Deambulações pelas cidades de Lisboa e Sevilha no tempo dos Filipes, a partir de algumas imagens e textos da época
I Parte
Apontamento 1 – Os reinos de Portugal e de Espanha no século XVI
A partir dos finais do século XV, no reinado
(1481-1495) de D. João II (1455-1495) e no reinado (1495-1521) de D. Manuel I
(1469-1521), com o poder e os conhecimentos de navegação acumulados e que então
detêm.
“Determinam o náutico aparelho,
Pera que, com sublime coração,
Vá a gente que mandar cortando os
mares
A buscar novos climas, novos
ares.” [1]
Em Espanha, nos reinados dos Reis Católicos, Isabel
de Castela (1451-1504) rainha entre 1474 e 1504 e Fernando de Aragão
(1452-1516) rei entre 1479 e 1516, prosseguindo no reinado (1516-1556) de
Carlos V (1500-1558), do mesmo modo é promovida a política de exploração
oceânica para ocidente.
A navegação e o domínio dos mares, tornaram-se então o principal factor de riqueza e poderio de uma nação, nesse caminho aberto pelos portugueses e espanhóis, mas a quem, ao longo dos séculos XVI e XVII, se juntam ingleses, franceses e holandeses.
No entanto, ao longo do século XVI, foram os dois reinos ibéricos, que alcançaram um notável enriquecimento e crescimento pelo domínio dos mares.
Em 1537 é publicado um conhecido desenho de um mapa
antropormófico, da autoria de Johann Putsch (1516-1542), orientado no sentido
poente-nascente (na parte superior está escrito Occasus), representando a Europa, como uma Rainha, uma figura com
os atributos de uma soberana.
fig. 1 - Johann Putsch (1516-1542) Europa Regina 1537 Paris edition by Johannes Putsch. Tiroler Landesmuseum Ferdinandeum, Innsbruck.
A cabeça desse mapa-figura é a Península Ibérica, onde
está representado Portugal (Lusitania) com as Armas nacionais, em uma faixa no
centro da coroa.
fig. 2
- Johann
Putsch (1516-1542) Pormenor de Europa Regina 1537.
Esta ideia de Cabeça da Europa, tinha sido já avançada por Lorenzo Valla (1407-1457), um italiano, no seu livro historiarum Ferdinani regis aragoniae (Historia de Fernando de Aragão), de 1446, onde escreve:
“De Espanha, podemos
dizer com toda a justiça, que é a cabeça
da Europa, a qual, por sua vez, é a mais importante das três partes em que
dividimos a superfície terrestre, sendo também a cabeça da orbe terrestre.”
No original em Latim: " hoc est in Hispania: quam caput Europae, etsi illa trium dignissima est, caput orbis terrarum fateri licet…" [2]
E mais adiante: “Mas do mesmo modo que pensamos que Espanha, em relação ao céu, se situa à direita, para onde se inclina o ocaso, também em relação ao globo terrestre, já que é evidente que é a Cabeça da Europa, sem competir em dignidade com o Oriente.”
No original em Latim: “Verum
ficut ad cælũ Hispania, qua vergit in occasum in dextra esse censenda est, ita
ad ipsum orbem terrarum, quia certissimum est caput Europæ, caput nominari
potest: nichil obstante eo, quod de dignitate orientis opponitur.” [3]
Henrich Bunting (1545 – 1606), um teólogo protestante publicou em 1581, um livro de grande sucesso, Itinerarium Sacrae Scripturae, que terá diversas edições até 1757.
Nele estão diversas gravuras uma das quais
representa a Europa como Virgem, inspirada no desenho de Putsch, mas neste caso
com a figura deitada, ou seja, um mapa da Europa orientado no sentido
norte-sul.
fig. 3 - Heinrich Bunting (1545 – 1606), Europa Prima Pars Terrae in Forma
Virginis. Hanover c.1581.
A Cabeça é a Hispania (Espanha) com os reinos Navarra e Aragon (Aragão) e na coroa - ao centro - a Lusitania (Portugal). No pescoço os Montes Pirenéus que separam do resto do corpo com os outros países da Europa.
fig. 4
- Heinrich Bunting (1545 – 1606). Pormenor de Europa Prima
Pars Terrae in Forma Virginis. Hanover c.1581.
E Pedro de Medina (c.1493-c.1567), matemático, geógrafo e
cartógrafo espanhol, no seu Libro
d[e] grandezas y cosas memorables de España.de 1548, também
considera o seu país como a cabeça da Europa, já que é o início das três partes
do mundo.
“La redondez dela tierra se divide en três partes, que son / Europa /
Africa / Asia, y para dezir destas comiença de España: assi como
principio: y cabeça dellas. [4]
Nos meados do
século XVI, Sebastian Münster (1489-1552), desenha um mapa da Europa, orientado
no sentido sul-norte, em que na Península Ibérica apenas assinala a Hispania.
A
partir deste mapa e dos desenhos de Putsch e de Bunting, desenha um uma Europa Regina (Europa
Raínha) que publica na sua Cosmographia
(publicadas entre 1550 e 1628).
fig. 6
- Sebastian Münster (1489-1552) Europa Regina 26 x 16 cm. in Cosmographia
Basel 1570.
Na edição de 1570, o continente europeu, é representado como uma rainha cuja cabeça coroada é a Península Ibérica (Hispania), desaparecendo Portugal (embora ainda não tenha perdido a independência), o braço direito é a Itália tendo na mão direita uma esfera (Sicília), e o braço esquerdo a Dinamarca (Dania), que segura um ceptro onde a Inglaterra (Anglia) e a Escócia (Scotia) surgem como flâmula.
A Europa está rodeada por mar excepto pela Tartaria, a região que se estendia para
além da Scythia, a região entre os
rios Danúbio e Volga.
fig. 7
- Sebastian Münster (1489-1552) Pormenor de Europa Regina in Cosmographia
Basel 1570.
Em Portugal, Luís de Camões (c.1524-1580), no Canto III de Os Lusíadas, também parece conhecer esta representação da Europa, quando escreve:
Est.17
“Eis aqui se
descobre a nobre Espanha,
Como cabeça ali
de Europa toda,
Em cujo senhorio
e glória estranha
Muita volta tem
dado a fatal roda;
Mas nunca
poderá, com força ou manha,
A fortuna
inquieta pôr-lhe noda
Que lha não tire
o esforço e ousadia
Dos belicosos
peitos que em si cria.” [5]
Mas Camões, de seguida, refere Portugal como o
cérebro, o cume da cabeça da Europa:
Est. 20
“Eis aqui, quase cume da cabeça
De Europa toda, o Reino Lusitano,
Onde a terra se acaba e o mar começa.
E onde Febo repousa no Oceano.
Este quis o Céu justo que floresça
Nas armas contra o torpe Mauritano,
Deitando-o de si fora; e lá na ardente
África estar quieto o não consente.” [6]
[1] Luís Vaz
de Camões (c.1524-1580), Os Lusíadas, Est. LXXVI, Canto IV, in Obras de Luís de
Camões. Lello & Irmão – Editores, Porto 1970. (pág. 1232).
[2] Lorenzo
Vala, Laurentii vallensis, patitii
romani, historiarum Ferdinani regis aragoniae: Libri treis, Ex. aedibus Simonis
Colínaeri. Parisiis 1521. (pág. 8).
[3] Lorenzo
Vala, Laurentii vallensis, patitii
romani, historiarum Ferdinani regis aragoniae: Libri treis, Ex. aedibus Simonis
Colínaeri. Parisiis 1521. (pág. 8 vs).
[4] Pedro
de Medina (c.1493-c.1567), Libro d[e]
grandezas y cosas memorables de España. Agora de nuevo hecho y copilado por el
Maestro Pedro de Medina vezino de Sevilla. Dirigido al Serenissimo y muy
esclarecido Señor D. Filipe Principe de España.e Nuestro Señor. En casa de
Dominico d[e] Robertis. Sevilla. M D XL VIII. (pág. 24).
[5] Luís Vaz
de Camões (c.1524-1580), Os Lusíadas (1572), Est. XVII, Canto III, in Obras de
Luís de Camões. Lello & Irmão – Editores, Porto 1970. (pág. 1181).
[6] Luís Vaz
de Camões (c.1524-1580), Os Lusíadas, Est. XVII, Canto III, in Obras de Luís de
Camões. Lello & Irmão – Editores, Porto 1970. (pág. 1182).
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