“Mas só aquele tempo que é
passado
Co'
tempo se não faz tempo presente.” [1]
Camões
A Promessa de Bernardo Santareno
“… tudo quanto olhei, fiquei em parte.
Com tudo quanto vi, se passa,
passo,
Nem distingue a memória
Do que vi do que fui.” [2]
Ricardo Reis
Ao Júlio Gago com um abraço
Há 64 anos, no Sábado 23 de Novembro de 1957, o
Jornal de Notícias publica um anúncio do Círculo de Cultura Teatral, subsidiado
pela (então recente) Fundação Gulbenkian, publicitando a estreia no Teatro Sá
da Bandeira da peça “A Promessa” de
Bernardo Santareno (António
Martinho do Rosário 1920-1980), pela companhia do Teatro Experimental do Porto
dirigida por António Pedro (1909—1966).
Jornal de
Notícias, Sábado, 23 de Novembro de 1957.
Na anterior Quinta feira dia 14, António Pedro
havia já anunciado, em entrevista ao Primeiro de Janeiro a realização de “um original português, “A Promessa” da
autoria de Bernardo Santareno”, que António Pedro considerava, com
exagerado entusiasmo, “o maior dramaturgo
português”.
Entretanto
na capital, o Diário de Lisboa apenas faz uma seca referência. “No Teatro Sá da Bandeira, do Porto,
inauguram-se hoje as actividades do grupo cénico do teatro Experimental (secção
profissional). Sob à cena, em estreia, um novo original português “A Promessa”
de Bernardo Santareno, que faz também a sua estreia em teatro.” E nos dias
seguintes apenas a referência à continuidade da representação.
Talvez
porque, em Lisboa precisamente neste dia 23, estreia no teatro Nacional D.
Maria “As Bruxas de Salém” de Arthur
Miller (1915-2005), na versão portuguesa de António Quadros (1923- 1993), pela
companhia Rey Colaço-Robles Monteiro.
Na estreia da peça é distribuído um Programa com um texto de António Pedro, e uma ficha técnica de duas páginas, onde se refere a encenação de António Pedro; os figurinos e cenários de Augusto Gomes (1910-1976) e António Pedro.
Refere-se
ainda a distribuição dos papéis, por
ordem de entrada em cena, elencando as personagens e os respectivos actores
e actrizes, bem como os figurantes, e os diversos colaboradores na montagem da
peça, cujas fotografias são de Fernando Aroso (1921-2018).
Programa da peça "A Promessa"/ Teatro Experimental do Porto
(TEP) / Teatro Sá da Bandeira. 1957.
Uma das fotografias de Fernando Aroso (1921-2018), mostra uma cena de A Promessa, onde se destacam, entre outros, os que conheci ou convivi: João Guedes (1921-1983) no papel de José, Vasco de Lima Couto (1923-1980) no papel de Padre, Dalila Rocha (1920-2009) encarnando a Maria do Mar e Alda Rodrigues (1939-1988) que fazia de Maria da Avó. E o cenário de Augusto Gomes que representa “uma aldeia de pescadores portugueses (…) sem nenhuma intenção folclórica ou de rigorismo social.”
No dia
seguinte A Promessa é referida no Jornal
de Notícias: Noites de estreia – Sá da
Bandeira: “A Promessa” – peça em três actos de Bernardo Santareno por António Ramos de Almeida (1912-1961),
um velho amigo de meus pais, e ainda no Primeiro de Janeiro do mesmo dia, na
rubrica Primeiras representações.
Esse acontecimento, pelo tema, provocou larga
polémica na elite cultural da cidade,
sobretudo por uma leitura superficial da peça, (veja-se os nomes das
personagens), motivando a reacção na comunicação social de sectores da igreja católica,
e por isso, das camadas mais conservadores da sociedade portuense e do próprio
regime salazarista.
A sua
exibição, antes da sua proibição (?), prolongou-se até ao final do mês e ao 1º
de Dezembro.
Os meus
pais, que assistiram à estreia da peça, pertenciam a um grupo de amigos e
conhecidos “da parte mais culta e mais civilizada da
nossa cidade” como Ramos de Almeida
escreve, “composta, na sua
maioria, por escritores, artistas, jornalistas, professores, médicos,
advogados, engenheiros, estudantes, isto é, todo um escol intelectual
insatisfeito e ansioso.”
Em 1951
tinham estado ligados à fundação do Circulo de Cultura Teatral-TEP e em 1953 quando
o TEP apresentou o seu primeiro espectáculo, o meu pai pertencia com João
Meneres de Campos (1912-1988) à Direcção
presidida por Alexandre Babo (1916-2007) e a minha mãe era membro do Conselho
de Leitura, com Ramos de Almeida e Eugénio de Andrade (1923-2005).
A polémica estendeu-se aos debates, anunciados no Programa
então apresentado, e que se iniciaram no dia
29 no Teatro de Algibeira do CCT.
O “Teatro de
Algibeira (ou de Bolso)” havia já sido inaugurado no ano anterior
(Terça-feira 8 de Maio de 1956), na Rua do Ateneu Comercial do Porto, segundo
um projecto do arquitecto Luís Praça.
Como a lotação era muito reduzida, apenas 134 lugares, A Promessa foi exibida no Teatro Sá da
Bandeira. O Teatro de Algibeira foi infelizmente demolido em 1980.
A sala de espectáculos do Teatro de Algibeira.
Adolescente e no início do meu 5º ano liceal, e
porque na altura havia já sido instituída a classificação de espectáculos, não
pude obviamente assistir, mas tive eco
pelos meus pais do “escândalo” que a peça então gerou.
Pude,
contudo, ler o exemplar da peça existente na casa paterna, e dez anos depois
assistir à sua nova encenação embora com cortes da Censura.
Toda a
polémica gerada em torno das escassas 8 ou 9 iniciais representações contribuiu,
contudo, na época, para a afirmação do autor Bernardo Santareno, e sobretudo do
jovem Teatro Experimental do Porto e de todo o seu elenco, na sua luta pela
renovação do Teatro.
António
Pedro termina o seu pequeno texto do Programa escrevendo:
“Para
isso lutaremos. E o muito que já se conseguiu, ajuda-nos a regar de esperança
um canteiro de sonho onde as ervas ruins, que sempre nascem, morram à falta de
ar pela abundância das flores.”
[1] Luís de
Camões, (c.1524-1580), Soneto CCCXLVI in Obras de Luís de Camões. Lello &
Irmão – Editores, Porto 1970. (pág.180).
[2]
Fernando Pessoa (-1935), Odes de Ricardo Reis, poema de 7 de Junho de1928 in
Obra Poética,. Companhia Aguilar Editôra, Rio de Janeiro 1965. (pág.282).
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