Apontamento 2 – Sevilha e Lisboa no século XVI
E nesta Península Ibérica “cabeça da Europa”, a partir dos finais do século XV, ao longo do
século XVI e até ao século XVII, duas são as cidades que vão enriquecer com a
navegação oceânica e com a abertura das rotas do comércio: Lisboa e Sevilha.
O cartógrafo Abraham Ortelius (1527-1598), nascido
em Antuérpia, no seu Epitome du theatre du monde de 1570, desenha um curioso
mapa da Europa, onde a Península Ibérica (Hispania)
só tem representados dois rios e duas cidades: O Tejo e o Guadalquivir
(antigo Bétis) e junto a eles as duas cidades: Lisboa (Lisbona) e Sevilha (Sevilla).
fig. 8
- Abraham Ortelius (1527-1598), Europa in Epitome du theatre du monde Auquel se
represente, tant par figures que characteres, la vraye situation, nature, &
propriete de la terre Universelle. Reveu, corrige, & augmente de plusieurs
Cartes, pour la derniere Fois. (1ª ed. 1570). De l'imprimerie de
Christofle Plantiniene, pour Philippe Galle (1537-1612), Anvers 1588.
A Lisboa, para além do que vinha de África, chegam
da Índia e da Ásia, entre outras mercadorias, as preciosas especiarias:
“…a pimenta ardente que
comprara;
a seca flor de Banda não ficou,
a noz, e o negro cravo, que faz clara
a nova ilha Maluco, coa canela
com que Ceilão é rica, ilustre e bela.” [1]
E a Sevilha, entre outros produtos, a prata e o
ouro das Índias ocidentais, ou seja, das Américas.
“…porque para ellas
trae cuanto de Indias
guardan en sus senos
Lisboa
y Sevilla;
tráeles de las
huertas
regalos de Lima,
y de los arroyos
joyas de la China.” [2]
Em Espanha é ainda Lorenzo
Vala (1407-1457), quem sublinha a dimensão das duas cidades: “Em
Castela, a cidade mais pujante, é Hispalis vulgarmente chamada de Sevilha. Em
Portugal é Olisipona [Lisboa]…”
No original: “In
Castella ex omnibus potetissima est Ispalis, quam vulgo Sibiliam dicunt. In
Portugal sia Olisippona…” [3]
E Damião de Góis (1502-1574) na Urbis Olisiponis
Descriptio, de 1554, compara
já as duas cidades, Lisboa e Sevilha, como as principais cidades portuárias.
"Há duas cidades que, nesta nossa época, poderíamos com razão
chamar senhoras e (por assim dizer) rainhas do Oceano: pois é sob sua direcção
e domínio, que hoje em dia se processa a navegação em todo o Oriente e
Ocidente.
Uma delas é Lisboa, que reivindica para si o domínio daquela parte do
Oceano que, desde a embocadura do Tejo, envolve num imenso circuito marítimo a
África e a Ásia.
A outra é Sevilha, desde o rio Betis [Guadalquivir] lançada para o Ocidente, que abriu de par em par à navegação aquela
parte do orbe que hoje se chama Novo Mundo (...)" [4]
No original em latim:
“Ovae sunt urbes nostra hac tempestate, quas iure
Oceani dominas, ac tantquam Reginas appellare possimus, quaru ductu &
imperio totus oriens, occidesque; hodie navigatur. Earum altera est Olisipo,
quae Tagi faucibus eius oceani partis imperium sibi vendicat, quae Africam,
Asiamueq imenso maris circuitu cõplectitur. Altera vero Hispalis, quae a Beti
fluvio occidentem versus, quem hodie de cunt novuu orbem, classibus patefecit.”
[5]
De
Lisboa diz o latinista Diogo Mendes Vasconcelos (1523-1599) no final do século
XVI:
“Salve, urbs occidui orbis
imperatrix,
Regina Oceani procul sonantis,
Veré urbs regia, regibusq
grata!
Salve, huius columen,
caputq regni
Magnarum decus urbiumq, salve!” [6]
[Salve, Cidade, imperatriz do mundo ocidental,
Rainha do Oceano que reboa ao longe.
Cidade
verdadeiramente real e estimada dos Reis!
Salve,
sustentáculo e capital deste Reino
E glória
das grandes cidades, salve!]
E Mendes de Vasconcelos não
deixa de referir Sevilha quando compara o Tejo com outros rios entre os quais o
Bétis, o antigo nome do Guadalquivir.
“Ilustris
Tagus aureis arenis,
Baeti
Nobilior, similum Ibero,
Atum
Ana, Miniorum, Durium…” [7]
[O magnífico Tejo de areias de
ouro.
Mais nobre que o Bétis e também que o Ebro
E
que o Guadiana e o Minho e o Douro…]
Já no início do século XVII, Frei Nicolau de Oliveira (1566-1634), numa deslocação a Sevilha logo no início do Prólogo do Livro das Grandezas, publicado em 1620, compara as duas cidades.
“…ao fim de algûs
dias me perguntarão por algûs couzas de Portugal, & em particular pella Cidade de Lisboa, & seu Sitio,
& se seria tam grãde como a de Sevilha,
Cidade tam famosa, & nomeada, & tida com tãta estima (& com razão)
de grande, rica, & bem provida em toda Hespanha. Bê se deixa ver (respondi
eu) a opulência, riqueza, grandeza, cerco de muros, & trato desta muy nobre
Cidade, a qual assi eu, como alguns, julgara pella mayor de Europa, ou ao menos
de Hespanha em todas as couzas ditas, senão ouvera visto a Cidade de Lixboa,…” [8]
Para afirmar a sua longa e nobre história, ambas as cidades remetem
a sua fundação para as míticas viagens dos heróis gregos:
Lisboa para Ulisses e
Sevilha para Hércules.
E se Sevilha se valoriza com o dizer:
- “Quien
no ha visto Sevilla no ha visto maravilla”,
logo lhe responde Lisboa com:
- “Quem
não viu Lisboa não viu coisa boa”.
[1] Luís Vaz
de Camões (-1580), Os Lusíadas, in Obras de Luís de Camões. Lello & Irmão.
Editores, Porto 1970. (canto IX est. XIV pág. 1341).
[2] Luis de
Gongora y Argote (1561-1627), Romances 24-1587 in Obras Completas de Don Luis
de Gongora. Edicion de Juan Millé y Guimenez y Isabel Millé y Guimenez. M. Aguilar editor Madrid 1900 (pág. 60).
[3] Lorenzo
Vala, Laurentii Vallensis, patritii romani, historiarum Ferdinani Regis A.ragoniae:
Liber primum, Ex. aedibus Simonis Colínaeri. Parisiis, 1521. (pág. 9).
[4] Damião
de Góis (1502 - 1574), Urbis
Olisiponis Descriptio (Évora 1554). Descrição
da Cidade de Lisboa, pelo Cavaleiro Português Damião de Góis,
tradução do texto latino, introdução e notas de José Felicidade Alves, Livros
Horizonte, Lisboa 1988. (pág.29).
[5] Damião
de Gois, Urbis Olisiponis Descriptio per Damianum Goem equitem Lusitanm,
Andream Burgêsem typographu. Ebore 1554. (pág. 5)
[6] Diogo Mendes Vasconcelos (1523-1599), In laudem clarissimae. Civitatis Olysipponensis anno MDLXXV in Vita Gondisalui Pinarij episcopi Visensis autore Iacobo Menoetio Vasconcelo Lusitano; aliquot praeterea opuscula eiusdem Vasconcelli..., excudebat Martinus Burgensis, Eborae, 1591. BND (pág.36).
[7] Idem.
[8] Frei
Nicolau de Oliveira (1566-1634), Livro das Grandezas de Lisboa. Composto pelo
padre Frey Nicolao d’Oliveira Religioso da Ordë da Sãctissima Trindade &
natural da mesma Cidade. Dirigido a D. Pedro d’Alcaçova Alcayde mor das tres
Villas, Campo mayor, Ougella, & Idanha a nova, & Comendador das
Idanhas. Com todas as Licenças necessarias. Impresso em Lisboa por Iorge Rodriguez.
Anno 1620. (pág.1).
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