À janela…”espero e temo, quero e aborreço…” [1]
1 - Henri
de Braekeleer pinta uma
jovem que um “interesse enganoso, amor fingido, / Fizeram desditosa
a fermosura.” [2]
fig. 1 - Henri de Braekeleer (1840-1888), The Teniersplaats Antwerp 1878, óleo s/tela 82 x 65 cm. Koninklijk Museum voor Schone Kunsten Antwerpen.
O tédio, o ennui, o spleen, que se advinha nas personagens femininas, que olham a janela, é retratado no soneto de Jules Laforgue.
“Tudo hoje me aborrece.
Corro a minha cortina,
No alto o céu cinzento raiado de uma chuva eterna,
Em baixo a rua onde em uma névoa de fuligem
sombras entre as poças de água vão na neblina.
Escavando o meu velho
cérebro eu olho sem ver,
E mecanicamente no vidro manchado
faço com a ponta do dedo uma caligrafia,
Bah! Saiamos, talvez algo de novo possa haver.
Nenhum livro novo
surgiu. Ninguém passa só animais,
Fiacres, muita lama e aquela chuva de sempre ...
E a noite, o gás e eu regresso com passos pesados demais...
Eu como e bocejo, e
leio, nada me enaltece ...
Bah! Vou-me deitar. - Meia noite. Uma hora. Ah! Todos dormem!
Só, eu não consigo dormir e cada vez mais tudo me aborrece.” [4]
2 - O pintor dinamarquês Carl Vilhelm Holsøe parece ilustrar este estado de espírito.
Numa pintura com tons claros e luminosos,
parece sublinhar a esperança com que a jovem sentada parece fixar o reflexo da
janela, talvez duvidando se vale a pena esta longa espera à qual a janela, impassível, nunca responde ou só responde com com esse equívoco e misterioso pedaço de luz.
fig. 2 - Carl Holsøe (1863–1935), Kvinde ved vindue, (Esperando à janela) s/d, óleo s/tela 73,7 x 68,5 cm. Col. particular.
A pintura de Holsøe caracteriza-se por retratar elegantes interiores, onde uma única figura feminina, nunca mostrando o rosto, provoca uma sensação de tristeza e abandono. Ela é geralmente retratada em austeras salas, pouco mobiliadas, onde a justaposição cuidadosa dos objetos, o uso de tons e cores harmoniosas, e, sobretudo, a inclinação da luz suave, cria ambientes, ao mesmo tempo tranquilos e enigmáticos.
3 - O pintor austríaco Carl
Probst, também pinta uma figura feminina sentada junto a uma janela, com a
cabeça apoiada no braço direito, e um olhar vazio.
A janela onde nada se vê do
exterior, deixa apenas entrar luz suficiente para iluminar o compartimento carregado
de significantes objectos.
fig. 3- Carl Probst (1854-1924). “Anfangs wollt ich fast verzagen,/ Und ich glaubt’ ich trüg’ es nie… 1885, óleo s/madeira 61 x 33 cm. Col. particular.
O pintor intitulou o quadro com os versos de um poema do poeta romântico Heinrich Heine do livro “Buch der Lieder” de 1827, o livro que, significativamente, ela tem pousado sobre os joelhos e que a faz recordar o seu abandono por alguém amado.
O poema de Heine que dá o título ao quadro diz:
“…Eu me desesperei de início, declarando
O que nunca poderia suportar; e agora,
agora suporto, ainda desesperando.
Só nunca me perguntem como!” [5]
fig. 4 – Pormenor de Anfangs wollt ich fast verzagen.
Esta
desesperada resignação da mulher, é ainda indiciada,
quer pelo pequeno cofre onde repousam cartas, quer pelo emoldurado retrato,
ambos colocados sobre a mesa.
[1] Luís de
Camões, Soneto CXXX, in Obras de Luís de Camões, Lello & Irmão Editores,
144, Rua das Carmelitas, Porto 1970. (pág. 69).
[2] Luís de
Camões, Soneto XL, in Obras de Luís de Camões, Lello & Irmão Editores, 144,
Rua das Carmelitas, Porto 1970. (pág.23).
[3]
Florbela Espanca (1894-1930), À Janela de
Garcia de Resende, de Reliquiae
versos póstumos publicados com Charneca
em Flor in Sonetos Completos, Livraria Gonçalves, Rua Sá de Miranda, 60,
Coimbra MCMXXXIV. (pág.146).
[4] Jules Laforgue, Spleen, 7 novembre 1880 in Les Complaintes et les premiers poèmes, Gallimard, Paris,1979. (pág.248).
[Tout
m'ennuie aujourd'hui. J'écarte mon rideau,
En
haut ciel gris rayé d'une éternelle pluie,
En
bas la rue où dans une brume de suie
Des ombres vont, glissant parmi les flaques d'eau.
Je
regarde sans voir fouillant mon vieux cerveau,
Et
machinalement sur la vitre ternie
Je
fais du bout du doigt de la calligraphie.
Bah ! Sortons, je verrai peut-être du nouveau.
Pas
de livres parus. Passants bêtes. Personne.
Des
fiacres, de la boue, et l'averse toujours...
Puis le soir et le gaz et je rentre à pas lourds...
Je mange, et baille, et lis, rien ne me passionne...
Bah ! Couchons-nous. - Minuit. Une heure.
Ah ! Chacun dort ! Seul, je ne puis dormir et je m'ennuie encore.]
[5] Heinrich Heine (1797 - 1856), Anfangs wollt ich
fast verzagen de Book of Songs in Poems of Heinrich Heine, Three Hundered and
Twenty-Five Poems, Selected and translated by Louis Untermeyer. Henry Holt and
Company, New-York 1917. (pág.25).
[Anfangs wollt ich fast verzagen,
Und ich glaubt’ ich trüg’ es nie,
Und ich hab’ es doch getragen, –
Aber fragt mich nur nicht, wie?]
Como não domino o alemão
procurei e traduzi a versão inglesa.
[I despaired at first, declaring
It
could not be borne; and now
Now I bear it, still despairing.
Only never ask me how!]






Sem comentários:
Enviar um comentário