terça-feira, 30 de julho de 2024

Imagens da cidade do Porto há cem anos 5 (continuação)

 

Ainda o cartaz da Singer em outras duas fotografias de Alvão

 Domingos Alvão instalou a sua Casa de Fotografia fundada no dia 2 de Janeiro de 1902 na rua de Santa Catarina n.º 120, junto ao estabelecimento de Artigos de Viagem de José Alvares.

 Dessa Casa de Fotografia foram por Alvão realizadas duas fotografias quase simultâneas mostrando a esquina da rua de Santa Catarina com a rua Passos Manuel.



fig. 1 - Domingos Alvão (1872-1946).  Foto 19 Cruzamento Santa Catarina com Passos Manuel.in Fotografia Alvão. Clichés do Porto 1902-2002. Texto de Alice Castro. Edição Fotografia Alvão Porto 2002.








fig. 2 – Domingos Alvão (1872-1946). Foto 58 Rua Santa Catarina in A Cidade do Porto na Obra do Fotografo Alvão 1872-1946. Textos de Fernando Távora e Joaquim Vieira. Edição da Fotografia Alvão Porto 1984.


Estes dois clichês, como se dizia na época - aparentemente idênticos - são tirados em dois sucessivos momentos.

Repare-se nas diferentes pessoas que circulam em cada uma das fotos e nas diversas sombras.

Se observarmos a sombra dos postes de electricidade, que aqui funcionam como ponteiros de um relógio de sol, podemos constatar que foram tiradas a meio de uma solarenga tarde, primeiro a foto da fig.1 e pouco depois a foto da fig.2.

Ambas aparecem por vezes datadas de 1913, mas, pelos cartazes afixados na empena da rua Passos Manuel, penso que terão sido realizadas entre 1918 e 1921, já que ainda não existe o “Café Magestic” (então assim escrito na fachada) que será inaugurado em Dezembro de 1922.

 

As fotografias de Alvão podem ter sido destinadas a conservar uma imagem do local antes das remodelações que os edifícios do gaveto sofreram no início da década de 20.


O Magestic ou Majestic

Sabemos que foi em 15 de Agosto de 1921 que a firma Royal Café L.da situada na rua de Santa Catarina 114 apresentou à CMP um projecto no sentido de reformar a frente do seu estabelecimento.

A nova e elegante fachada do que virá a ser o Café Magestic foi aprovada em Setembro de 1921.




fig. 3 – O projecto para a fachada do Royal Café que se tornará Magestic. Arquivo Histórico Municipal do Porto. AHMP.

 

Em reportagem a “Illustração Portuguesa” de 1923 com fotografias e um texto assinado por André de Moura (?-?) datado de Fevereiro de 1923 nele se refere:

“Com este critério acaba de dar se entre nós o exemplo do que deve ser um café. Trata-se do novo estabelecimento desta classe, que vem de inaugurar-se num dos grandes pontos centrais do Porto, à entrada da rua de Santa Catarina. E' um dos mals nobremente suntuosos que conhecemos, pelo que se justifica bem o sou titulo: Magestlc.”

E continua o articulista “Tem um salão grandioso de cubagem e beleza decorativa e um serviço em que se revela uma distinção e uma urbanidade incomparáveis.




fig. 4“O Exemplo Portuense” in Ilustração Portugesa n.º n.º 890 de 10 de Março de 1923. (pág. 34).

 

Uma posterior fotografia da Casa Alvão, com a nova fachada, do final dos anos 20 ou do princípio da década seguinte, mostra já o Magestic.


fig. 5 – Foto Alvão. A Casa Alvão entre o stand da Fiat e o Café Majestic. Foto 20 Rua de Santa Catarina in Fotografia Alvão Clichés do Porto 1902-2002 Texto de Alice Castro. Ed. Fotografia Alvão Porto 2002.  

 

No 2.º piso do edifício da Casa Alvão estava instalado o estabelecimento Pinheiro da Rocha, fundado em 1920, e que pertencia a Manuel Pinheiro da Rocha (1893-1973), um conhecido e procurado alfaiate, também ele um competente fotógrafo.




fig. 6 – Pormenor da fotografía de Alvão anterior com a placa indicativa de “Pinheiro da Rocha”.

 

A parede da rua Passos Manuel





fig. 7 – Pormenor das fotos de Alvão com o painel de cartazes na rua de Passos Manuel.

 

O cartaz da Singer surge entre outros no painel voltado para a rua Passos Manuel.

Para além da publicidade da SINGER (com o n.º 3) surge na empena um conjunto de publicidades que numeramos.



fig. 8 – Pormenor da empena do edifício de esquina entre  a rua Sá da Bandeira e a rua Passos Manuel.



Os Anúncios e Cartazes

Com o n.º 1, um anúncio “O Melhor Café é o d’A Brazileira 

A Brazileira foi fundada no Porto por Adriano Soares Telles do Vale (1859-1932) e inaugurada na segunda-feira dia 4 de Maio de1903 na rua Sá da Bandeira n.º 71.

 



fig. 9 – A Brazileira no n.º 71 da rua de Sá da Bandeira.

 

Com um grande sentido de publicidade o fundador espalha pelos edifícios da cidade o slogan “O Melhor Café é o d’A Brazileira

Em 1905 com a abertura de A Brazileira no Chiado (António Ribeiro Chiado 1520-1591) em Lisboa, o slogan passa a ser ilustrado pela sorridente figura de um velhote saboreando uma chávena de café em cartazes e anúncios. Num outro gesto publicitário de grande sucesso, afirmava-se que “todo o comprador tem direito a tomar uma chávena de café gratuitamente.”


fig. 10  – Anuncio de A Brazileira na revista Tiro e Sport n.º 320 de 15 de Dezembro de 1905 (pág. 13).

 

Os cartazes dos anos 20 de A Brasileira (já com “s”) do Porto e de Lisboa, tendo escrito na chávena respectivamente “Porto” e “Chiado”. No do Porto “Vende-se aqui” e no de Lisboa “Chiado Lisboa”.

 


fig. 11 - Cartaz “O melhor café é o d’A Brasileira”. Escrito na chávena respectivamente “Porto e Chiado” Anos 20.


Com o n.º 2, um anúncio ao “Jardim Passos Manoel”

 

O Jornal “O Comércio do Porto” de 28 de Janeiro de 1908 dá notícia que “N’um vasto terreno da rua de Passos Manuel está sendo construído um amphiteatro (…) Ao centro do amphiteatro ficará uma fonte luminosa, encimada por elegante torre, d’onde um holophote, collocado n’uma altura de 12 metros acima do sólo, projectará luz a grande distancia. Por debaixo d’essa fonte será formado um pequeno lago. A galeria do lado esquerdo dá entrada para o jardim e a do lado direito também para aquelle recinto e para um grande salão...”

 

 


fig. 12 - Programação do Jardim Passos Manuel no jornal A Montanha,1 de novembro de 1916 © Biblioteca Pública Municipal do Porto

 

Será o Jardim Passos Manoel (na grafia da época), situado mais acima da rua, inaugurado em 17 de Março de 1908 e renovado em 1911. (Em 1928 será demolido para em 1938 dar lugar ao Coliseu do Porto inaugurado em 1941).

O cartaz com moldura apresenta uma imagem muito ao gosto da esquina dos séculos 19 e 20, com uma figura feminina sentada, olhando para a sua imagem reflectida no espelho redondo. A seus pés o medalhão do Jardim Passos Manuel.

(Para saber mais sobre o Jardim Passos Manuel consultar Liliana Isabel Sampaio Fortuna Duarte “Paraíso no Porto: O Jardim Passos Manuel 1908-1938”. Dissertação de Mestrado em História da Arte Portuguesa, FLUP Porto 2017.)

 

 

Com o n.º 3, o cartaz Machinas de Costura Singer” referido neste blogue em “A rua Sá da Bandeira numa foto de Alvão de cerca de 1924.”

 

Com o n.º 4, dois cartazes Vinho Verde GATÃO da S. V. Borges & Irmão, SARL Vila Nova de Gaia. Portugal.”

A sociedade dos Vinhos Borges foi fundada em 1884, e no início do século XX para publicitar o seu Vinho Verde Gatão, nome da localidade de Amarante de onde provinham inicialmente as uvas com que se produzia o vinho (também conhecida por aí se situar a Casa de Pascoaes do poeta Teixeira de Pascoaes (Joaquim Pereira Teixeira de Vasconcelos 1877-1952), passou a utilizar em rótulos e cartazes, uma imagem do Gato das Botas.



fig. 13 - Cartaz e Rótulo “Vinho Verde Gatão da S. V. Borges & Irmão. SARL. Vila Nova de Gaia Portugal”.

 

O Gato das Botas (“Le Chat Botté”) é um conto de Charles Perrault (1628-1703) de “Les contes de ma mère l'Oye”, publicado em 1697.

A imagem do Gato das Botas tornou-se independente do conto, e a figura do gato em Mosqueteiro nasceu com Gustavo Doré (1832-1883).


fig. 14 – Gustav Doré (1832-1883). Ilustração para o libro de Charles Perrault. Les contes de Perrault / dessins par Gustave Doré; préface par P.-J. Stahl(1814-1886). Ed.  J. Hetzel. Paris1862. Bibliothèque nationale de France.



Com o n.º 5 dois anúncios referem a peça de teatro “O Senhor Roubado” de Vitório Trindade Chagas Roquette (1875-1940).

O primeiro cartaz de difícil leitura na foto de Alvão parece referir-se à apresentação da peça no Porto no Teatro Carlos Alberto (inaugurado em Outubro de 1897). Consegue-se perceber “Senhor Roubado” pela companhia Maria Mattos com José Almeida.

A peça em 3 actos “O Senhor Roubado” estreou em 19 de Fevereiro de 1916 no “Theatro do Gymnasio” de Lisboa.pela Companhia Maria Mattos (1886-1952) / Francisco Mendonça de Carvalho (1882-1953) e com o popular actor José d’Almeida e Cardoso (1861-1917).


Curiosamente por esta altura, na publicidade do pano de boca do teatro, figura na parte inferior um cartaz da SINGER idêntico ao que referimos anteriormente indicando as sucursais de Lisboa.

 


fig. 15 – Teatro do Ginásio. Pano de boca de cena publicitário in Restos de Colecção 21 de Junho de 2013 https://restosdecoleccao.blogspot.com/2013/06/teatro-do-ginasio.html

 

A estreia da peça teve larga repercussão nos jornais da época.

No jornal A Capital de Sexta feira 18 de Fevereiro 1916, com um retrato do autor, na rubrica Peças Novas é assinalada a estreia no Gymnasio no dia seguinte sob o título “A “première” d’amanhã no Gymnasio – O que Chagas Roquette nos diz do “Senhor Roubado”.

E nessa entrevista Chagas Roquette afirma:


“A peça que amanhã sobe à scena no theatro do Gymnasio foi escripta expressamente e por amavel convite dos empresários, os distinctos e sympathicos artistas Maria Mattos e Mendonça de Carvalho”.



fig. 16 - A Capital de Sexta-feira 18 de Fevereiro 1916.

 

O Século de Sexta Feira 18 de Fevereiro de 1916 na rubrica “Entre Bastidores”, também anuncia a estreia da peça com uma foto do autor.

 


fig. 17"  -  O Século de 18 de Fevereiro de 1916.

 

“O Senhor Roubado” é o título da comedia em três atos, original de Chagas Roquete, que sobe à cena no teatro do Ginásio amanhã, em quinta recita de assinatura. Ensaiada por Maria Matos, a ilustre atriz, é fácil agourar-lhe um grande sucesso, dada a meticulosidade que a empresa se esmera sempre em pôr em cena e a circumstancia dos papeis mais cómicos terem sido entregues aos artistas de maior nomeada. De resto, “O Senhor Roubado” é uma “charge” engraçadíssima a uma sociedade falsa e artificiosa, que o autor nos mostrará com todos os seus ridículos.”

 

Na "Alma Nova revista mensal ilustrada" de Abril de 1916 na rubrica “Teatros – a chronica do mez que passou” e assinada por Sacadura Cabral lê-se:

“Chagas Roquete, que, já na presente epoca vira representada uma sua peça no nosso teatro Nacional, levou à scena, no Ginasio, um outro original que foi acolhido pelo publico com o mesmo agrado da sua anterior produção. (…)

(…) Pelo menos conseguiu fazer caricatura no “Sr. Roubado”, sem cair no desconchavo ou no borrão com que pretendeu na D. Perpetua que Deus haja” ridicularizar os poetas futuristas n'uma •charge• infeliz e deslocada. (…) 0 seu desempenho foi magnifico: Maria Matos, Mendonça de Carvalho, Jose d'Almeida e Cardozo todos excelentemente.

(…) Rimos e aplaudimos, e que saibamos outra coisa também não tem feito o publico, de ha sessenta e tantas noites a esta parte ...” (Alma Nova revista mensal ilustrada n.º 4 de Abril de 1916 vol. I ano II. pág. 64.)

 

E até a "Construcção Moderna" assinala “O Senhor Roubado” em cena no Ginásio  entre os espectáculos das diversas salas de Lisboa.

 

 E sabemos que em 6 de Junho de 1916 a Companhia do Ginásio de Lisboa representou a peça Senhor Roubado no Teatro Aveirense.

 


fig. 18 - Pormenor de página de 0002 Programas do teatro Aveirense (1916-1940) Arquivo Câmara Municipal de Aveiro.

 

 

Quanto ao segundo cartaz é o anúncio da edição da peça em 1920 com uma reprodução da sua capa.



fig. 19 - Chagas Roquette (V.) O Senhor Roubado Peça em três actos. Guimarães & C.ª - Editôres. Lisboa. 1920. 

 

De facto, a Ilustração Portuguesa n.º 752 de 19 de Julho de 1920, na sua página 15, refere a sua publicação como “O Livro do Dia” com fotografias do autor Chagas Roquette e da Capa do Livro.

No texto: “Agora saiu “O Senhor Roubado”. O que a comédia é, toda a gente sabe, já clássica como é, no repertório alegre dos nossos palcos.”

 

 


fig. 20
– Ilustração Portuguesa n.º 752 19 de Julho de 1920 (pág. 15).

 

 

Com o n.º 6 o conhecido cartaz do “Porto Ramos Pinto”


Uma versão do mais difundido cartaz da Casa Ramos Pinto da autoria de René Vincent (1879-1936) produzido por volta de 1920.

 


fig. 21 – René Vincent (1879-1936). Cartaz “Porto Ramos-Pinto” c. 1920

 

 

O cartaz mostra um casal em “tête-a-tête” com um Eros (Cupido) erguendo um cálice de vinho do Porto. Ao contrário do que era frequente na época não utiliza (explora) exclusivamente a imagem feminina para promover e publicitar o produto.

 

 


Com o n.º 7 o cartaz que pela mancha visível me parece ser do Borotalco Ausonia, um produto de origem espanhola para bebés.




fig. 22 – Cartaz español “Borotalco Ausonia”.

 

 

Com o n.º 8 – Um cartaz (ainda) não identificado. Talvez da Real Vinícola, com uma descontraída figura feminina numa pose em diagonal, dinâmica alegre e festiva, tendo na mão esquerda uma garrafa. Poderá ser um cartaz da autoria ou inspirado em Leonetto Cappiello (1875-1942) que desenhou alguns cartazes para a Real Vinícola.

Finalmente com o n.º 9 o cartaz PRECIOSA de c. 1917 para a Companhia de Pedras Salgadas, assinado por Mirko (?) da Empreza Téchnica Publicitária (ETP) fundada em 1914 por Raul de Caldevilla (1877-1851).

No cartaz ergue-se uma figura masculina, trajando um capote vermelho e boina basca, por entre garrafas da água, com os dizeres “Perfeito tipo de água de meza. (Nova Nascente). Propriedade da Companhia de Pedras Salgadas. Deposito Central-Cancella Velha. 29 Porto.”

 


fig. 23 - ETP, Mirko.  , Preciosa: perfeito tipo de água de meza: propriedade da Companhia de Pedras Salgadas 1917.  Cartaz 145 x 92 cm. Raul Caldevilla & C.ia. Rua 31 de Janeiro 165 Porto.

 Por tudo isto creio que estas fotos de Alvão (fig.1 e fig. 2) serão, não de 1913 como por vezes aparecem datadas, mas posteriores entre 1918 e 1921.

 

 

 

 



 

 

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