sábado, 15 de junho de 2024

Imagens da cidade do Porto há cem anos 4

 



fig. 1 – José Oliveira Ferreira e Francisco Oliveira Ferreira. Monumento aos Mortos da Grande Guerra 1920/1924. Armando Aurélio Ferreira Couto (1901-1997), fotografia 18 x 24 cm. 192?. Arquivo Armando Couto. AHMP.

Em 11 de Novembro, data da comemoração do Armistício, é inaugurado em 1924, na Praça Carlos Alberto, o Monumento aos Mortos da Grande Guerra, da autoria dos irmãos Oliveira Ferreira (o escultor José de Oliveira Ferreira (1883-1942) e o arquitecto Francisco de Oliveira Ferreira (1884-1957). (fig.1 e 2)

 Os Monumentos aos Mortos da Grande Guerra foram promovidos “pela Junta Patriótica do Norte a quem, durante a guerra, foi confiada no Norte a propaganda patriótica de protecção moral aos soldados e a seus filhos e posteriormente a consagração condigna da memória dos mortos.” [1]

 A cerimónia foi presidida pelo Presidente da República (de Outubro de 1923 a Dezembro de 1925) Manuel Teixeira Gomes (1860-1941) e pelo Presidente da Junta Patriótica do Norte, Alberto Pereira Pinto de Aguiar (1868-1948).

Por este foi “dada posse material e moral à Câmara Municipal” [2] a qual estava representada pelo seu Presidente (entre Outubro de 1921 e Dezembro de 1925), António Joaquim de Sousa Júnior (1871-1938).



fig. 
2 – Porto 1924. Monumento ao Soldado na Praça Carlos Alberto. Centro Português de Fotografia PT-CPF-APR-001-001-007325.


[1] Auto de inauguração e entrega à Câmara Municipal do Porto do Monumento do Porto aos Mortos da Grande Guerra de 11 de Novembro de 1924. AHMP.

[2] Idem.


A “pedra fundamental” fora colocada em 24 de Agosto de 1920, no centenário da revolução liberal de 1820, na presença do então Presidente da República (entre 1919 e 1923) António José de Almeida (1866-1929), do Presidente da Comissão (Administrativa) Câmara Municipal (entre 1919 e 1920), José Gonçalves Barbosa de Castro Júnior (1858-1920), dos representantes da Junta Patriótica do Norte e de outras personalidades. [1]

Concebido ainda nos anos da guerra, apresentava a figura de um soldado trajando à romana, inspirada na estátua do “Porto”, do escultor João Joaquim Alves de Sousa Alão (1777-1837) [2], que encimava o edifício dos Paços do Concelho na Praça da Liberdade.


Com a demolição do edifício em 1916 para a abertura da Avenida dos Aliados, a estátua foi transferida para junto do Paço Episcopal onde a Câmara se instalou até à inauguração do novo edifício ao cimo da Avenida em 1957. (fig. 3 e 4).


fig. 3 - Foto do Paço Episcopal onde se encontrava instalada a CMP. 1935. AHMP.





fig. 4 – Foto do “Porto” junto ao Paço Episcopal onde se encontrava instalada a CMP. AHMP.

[1] Como consta da Cópia do Auto Comemorativo da Colocação da Pedra Fundamental dp Monumento aos Mortos da Grande Guerra, pertencentes ao Concelho do Porto 24 de Agosto de 1920. AHMP.

[2] Para saber mais consultar Susana Moncóvio  O Escultor João Joaquim Alves de Sousa Alão (1777- 1837); Contributos para a sua Biografia. In Boletim de 2019, 4ª série n.º 4 da Associação Cultural Os Amigos do Porto. Porto Dezembro 2019.


O monumento dos irmãos Oliveira Ferreira apresenta ainda um padrão que, constituindo inicialmente uma afirmação da soberania, se tornou também símbolo de nacionalidade, procurando homenagear assim os soldados portugueses mortos no conflito de 1914/18.

O padrão, curiosamente, será recuperado pelo Estado Novo como critério para a reclassificação dos projectos para o Concurso de Sagres. (Veja-se o projecto de Carlos Ramos polemicamente classificado em 1º lugar em detrimento do projecto dos irmãos Rebello de Andrade.) [1]

 Logo após a inauguração, o monumento foi vivamente criticado nos jornais e revistas da época e alvo de chacota pela população que o apelidou de “Portorrão”. [2]

Alberto Aguiar da Junta Patriótica do Norte reconhece mais tarde que

“Não agradou na sua concepção e proporções, embora tivesse a sanção muda do público, perante o qual foi largamente exposta a sua maquette, e saísse incólume das repartições camarárias por onde transitou o seu projecto, sem o que não poderia ser construído.” [3]

 



[1] A classificação do 1º concurso suscitou polémica entre os concorrentes, que elaboraram um documento dirigido a Salazar, intitulado “Representação a sua Excelência o Presidente do Ministério doutor António de Oliveira Salazar para que seja construído em Sagres o monumento digno dos Descobrimentos e do Infante”, mais conhecido como a “Representação de 35”, onde se defendia um “estilo português de arquitectura moderna” e à semelhança do “Fascio” que, como vimos, na Itália de Mussolini se tornava o elemento base da arquitectura, os signatários da Representação 35, pretendem que o “Padrão”, seja o elemento e o motivo fundador da moderna arquitectura portuguesa.

[2] José Guilherme Ribeiro Pinto de Abreu. A escultura no espaço público do Porto no século XX: Inventário, História e Perspectivas de Interpretação. Porto: Faculdade de Letras da Universidade do Porto, 1996.

[3] Alberto de Aguiar (1868-1948). Junta Patriótica do Norte: 15 anos de Benemerência 1916-1931. Relato geral da sua obra e da Casa dos Filhos dos Soldados. Empresa Industrial Gráfica do Pôrto, L.da,  Porto 1932.


De facto os traumas da guerra puseram em crise todo um conjunto de valores e convenções, em que até então se tinha vivido, propiciando a transformação das mentalidades e do gosto.

Com a guerra e com o avanço das ideias sociais nasce uma estilística nova, em que a produção de objectos se desinteressa da estética da forma, e procura a eficácia técnica e a reprodutibilidade, de uma forma de tal modo imperativa, que se irá constituir em linguagem ou se se quizer em estilo, que se denominará Art-Déco. 

No pós-guerra português inicia-se a generalização do uso da electricidade, são criadas novas redes de infraestruturas urbanas, aumenta o uso do automóvel e dos transportes motorizados e sobretudo aumenta a difusão da informação pelos meios de comunicação como a fotografia, a rádio e o cinema.

Cria-se assim um novo gosto difundido pelas artes gráficas em publicações e cartazes - ainda o principal meio de comunicação visual - procurando com o avanço das técnicas de impressão e da fotografia, um grafismo e um conteúdo explicitamente moderno, com capas e ilustrações de diversos artistas plásticos, dessa nova geração nascida com o século XX.

 Por isso, logo em Janeiro de 1925 a Câmara Municipal acaba por decidir mandar demolir o monumento, sendo aberto um concurso para, no mesmo local, erigir um novo Monumento aos Mortos da Grande Guerra.

 Em 1927 é iniciado o actual Monumento da autoria do escultor Henrique Moreira (1890-1979) e do arquitecto Manoel Marques (1890-1956).

Desta cerimónia é lavrado um Auto Comemorativo ilustrado por uma imagem realista de um soldado que “jaz morto e apodrece” [1] coberto pela bandeira nacional. (fig.5)

fig. 5 - Enio Machado (?- 19?), ilustração no Auto Comemorativo da colocação da Pedra Fudamental do Monumento aos Mortos da Grande Guerra.11 Novembro de 1927. AHMP.


[1] Como no conhecido poema O Menino de sua Mãe de Fernando Pessoa aliás sensivelmente da mesma época. In Fernando Pessoa. Obra Poética. Companhia Aguilar Editôra. Rio de Janeiro 1965. (pág. 146).


O novo Monumento será inaugurado em 1928 comemorando a data da batalha de La Lys: 9 de Abril de 1918. (fig. 6 e 7).



fig. 6 – Henrique Moreira (1890-1979) e Manuel Marques (1890-1956) Monumento aos Mortos da Grande Guerra 1927/28.

 

Correspondendo a esse novo gosto que então se vai difundindo no Porto o pedestal “Art-Dèco” de Manoel Marques é constituído por um padrão estilizado com os escudos de Portugal e encimado pela Cruz de Cristo.

Composição elaborada com a utilização de formas geométricas, formas como o cubos, e paralelepípedos, acentuando e combinando as linhas rectas horizontais e verticais.

A figura do soldado representada de uma forma contemporânea com a grande Guerra, tendo aos pés balas e flores e uma coroa de flores em bronze.

Quando o monumento tinha ganhado um significado mais abrangente, como homenagem aos que em diversos conflitos armados deram a vida pela Pátria, a Porto 2001 elaborou um projecto alterando a morfologia da praça, que não foi realizado.

Na mesma ocasião a construção do parque subterrâneo obrigou à retirada do Monumento  tendo alguns dos motivos sido retirados e acabado por se perderem.

Na então possível recuperação da praça Carlos Alberto manteve-se o desenho do pavimento que procura dirigir visualmente para o monumento, organizando todo o espaço da praça.


fig. 7 – A Praça de Carlos Alberto na inauguração do Monumento aos Mortos da Grande Guerra em 1928.

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