Memórias
Caspar David Friedrich (1774-1840), On the Sailing Boat,1818-20. Óleo sobre tela, 71 × 56 cm. The State Hermitage Museum, St Petersburg.
“No barco sem ninguém, anónimo
e vazio,
ficámos nós os dois, parados, de mão dada...
Como podem só os dois governar um navio?
Melhor é desistir e não fazermos nada!
Sem um gesto sequer, de súbito esculpidos,
tornamo-nos reais, e de maneira, à proa...
Que figuras de lenda! Olhos vagos, perdidos...
Por entre nossas mãos, o verde mar se escoa...
Aparentes senhores de um barco abandonado,
nós olhamos, sem ver, a longínqua miragem...
Aonde iremos ter?- Com frutos e pecado,
se justifica, enflora, a secreta viagem!
Agora sei que és tu quem me fora indicada.
O resto passa, passa...alheio aos meus sentidos.
- Desfeitos num rochedo ou salvos na enseada,
a eternidade é nossa, em madeira esculpidos!”
David Mourão Ferreira (1927-1996), A Secreta Viagem (1950), in Obra Poética, Editorial Presença,
5ª ed., 2006. (pág. 44).
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