Rudolf Schlichter (1890-1955), Saloon 1917, aguarela e lápis s/papel 41,5 x 27,5 cm. Mutual Art.
Esquisito Inventário
À
maneira de Jacques Prévert (1900-1977) ou Alexandre O’Neil) (1924-1986).
“(…) Ao
cabo de misérias e tormentos,
Continua
A ser a
minha imagem que flutua
Na podridão dos charcos luarentos.”
Miguel Torga*
um inconveniente não coberto pelo seguro
um peso pesado que se pensa peso pluma
uma janela basculante de um cristal impuro
uma
banheira cheia sem suficiente espuma
um boi de carga com olhar manso e pacato
uma dermatite de um novo rico embriagado
um cavalo empinado relinchando alucinado
um veneno atrofiante sempre que respirado
um adormecido oligarca russo endinheirado
um internato discreto com esgares de aflitos
um sorriso teclado naquele piano desafinado
uma pirueta maluca que põe todos aos gritos
uma luz lívida e pálida escorrendo pelo muro
um longe que é mais perto que um perto lugar
um espanto feminino por não ver o seu futuro
uma paixão malcurada que até nos fez corar
uma alma
perdida com as raízes arrancadas
uma praia
solitária onde o mar é espumante
uma
ferida no segredo da condição humana
uma eternidade durando apenas um instante
um navio afundado pelas névoas do alto mar
um jardim
vazio do perfume de flores alheias
uma mãe que diz que é feio um dedo apontar
um poeta morrendo pela iniquidade das ideias…
*Miguel Torga Inventário de Cântico do Homem 1950 in Miguel Torga Antologia Poética 7ª edição D. Quixote 2014 (pág. 107)
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