l'ainé, lieutenant des vaisseaux du
Roy et du port de Brest en 1763. Plans des hunes, des barres d'hunes, chuquets,
barres de peroquet et autres pièces concernant la construction de la mature des
vaisseaux 1767. Bibliothèque Municipale de Brest, France.1763/67.
[1]
O tenente-coronel Robert Batty (1789 - 1848) foi um ilustrador e topógrafo. Filho de
um cirurgião e também pintor de paisagens. Em 1813, Batty pertenceu ao
regimento Grenadier Guards que combateu na Guerra Peninsular. Publicou em 1829
um conjunto de gravuras do Porto. Ao longo da vida publicou diversos livros
ilustrados das suas viagens na Holanda, 1815; no país de Gales 1823; na
Alemanha 1826 e na Bélgica 1830. Ilustrou O
motim e a Apreensão da H.M.S. Bounty, 1876.
5 – As figuras na Ponte de Barcas
Na gravura de L’Évêque circulam tranquilamente na Ponte de Barcas,
um carregador com um fardo às costas 1, um
soldado junto da prancha da embarcação 2, um
cavaleiro na sua montada 3, um casal com uma
sombrinha 4, uma mula com o respectivo cavaleiro
e outra transportando carga 5, duas personagens
que a meio da ponte trocam impressões observando as embarcações fundeadas 6, e junto ao cais da Ribeira um outro cavaleiro e
mais algumas figuras 7.
6 – O Desastre da Ponte de Barcas
Essa tranquilidade que a imagem da ponte procurava então exibir, não fazia, contudo, esquecer aos portuenses o terrível desastre que na ponte acontecera apenas oito anos antes.
Em 1809, as tropas francesas comandadas por Soult [1] entram por Chaves, e avançam para o Porto e em 29 de Março de 1809, entram no Porto, onde se instala um pânico generalizado.
Uma gravura de Théodore Jung mostra a ocupação da cidade do
Porto pelas tropas de Soult em 29 de Março de 1809 e a retirada das tropas
portuguesas e da população para Gaia.
A estampa é realizada em data posterior (provavelmente nos meados do século XIX) e mostra aspectos da cidade que em 1809 não estavam realizados ou construídos.
Na imagem vê-se a cidade do Porto estendendo-se do morro da
Sé, com o Paço Episcopal inacabado, até ao Seminário.
[O projecto dos arcos no pano da muralha junto ao Douro é de Damião Pereira de Azevedo (17??-18??) de 1806 e 1810. Com os acontecimentos da Guerra Peninsular só em 19 de Julho de 1822, após a Revolução Liberal, é aprovada uma cópia desses desenhos realizada pelo Arquitecto da Cidade, Joaquim da Costa Lima Sampaio (17??-1837).]
O pintor coloca as tropas portuguesas fugindo para Gaia pela
Ponte de Barcas e alguma população atravessando o rio nas embarcações
disponíveis entre as quais um rabelo.
No seguimento desta fuga para Gaia dá-se o desastre da
ponte.
"Pela marcha do inimigo
accelerada.
Não foi (como se quis)
tirada a ponte;
Lá corre o povo aonde
está guardada
Na céga fuga a barca
de Charonte:
Junto ao caes essa
ponte desastrada…
(Que horror!... Como
haverá quem tanto afronte!)
Ella estala ao tomar
gente infinita,
De golpe toda n’esse rio em grita (*)!"
(1) (*) Na ponte das barcas colocada no fim da ladeira que vai para a pensil, havia um taboão a comunicar com o caes, e foi este o que sucumbiu ao pêso do povo. Diziam outros que estava levantado um alçapão que no meio da ponte havia, e que ahi se dera a catatstrophe; mas isto não podia ser, pois no mais forte da corrente não parariam os corpos. (Nota de Mesquita e Mello).
E na estrofe 55.ª
"Victimas sobre
victimas cahindo,
O boqueirão encher tem
feito;
Um vão clamor aterra,
o Ceo ferindo,
Que extinguindo se vai
de peito em peito;
Pia mão inda os
últimos pedindo,
Que os levante
d’aquelle horrível leito,
Lá ficam; e por cima
da carnagem
Da vida o surdo
instincto dá passagem!" [2]
Na Igreja de S. José das Taipas projectada em 1795 por Carlos Amarante existe uma pintura mostrando o desastre da Ponte de Barcas e a Ribeira como de facto existia em 1809.
“Os habitantes da cidade, dementados pelo
pavor, correram á ponte, como estrada de
salvação que a todos primeiro lembrava. Ao chegar junto d'ella, aquillo era uma
massa compacta e apertadíssima, onde
mal se podia respirar—e aquella
massa compacta lançou-se por ella fora
cada vez mais apertada, cada vez mais comprimida e cada vez mais allucinada, voando, não correndo, impellida pelo terror (…) N'aquella meia dúzia de palmos de terra, n'aquella estreita fita de madeira que se
estendia sobre o Douro,
representou-se n'aquelle dia uma scena,
que compendiou em breve resumo tudo quanto a agonia e o pavor tem de mais perfeito, de mais horroroso (…)” [3]
[1] Nicolas
Jean-de-Dieu Soult (1769-1861), general francês que comandou as tropas
napoleónicas na 2ª Invasão Francesa.
[2] António Joaquim de
Mesquita e Mello (1792-1884), O Porto Invadido
e Libertado. Poema em dous cantos 1815 (2ª edição totalmente reformada)
Estrofes 52.ª. e 55.ª. In Collecção de Poesias reimpressas e inéditas de
Antonio Joaquim de Mesquita e Mello. Tomo I adornado com o retrato do auctor Na
Typographia de Sebastião José Pereira, Praça de santa Thereza, 28 a 30. Porto
1860. (pág. 26).
[3] Arnaldo Gama
(1828-1869) em O Sargento-Mor de Villar,
Episódios da Invasão dos Francezes. Porto 1863. (pág. 119 e 120).
7 - As embarcações no Douro na gravura de L’Évêque
E se a gravura mostra ao fundo diversas fragatas ancoradas, no centro da imagem, atracado a jusante da Ponte de Barcas, um Hiate, embarcando pipas de vinho. 11
O hiate, quando tem os seus mastros parallelos,
toma algumas
vezes o nome de palhabote”. [1]
Utilizado no transporte de mercadorias na navegação de cabotagem. Era uma embarcação que pelas suas dimensões e maneabilidade muito adaptada à navegação desde a barra até aos cais do e, por isso, aparece em muitas imagens do Porto ao longo do século XIX e inícios do século XX.
Estas embarcações ainda navegavam no Douro no início do século XX.
Um pouco mais adiante está fundeado um navio idêntico.12
A montante da ponte dois marinheiros num bote atarefam-se junto de uma barcaça munida de uma grua. 13
E na extremidade direita da gravura uma embarcação, de que apenas se vê a popa com um leme de xarolo (ou charolo) manobrado por uns cabos chamados gualdropes, junto da qual um pequeno bote parece carregar (ou descarregar) mais pipas de vinho. 14
[1]
O Navio, Obra Illustrada com 16 figuras, quinto anno – décima
terceira série. Bibliotheca do Povo e das Escolas. David Corazzi, Editor. Rua
da Atalaya 40-52. Lisboa 1885 (pág. 26 ).
8 - O cais de Gaia
O vinho é então um dos principais produtos do comércio e da economia da cidade.
Quando em 1756, o Marquês de Pombal criou, por Alvará Régio,
a Companhia Geral das Vinhas do Alto Douro, “...huma Companhia que,
sustentando a cultura das vinhas, [que]
conserve a produção dellas na sua pureza natural, em benefício da lavoura,
do commercio, e da saúde pública...”, com a qual pretendia não só
desenvolver a produção do Vinho do Porto, como defender a sua qualidade, e
aumentar (aliás com sucesso) a sua exportação tornou o Vinho
do Porto “… sem exageração, a baze do principal comércio desta Cidade; hum
dos maiores, e mais fecundos ramos, que o promove; e a grande alma que o anima,
assim como na indústria, como nos interesses geraes”, como aponta, no final do século, o
Padre Agostinho Rebelo da Costa na sua Descrição
Historica e Topographica da Cidade do Porto. [1]
São muitas as referências poéticas e em prosa ao Vinho do Porto na transição do século XVIII para o XIX. Do poeta arcádio Belmiro Transtagano (Belchior Manuel Curvo Semedo Torres de Sequeira 1766-1838) um elogio ao Vinho do Porto.
“Reverente
Do liquor louro,
Que o pátrio Douro
Por entre frescas pampinosas vicies
Nos racemos crystallinos
para bródios perserva divinos”. [2]
Da esquerda para a direita: Junto à capela de madeira um
carreiro conduz um carro de bois, com um jugo típico da região do Porto, e
tanoeiros constroem e consertam pipas de vinho. Pelo chão uma aduela e
instrumentos dos tanoeiros.
Duas peixeiras de cestos na cabeça dirigem-se na direção da
capela seguidas por uma outra personagem também carregando um cesto envergando
um longo manto.
Ao fundo navega um valboeiro de toldo. 15
[1]
Pe. Agostinho Rebelo da Costa (?-1791), Descripção Topografica, e Historica da
Cidade do Porto (1788). Na Officina de Antonio Alvarez Ribeiro, Porto Anno
de M DCC LXXXIX. (pág. 239).
[2] B.M.C.S.
(Belchior Manuel Curvo Semedo 1766-1838) Dithyrambo.
Ao lllustrissimo e
Excellentissimo Senhor D. Joaô Carlos de Bargança Sousa e Line, Duque de
Lafões. No fausto Nascimento da Sua Excellentissima Filha a Senhora D. Anna
Maria José Domingas Francisca Júlia em 21 de Setembro de 1797.in Composições Poéticas,
oferecidas ao Sereníssimo Regente de Portugal Senhor Dom João, Principe Regente
de Portugal, por BMCS, sócio da Academia Tubuciana entre os Arcades Belmiro
Transtagano. Na Regia Officina Typografica, Porto M DCCC III. (pág. 133 e 134).
9 - O carro de bois
Agostinho Rebello da Costa refere o carro de bois como o principal meio de transporte de mercadorias e salienta o característico chiar desta viatura.
“As fazendas, que
se conduzem por terra, são transportadas para os diferentes Bairros da Cidade,
em carros puxados por bois. Este
género de transporte he taõ frequente, que em todos os dias livres, principalmente
nas terças-feiras e sabbados, se admiraõ as ruas, ainda as mais largas, e
principaes, atulhadas com tal excesso, que muitas vezes se fazem impraticáveis à passagem das seges, liteiras e
cavalgaduras; retrocedendo humas, e parando outras, até acharem huma
aberta, que as encaminhe aos seus destinos. O barulho desta condução naõ he taõ
prejudicial ao Publico, como o que procede das impertinentes, e irritantes
chiadeiras das rodas dos mesmos carros, que por serem muito apertadas nos eixos
formaõ hum som taõ alto, e agudo, que fere os ouvidos com gravíssimo prejuízo
dos enfermos, e pessoas aplicadas ao estudo.” [1]
E Henri L’Évêque desenhou carros de bois num álbum Costume of Portugal [2], publicado em Londres em 1814, onde surgem duas imagens com as respectivas legendas em francês e inglês.
L’Évêque sobre a primeira dessas estampas
descreve o carreiro, com um traje idêntico à gravura de que nos ocupamos, e
que conduz o carro de bois.
“Ao lado caminha descontraído o condutor, as pernas à mostra, os pés calçando uma espécie de chinelo com sola de madeira, e trazendo ao ombro um longo bastão que termina em ferrão.”
[“A côté marche négligemment le conducteur, la jambé nue, les pieds renfermés dans une espèce de pantoufles, dont la semelle est de bois, et portant sur son épaule un long bâton terminé par un aiguillon.” ]
“…as viaturas que se
utilizam, quer para trabalhos rústicos, quer para fins comerciais,
assemelham-se perfeitamente à carroça representada nesta gravura. É muito
pesada e de construção muito grosseira. As rodas são baixas, sólidas e presas
ao eixo de madeira, que gira com elas. Tem atrelada uma junta de bois, cuja
canga, presa aos chifres por uma correia, que conserva, contudo, a liberdade de
se mover no pescoço do animal. As rodas sendo muito estreitas, destroem
rapidamente os caminhos e as pedras do pavimento. O governo tentou mais de uma
vez melhorar a forma destes carros de bois; mas deparou-se com intransponíveis
obstáculos, tanto no apego dos camponeses a seus antigos hábitos, quanto na
natureza das estradas rurais, que dificilmente permitiam o uso de outros
carros. Esses carros de bois são muito antigos. Produzem na marcha um ruído
estridente e desagradável, que lembra a Stridentia
Plaustra de Virgílio, e que os portugueses expressam com uma palavra
bastante imitativa, Chiar.”
[“…les voitures qu'on emploie, soit pour les
travaux rustiques, soit pour les besoins du commerce, ressemblent parfaitement
au charriot représenté dans cette gravure. Il est très-lourd, et d'une
construction fort grossière. Les roues sont basses, pleines et fixées à
l'essieu de bois, qui tourne avec elles. On y attelle deux boeufs, dont le
joug, qui tient aux cornes par une courroye, conserve cependant la liberté de
jouer sur le col de l'animal. Les bandes des roues étant três étroites, ruinent
promptement et les chemins et les pavés. Le gouvernement a tenté plus d'une fois
d'améliorer la forme de ces charriot ; mais il a trouvé des obstacles
insurmontables, et dans l'attachement des paysans à leurs anciens usages, et
dans la nature des chemins ruraux, qui ne permettent guères l'emploi d'autres
voitures. Ces charriots sont de la plus haute antiquité. Ils produisent dans
leur marche un bruit aigu et désagréable, qui rappelle les Stridentia Plaustra de Virgile *, et que les Portugais expriment
par un mot assez imitatif, Chiar.”]
*Nota pessoal - A referência a stridentia plaustra, (carro com ruido estridente) é uma citação do poeta romano Virgílio (Virgílio Publius Vergilius Maro 70 a.C.-19 a.C.), nas Georgicas. III.536:
“Tempore non alio dicunt regionibus illis
Quaesitas ad sacra boves Junonis, et uris
Imparibus ductos alta ad donaria currus.
Ergo aegre rastris terram rimantur, et ipsis
Unguibus infodiunt fruges, montesque per altos
Contenta cervice trahunt stridentia plaustra.”
["A peine on
put trouver deux buffles inégaux.
On vit des
malheureux, pour enfouir les graines,
Sillonner de
leurs mains et déchirer les plaines;
Et, raidissant
leurs bras, humiliant leurs fronts,
Traîner un
char pesant jusqu'au sommet des monts."] [3]
[Só por acaso encontramos dois bois
desiguais.
Vivemos
infelizes, para enterrar as sementes,
Arar com as mãos
e rasgar as planícies;
E enrijecendo os
braços, humilhando as cabeças,
Arrastar um carro rangente até o topo
das montanhas.]
E ainda Henri L'Évêque numa gravura
de 1812 do Mosteiro da Batalha mostra, no primeiro plano, um carro de bois
idêntico.
Repare-se nas diferentes formas que assumem as Cangas e os rodados conforme as regiões e as épocas.
[1]
Padre Agostinho Rebello da Costa, Descripção Topografica e Histórica da Cidade
do Porto que contém…Na Officina de Antonio Alvarez Ribeiro Porto Anno de MDCCLXXXIX
(1789). (pág. 238 e 239).
[2] Henri
L'Évêque, Costume of Portugal, Colnaghi & Co. Londres 1814. Com 50 gravuras e águas-tinta representando
vários costumes portugueses e 53 páginas de texto em inglês e francês
explicativos de cada uma dessas imagens.
[3] Oeuvres de Delille précédées d’une notice de sa vie et ses ouvrages par P.-F. Tissot, Professeur au College de France, et auteur des études sur Virgile. Tome I. Les Georgiques. Édition bilingue. Firne, Libraire éditeur, Qua ides Augustins n.º 3 Paris 1832. (pág.140).Notas - Jacques Delille (1738-1813), poeta traduziu as obras de Virgílio entre as quais as Geógicas em 1770. Publicou em 1783 o poema em 8 cantos Les Jardins ou l’art de embellir les paysages. Traduziu o The Lost Paradise de Milton. Pierre-François Tissot (1768-1854).
10 - O grupo central no cais de Gaia
No cais de Gaia, da esquerda para a direita:
Acostado ao cais, um rabão (não tem apegadas como o rabelo) * é descarregado de pipas de vinho perante o olhar fiscalizador de um capataz de chapéu e casaca. As pipas são conduzidas para os armazéns ou para embarque em navios de exportação.17
[*Nota - “O rabão é
o rabelo, mas tem como nota característica principal a falta das apegadas. A
espadela é mais curva, de molde a poder ser governada do ensaio.
Tem características secundárias, as quais, por sua
vez, identificam quatro tipos de rabões, que se destinam a funções diversas.
Por vezes trocam a vela usada no rabelo, pela vela
do saveiro, mas em duplicado. A estas chamam portas ou azas.
E, quando assim aparecem, têm o nome de barcos de rio abaixo.
No resto é igual ao rabelo.”
tipos de
rabão:
I — Exactamente igual ao rabelo, mas sem apegadas,
falta esta que é a sua característica principal. É usado para o transporte de
carga diversa.
II — Tem a proa igual à do
saveiro e não tem coqueiro; é
empregado no transporte de estrumes.
III — Igual ao tipo N.° I, mas sem coqueiro. Utilizado
no transporte da carqueja.
IV —
Igual ao tipo N.° I, mas com o coqueiro mais baixo. Tem seu emprego no transporte do carvão.” [1] ]
Os homens que
descarregam as pipas trajam como um Poveiro,
ou seja um pescador, que João Baptista Ribeiro (1790-1868), representa num Livro de Estudos de Desenho [2] de
1809.
Duas mulheres
juntam preparam a palha com que fabricam diversos produtos artesanais (cestos,
vestuário, chapéus, embalagens, mobiliário, etc.). 16
O rev. William Morgan Kinsey (1788-1851) [3], no seu Portugal Illustrated Letters, publicado em 1828 também apresenta um conjunto de desenhos dos costumes portugueses, entre os quais um portador de água, uma actividade frequente dos emigrados da Galiza.
[1] Armando Matos (1899-1953), o Barco rabelo, ed. da Junta Provincial
do Douro Litoral, Porto 1940.
[2] João Baptista Ribeiro (1790-1868), Livro de Estudos de
Desenho, 1809. Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto (FBAUP).
[3] O reverendo
William Morgan Kinsey (1788-1851), esteve em Portugal em 1827. A partir do seu
Diário, das cartas que escreveu ao poeta e dramaturgo Thomas Haynes Bayly
(1797-1839) e ainda de outras fontes, escreveu um livro que publicou em 1828
com o título Portugal Illustrated, com gravuras de G. Cooke e J. Skelton. A
segunda edição que utilizamos é de 1829.
11 – O fidalgo e as mulheres de mantilha
Um fidalgo e as duas mulheres “saia preta e mantilha da mesma cor” [1] que o acompanham, observam um grupo de vendedeiras. 18
No referido álbum, L’Évêque insere uma gravura de uma figura feminina, com o seguinte comentário sobre a mantilha: “É um enfeite de seda, ou de outro tecido leve, que as mulheres levam para o passeio, para alguma visita, e principalmente para ir à Igreja. É um grande véu negro, cuja forma, com algumas pequenas diferenças, é semelhante em todas as províncias. A parte deste véu que cobre a cabeça termina em uma ponta muito alongada, que as senhoras usam com grande arte, para esconder, ou para descobrir o rosto, conforme são atraentes, ou para encobrir a sua modéstia.”
[“C'est un ajustement de soie, ou d'une autre
étoffe légère, que prennent les femmes pour aller soit à la promenade, soit en
visites, et surtout à l'Eglise. C'est un très-grand voile noir dont la forme
est la même dans toutes les provinces à quelques légères différences près. La
partie de ce voile qui couvre la tête se termine par une pointe très-allongée
dont les dames se servent avec beaucoup d'art, pour cacher, ou pour découvrir
leur figure, en proportion de leurs attraits, ou de leur modestie.”]
fig. 37
- William Morgan Kinsey (1788-1851). Females as
attired in portuguese towns. in Portugal Illustrated Letters London, 1828.
Segundo Almeida Garrett as damas portuenses em 1817 escondiam-se por detrás dessas mantilhas.
“Enfronhadas á força, á força gebas
Desairosas bonecas!
Arrojae-me no Doiro co'esses trajos,
Portuenses donzellas! — Quem podéra
Pleitear comvosco em formosura e graças
Se quaes sois vos mostrásseis?
Formas que Vénus para si tomara
D'essa mortalha de invenção fradesca
Quem as libertará? Bioco negro
De donde mal vislumbra
Raro lampejo de celeste face
Oh! quem o rasgará?...” [2]
A
mantilha torna-se assunto de polémica literária.
No
Correio do Porto n.º 79 de Quinta feira 28 de Dezembro de 1820 é publicado um
anúncio que informa que se vende por 60 reis o Desterro das Mantilhas em que o
Poeta Gallego com razões bem arrazoadas mostra a necessidade de
desterrar um traje, que esconde a formosura, e gentileza das mulheres bonitas.
A este opúsculo responde António Joaquim de Mesquita e Mello (1792-1884), já aqui referido, com a publicação em 1821 de A Defeza das mantilhas.
Em 1866 Camillo Castello Branco ainda lembra as mantilhas.
Alguma reformada mestra de meninas, ou tia
de janota da rua dos Mercadores, ainda vae á missa d'alva ou Lausperenne com
sua mantilha de sarja.
Ai! eu ainda conheci mulheres formosas de
mantilha.
A graça com que ellas as apanhavam e refegavam
na cintura! Como as nalgas se relevavam redondas debaixo do lapim! E o bamboar
dos cabellos anelados sob o docel negro e arqueado da coca!
E não vae longe isto. Ainda são bellas
muitas das mulheres que eu via mostrarem o pé encruzado de fitas por debaixo da
orla da lustrosa mantilha. Quando ellas tornarem, saiba o século XXI que fui eu
quem, n'esta anarchia de modas francezas, commemorou com saudade a magestosa
veste com que nossas avós se fizeram queridas de seus maridos e d'outros.” [3]
[1]
Pe. Agostinho Rebelo da Costa, Descripção
Topografica, e Historica da Cidade do Porto, Na Officina de Antonio Alvarez
Ribeiro, Porto Anno de M DCC LXXXIX. (Cap. III pág.53).
[2]
Joaõ Mínimo (Almeida Garrett), Lyrica, VII. As Férias a um Amigo. Publicada
pelo auctor do resumo da História da Língua Portugueza do poema Camões, D.
Branca, Adozinda, & C. SUSTENANCE E STRETCH, 14 , PERCY -STREET,
RATHBONE-PLACE .Londres MDCCCXXIX. (pág.41)
[3]
Camillo Castello
Branco, Cavar em Ruínas. 2.ªEdição.
Livrarias de Campos Junior – Editor, Rua Augusta 78 a 80. Lisboa 1866. (pág.51
e 52).
12 – O grupo das vendedeiras
Junto às mulheres de mantilha e ao fidalgo com bengala e chapéu tricórnio, um grupo de vendedeiras, quase todas sentadas, vão-se atarefando nas suas actividades.
No
centro da imagem o grupo de vendedeiras é observado por um “elegante do povo”
como o designa L’Èvêque. 19
“Esta imagem
representa um elegante do povo. Usa um chapéu de três pontas, para se dar um ar
de militar, tem na boca um cigarro e envolve-se num grande casaco de mangas
compridas, que usa em todas as estações.
Já há alguns anos que este casaco deixou de ter um uso generalizado em Lisboa. As pessoas de bom gosto acabaram por o abandonar, para seguir a moda vinda do estrangeiro; mas o povo conserva-o com um apego, que o clima e os preconceitos ajudam a fortalecer. O homem do povo encontra neste casaco um agasalho para a saúde que lhe garante contra os perigos das mudanças bruscas do calor ao frio, frequentes em Lisboa, em todas as estações. Serve, além disso, para sua auto-estima; já que sob este manto ele pode carregar escondidos quer os instrumentos de seu ofício quer as provisões para sua família, que um ridículo preconceito não lhe permite revelar sem se expor e corar perante os seus iguais.”
[“Ce tableau représente un élégant de la
classe du peuple. Il porte un chapeau a trois pointes, pour se donner un air
militaire, tient à la bouche un cigare, et s'enveloppe dans un large manteau à
manches, qu'il porte dans toutes les saisons.
Il y a bien peu d'années que ce manteau a cessé d'être
d'un usage général à Lisbonne. Les gens du bon ton l'ont abandonné, pour suivre
les modes étrangères; mais le peuple le conserve avec un attachement, que la
nature du climat et les préjugés du pays se réunissent pour fortifier. L'homme
du peuple trouve un préservatif pour sa santé dans ce manteau qui le garantit
des passages subits du chaud au froid, aussi communs à Lisbonne, dans toutes
les saisons, qu'ils y sont dangereux. Il y trouve aussi un menagement pour son
amour-propre; puisque sous ce manteau il peut emporter en cachette et les
instrumens de son métier, et des provisions pour sa famille, qu'un préjugé bien
ridicule ne lui permettroit pas de porter à découvert sans l'exposer à rougir
aux yeux de ses égaux.”]
No
álbum de desenhos de 1809 da autoria de João Baptista Ribeiro
(1790-1868), já aqui referido, surge com o n.º 39 uma figura de “padeira de Ovar” com muitas semelhanças
com a figura central do grupo das vendedeiras da gravura de L’Évêque.
13 – O barqueiro
Debruçado sobre o rio um barqueiro vai dando instruções aos
marinheiros de um escaler. 20
Em Costume of Portugal comenta esta gravura de um barqueiro do seguinte modo:
“A gravura, nº 40, mostra um desses barqueiros em seu traje habitual; isto é, pés e pernas nus, a jaqueta negligentemente sobre um dos ombros e a cabeça coberta por um chapéu barato. Vemos, ao fundo, um barco que quer atracar; mas a maré baixa não lhe permite chegar próximo do cais, e o barqueiro salta para a água, transportando ao colo, sucessivamente, os passageiros, sejam eles quem forem, que se encontrem no seu barco, e leva-os com segurança para a margem.”
[“L'estampe, No. 40, représente un de ces
bateliers dans son costume habituel; c'est-à-dire, les pieds et les jambes nus,
la veste négligemment jetée sur une des épaules, et la tête couverte d'un
méchant chapeau. On aperçoit, dans le fond, un bateau qui veut aborder; mais la
basse-marée ne lui permet tant pas d'arriver bord à quai, le batelier se jette
à l'eau, prend successivement, entre ses bras, les passagers, quelsqu'ils
soient, qui se trouvent dans son bateau, et les porte en sûreté jusqu'au rivage”.]
Outras imagens do Porto semelhantes e da mesma época
Da mesma época existem outras imagens, algo semelhantes, que mostram o Porto, visto ao nível do rio, com o atravessamento do Douro pela Ponte das Barcas.
Apresentamos uma água-tinta de Henry Smith datada de 1813 e uma gravura de
publicada em 1829.1 - A gravura
de Henry Smith 1813
Henry Smith (1774-1840) desenha uma água-tinta em 1813, referindo a 2ª Invasão Francesa e os seus protagonistas.
fig. 45 - Henry Smith, Paisagem do Porto, c.1813, água tinta s/ papel. Museu Nacional Soares dos Reis.
Esta água-tinta foi depois reproduzida numa gravura de Edward Orme (1775-1848), dedicada ao Marquês de Wellesley por Robert Daubeny King (?-?), representando a entrada no Porto das tropas anglo-portuguesas comandas por Wellington, atravessando o Rio Douro pela ponte das barcas, em 12 de Maio de 1809.
fig. 46
- Henry Smith, Oporto, with the
Bridge of Boats 1813. To the Most Noble
the Marquis Wellesley K.G., &c. &c. &c. This View of Oporto, upon
its evacuation by MARSHAL SOULT, before MARQUIS WELLINGTON, in the Campaign of
1809, Is, with permission, respectfully dedicated by his LORDSHIP'S most
obedient humble Servant ROBERT DAUBENY KING, Late Lieutenant, Royal Fusileers.
/ Henry Smith Esq.r del.t; M. Dubourg sculp.t. London: Sold July 1 1813, by Edw.d Orme, Bond
St. corner of Brook Str.t., [July 1 1813] Agua-tinta 50,3 x 67,7 cm. British Museum.
A água-tinta de Smith datada do mesmo ano da conhecida Planta Redonda - a primeira carta da cidade - de Georges Balck e significativamente dedicada ao Brigadeiro Nicolau Trant [1] e assinala, na sua dedicatória ao futuro Duque de Wellington, a vitória das tropas anglo portuguesas sobre as tropas napoleónicas.
Mostra as duas colinas nas margens do Douro, encimada a do lado de Gaia pelo convento da Serra do Pilar, e a do lado do Porto com o pano oriental da Muralha.
Ao
fundo e ao centro por cima da ponte das barcas o Seminário.
fig. 47
– Pormenor da gravura com o valboeiro e a capela de N.ª Sr.ª do Ó.
Atracados ao cais da Ribeira um conjunto de sete valboeiros. No Douro navega uma embarcação, com uma cabine e dois tripulantes, transportando passageiros de uma para a outra margem.
fig. 48
– Pormenor da gravura com os valboeiros e a embarcação com cabine.
No Douro, junto ao cais um valboeiro com toldo, com a grande vela latina recolhida numa comprida verga e articulada com o mastro inclinado para a ré. Ao fundo duas fragatas fundeadas no rio.
fig. 49
– Pormenor da gravura com o valboeiro visto pela proa.
No
Douro entre
barcos a remos uma lancha poveira com a vela enfunada e um hiate fundeado junto à margem de Gaia sensivelmente no mesmo sítio da gravura de L’Évêque.
fig. 50 . Pormenor da gravura com o Mosteiro da Serra do Pilar,
as construções na margem de Gaia, a ponte e as embarcações no rio.
fig. 51 – Pormenor da gravura com o hiate ancorado junto à margem sul.
[1] Sir Nicolau Trant (1769 - 1839), General inglês em Portugal durante a Guerra Peninsular. Em 1808, comandou as forças portuguesas que acompanharam Wellesley na sua marcha para o Sul do reino. Tomou parte na batalha do Vimeiro contra as tropas de Junot. Em 1809 é Governador da cidade de Coimbra sendo ele que avançou ao encontro das tropas então comandadas por Soult (Nicolas Jean-de-Dieu Soult 1769-1851) impedindo a passagem do Vouga. Acompanhou Wellesley (Arthur Colley Wellesley 1769-1852 1º Duque de Wellington) e Beresford (William Carr Beresford 1768-1854) na entrada das tropas inglesas no Porto, sendo depois até 1814 encarregado do Governo da cidade, instalado na Quinta das Águas-Férreas, tendo morrido por volta de 1825 no Brasil.
(1747-1806)
fig. 52 - Oporto. From Vila Nova. 1829. Painted by Lieut. Col.e Robert Batty. Engraved by William Miller (1796-1882).
O próprio Robert Batty anota:
“A vista aqui
anexa, obtida da base da Serra, perto da Ponte das Barcas, apresenta-nos a
parte mais antiga da cidade do Porto. O espectador fica assim localizado em
frente do Palácio do Bispo, que juntamente com a Catedral e os edifícios
próximas, ocupam o alto da Colina Central da figura. (...)
fig. 53 – Pormenor da gravura com a imagem da cidade.
Nesta gravura Robert Batty preocupa-se em assinalar a Torre dos Clérigos elemento fundamental da imagem da cidade e da navegação no Douro.
(...)Olhando para a
esquerda, o motivo que mais atrai é a Igreja dos Clérigos; a sua alta Torre
permite ser vista por qualquer embarcação, que se dirija ao Porto, à distância
de 10 léguas e serve de ponto de referência aos barcos que demandam a barra.
Foi construída em
1748 [de facto entre 1753 e 1763] e
é inteiramente de pedra, da mais bela fábrica, e com um carácter artístico de
que os portugueses não contam muitos rivais. As antigas Muralhas da cidade
marginam o rio, e a bela rua que se vê à esquerda, e que vem dar ao cais, é a
rua de São João.
À direita
observa-se uma parte da Ponte das Barcas, por entre uma grande quantidade de
navios e barcos particulares do país, a qual estabelece uma comunicação muito
útil e agradável entre a cidade e Vila Nova. A população do Porto e de Vila
Nova eleva-se a 80 000 almas.” [1]
fig. 54
– Pormenor da gravura com as embarcações no Douro.
Nesta vista, Batty preferiu no rio mostrar as embarcações
sem as velas desfraldadas, mostrando melhor a arquitectura da Ribeira-
fig. 55 - Pormenor da gravura com o hiate em 1º plano.
A gravura merece de Octávio L. Filgueiras o seguinte
comentário:
“…apesar da sensível
melhoria registada na representação do rabelo,
amarrado à praia, cerca dos molhos de arcos de pipas. Quanto aos outros,
os navios de comércio e embarcações de cabotagem (bergantins, brigues, iates), encontram-se documentados sem
rasgos a realçar, não se percebendo até por quê o iate fixado no extremo limite da gravura, à direita, apresenta
uma armação de panos latinos, ao
contrário dos restantes, correctamente aparelhados com velas de carangueja.
Enfim, e no que tange
à praia de Vila Nova, a animação das cenas figuradas
— valboeiros transportando
pessoas e géneros de consumo, pormenores de embarques e descargas,
gente em descanso e à conversa”. [2]
fig. 56
- Pormenor da gravura mostrando o barco
rabelo acostado à margem de Gaia.
[1]
C.M.P., Álbum de Estampas do rio Douro, na
inauguração da Ponte da Arrábida com prólogo do Professor Doutor Damião
Peres, selecção e comentários de Monteiro de Andrade e António Cruz, ordenação
gráfica da capa e do texto de Carlos Carneiro. Litografia Nacional do Porto
1963.
Reedição 1983.
[2]
Octávio Lixa Felgueiras
(1922-1996), Algumas
Cenas e Cenários Ribeirinhos de Vila Nova de Gaia em Gravuras dos Séculos XVII
a XIX. Gabinete de História e Arqueologia de Vila
Nova de Gaia 1984.
1) Frequentemente não nos apercebemos que aquilo que, por vezes, achamos inerentes a outras culturas, que aliás muitas vezes consideramos atrasadas em relação a nós; na verdade também já fez parte, sobre outra forma mas de igual efeito, da nossa própria cultura. Falo das mantilhas, que não posso deixar de comparar com a vestimenta e o véu das mulheres islâmicas que, por sua iniciativa ou forçadas, o usam.
ResponderEliminar2) O que torna uma destas gravuras ainda mais preciosa, é o podermos ver a única(?) representação da pequena capela erguida no século XVIII por cima da porta da Ribeira. Ainda que não se trate de uma representação "fotográfica", não a podemos deixar de a considerar, até mesmo porque aparenta algum realismo.
3) Não tendo a certeza, creio que o pequeno edifício de tabuado que se encontra ao início da ponte das Barcas, do lado de Gaia, não será uma capela mas sim a casa da portagem (falta saber a função do sino).
Um abraço,
Nuno V. Cruz
caro Nuno Cruz
EliminarObrigado pelo comentário. Não tenho, também, qualquer certeza mas parece pertinente a sua dúvida quanto à pequena construção com um sino à entrada da Ponte de Barcas (ou das barcas). Poderá de facto ser uma portagem e o sino para assinalar e controlar o trafego na ponte, já que oito anos antes (a crer na data da publicação da gravura) se deu o trágico desastre. um abraço
Sir Nicolau Trant (1769 - 1839) acima mencionado de fato faleceu na Inglaterra em 1839. Apesar de ter premiado um terreno de "dez milhas quadradas" no Brasil, ele nunca viajou para lá.
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