A janela entre dentro e fora
On perce des portes et des fenêtres pour faire
une maison.
C’est de leur vide que dépend l’usage de la
maison.
Lao Tse
A janela não é,
nunca é um simples buraco na parede.
fig. 1 - Le Corbusier (1887-1965), Villa Le Lac
1923/24, lago Leman Suisse.
Assim o entendeu Le
Corbusier quando na Villa Le Lac, que
projectou em 1923, criou este recanto, com um muro onde abriu uma janela com
vista para o lago, lembrando o soneto de Alberto de Oliveira.
“É um velho
paredão, todo gretado,
Roto e negro, a que o tempo uma oferenda
Deixou num cacto em flor ensangüentado
E, num pouco de musgo em cada fenda.
Serve há muito de encerro a uma vivenda;
Protegê-la e guardá-la é seu cuidado;
Talvez consigo esta missão compreenda,
Sempre em seu posto, firme e alevantado...”
Álvaro Siza
desenhou esta mesma janela da Villa Le Lac vista do interior do recinto.
fig. 2 - Álvaro Siza desenhando na Villa Le
Lac. 1981. Apuntes de Proyectos 1, Escuela Técnica Superior de
Arquitectura de Sevilla
O problema que se
põe ao fazer uma abertura é conseguir criar um espaço que seja habitável e
habitado, um espaço feliz na relação entre o interior e o exterior, entre o
artificial e o natural, entre o fechado e o aberto.
E a janela é o
elemento fundamental de ligação visual entre o interior - o estar dentro (dedans);
e o exterior - o estar fora (dehors).
Ao olhar pela
janela acede-se ao mundo exterior, mas, ao mesmo tempo, ela permite ou impede
que alguém devasse a intimidade doméstica penetrando no interior.
Assim a janela
separa radicalmente esses dois mundos, esses dois espaços: público e privado,
mundano e íntimo, multidão e solidão, ruído e silêncio, frio e calor…
Gaston Bachelard ao
desenvolver a fenomenologia do dehors e do dedans, considera que
a janela, como limite entre estas duas intimidades, tem sempre dois lados que
se podem sempre trocar.
“O exterior e o interior são os dois
íntimos; estão sempre prontos a inverter-se, a trocar sua hostilidade. Se
existe uma superfície como limite entre um interior e um exterior, essa superfície
é dolorosa dos dois lados.”
E René Magritte pinta um quadro intitulado l’éloge de la dialectique (o elogio da dialéctica) que justifica:
"Para a casa, mostrei através da janela aberta na
fachada de uma casa uma divisão que continha uma casa. É o elogio da
dialéctica." 4]
fig. 3 - René
Magritte L'éloge de la dialectique 1937, oil on canvas, 65.5 × 54.0 cm National
Gallery of Victoria, Melbourne
Na iconografia
católica a janela separa o sagrado do profano.
No Altar de Pesaro,
o painel central mostra por trás das figuras de Cristo e da Virgem,
acompanhadas dos Santos, uma janela que se abre para uma povoação fortificada.
fig. 4 - Giovanni Bellini (c. 1430-1516), Coroação da Virgem do Altar de
Pesaro 1474, óleo s/painel 262 × 240 cm. Musei Civici Pesaro.
E a janela pode
ainda separar o Bem do Mal, o Santo do Demónio, a pureza da tentação.
Como no Painel
lateral do retábulo de Issenheim, de Grünewald (1475/80-1528),
onde junto da figura de Santo Antão surge na janela de vidros de “fundo de
garrafa” o Demónio que “depois de vencido, não deixou de lhe colocar
armadilhas. Ele rondava à sua volta como um leão à procura da oportunidade de
surpreender a sua presa.”
fig. 5 -
Mathis Gothart Nithart dit Grünewald (1475/80-1528), Santo Antão e o Demónio. Pormenor do Painel
lateral (232 x 75 cm.) do Le Retable d'Issenheim, 1512-1516. Óleo e têmpera
sobre madeira de tília, 3,30 x 5,90 m. Musée d'Unterlinden, Colmar. França.
[1] Lao Tse (604-517
a.C.), Tao Te King Le Livre de la Voie et de la Vertu. Traduction Stanislas Julien (1797-1873). A
l’Imprimerie Royale, Paris 1842. (Cap.11 pág.38). [Abrimos portas e janelas
para fazer uma casa. É do seu vazio que depende o uso da casa.]
[3] Gaston
Bachelard (1884-1962), La Poétique de l’Espace (1957). Les Presses
universitaires de France, 3e édition, Paris 1961. (pág. 243). [L'en dehors et l'en dedans sont tous deux intimes; ils sont toujours
prêts à se renverser, à échanger leur hostilité. S'il y a une surface limite
entre un tel dedans et un tel dehors, cette surface est, douloureuse des deux
côtés.]
René Magritte [Pour la maison, je fis voir par la
fenêtre ouverte dans la façade d’une maison une chambre contenant une maison.
C’est l’éloge de la dialectique.]