sexta-feira, 18 de junho de 2021

Apontamentos sobre a Lisboa e Sevilha nos séculos XVI e XVII (2)

 

Apontamento 2 – Sevilha e Lisboa no século XVI

 

E nesta Península Ibérica “cabeça da Europa”, a partir dos finais do século XV, ao longo do século XVI e até ao século XVII, duas são as cidades que vão enriquecer com a navegação oceânica e com a abertura das rotas do comércio: Lisboa e Sevilha.

 

O cartógrafo Abraham Ortelius (1527-1598), nascido em Antuérpia, no seu Epitome du theatre du monde de 1570, desenha um curioso mapa da Europa, onde a Península Ibérica (Hispania) só tem representados dois rios e duas cidades: O Tejo e o Guadalquivir (antigo Bétis) e junto a eles as duas cidades: Lisboa (Lisbona) e Sevilha (Sevilla).

 

fig. 8 - Abraham Ortelius (1527-1598), Europa in Epitome du theatre du monde Auquel se represente, tant par figures que characteres, la vraye situation, nature, & propriete de la terre Universelle. Reveu, corrige, & augmente de plusieurs Cartes, pour la derniere Fois. (1ª ed. 1570). De l'imprimerie de Christofle Plantiniene, pour Philippe Galle (1537-1612), Anvers 1588.

 

fig. 9 - A Península Ibérica. Pormenor de Abraham Ortelius (1527-1598), Europa in Epitome du theatre du monde.

 

A Lisboa, para além do que vinha de África, chegam da Índia e da Ásia, entre outras mercadorias, as preciosas especiarias:

“…a pimenta ardente que comprara;

a seca flor de Banda não ficou,

a noz, e o negro cravo, que faz clara

a nova ilha Maluco, coa canela

com que Ceilão é rica, ilustre e bela.” [1]

 

E a Sevilha, entre outros produtos, a prata e o ouro das Índias ocidentais, ou seja, das Américas.

 

“…porque para ellas

trae cuanto de Indias

guardan en sus senos

Lisboa y Sevilla;

tráeles de las huertas

regalos de Lima,

y de los arroyos

joyas de la China.” [2]

 

Em Espanha é ainda Lorenzo Vala (1407-1457), quem sublinha a dimensão das duas cidades: Em Castela, a cidade mais pujante, é Hispalis vulgarmente chamada de Sevilha. Em Portugal é Olisipona [Lisboa]…”

 

No original: “In Castella ex omnibus potetissima est Ispalis, quam vulgo Sibiliam dicunt. In Portugal sia Olisippona…” [3]

 

E Damião de Góis (1502-1574) na Urbis Olisiponis Descriptio, de 1554, compara já as duas cidades, Lisboa e Sevilha, como as principais cidades portuárias.

"Há duas cidades que, nesta nossa época, poderíamos com razão chamar senhoras e (por assim dizer) rainhas do Oceano: pois é sob sua direcção e domínio, que hoje em dia se processa a navegação em todo o Oriente e Ocidente.

Uma delas é Lisboa, que reivindica para si o domínio daquela parte do Oceano que, desde a embocadura do Tejo, envolve num imenso circuito marítimo a África e a Ásia.

A outra é Sevilha, desde o rio Betis [Guadalquivir] lançada para o Ocidente, que abriu de par em par à navegação aquela parte do orbe que hoje se chama Novo Mundo (...)" [4]

 

No original em latim:

“Ovae sunt urbes nostra hac tempestate, quas iure Oceani dominas, ac tantquam Reginas appellare possimus, quaru ductu & imperio totus oriens, occidesque; hodie navigatur. Earum altera est Olisipo, quae Tagi faucibus eius oceani partis imperium sibi vendicat, quae Africam, Asiamueq imenso maris circuitu cõplectitur. Altera vero Hispalis, quae a Beti fluvio occidentem versus, quem hodie de cunt novuu orbem, classibus patefecit.” [5]

 

De Lisboa diz o latinista Diogo Mendes Vasconcelos (1523-1599) no final do século XVI:

 

“Salve, urbs occidui orbis imperatrix,

Regina Oceani procul sonantis,

Veré urbs regia, regibusq grata!

Salve, huius columen, caputq regni

Magnarum decus urbiumq, salve!” [6]

 

[Salve, Cidade, imperatriz do mundo ocidental,

Rainha do Oceano que reboa ao longe.

Cidade verdadeiramente real e estimada dos Reis!

Salve, sustentáculo e capital deste Reino

E glória das grandes cidades, salve!]

 

E Mendes de Vasconcelos não deixa de referir Sevilha quando compara o Tejo com outros rios entre os quais o Bétis, o antigo nome do Guadalquivir.

 

“Ilustris Tagus aureis arenis,

Baeti Nobilior, similum Ibero,

Atum Ana, Miniorum, Durium…” [7]

 

[O magnífico Tejo de areias de ouro.

 Mais nobre que o Bétis e também que o Ebro

E que o Guadiana e o Minho e o Douro…]

 

Já no início do século XVII, Frei Nicolau de Oliveira (1566-1634), numa deslocação a Sevilha logo no início do Prólogo do Livro das Grandezas, publicado em 1620, compara as duas cidades.

“…ao fim de algûs dias me perguntarão por algûs couzas de Portugal, & em particular pella Cidade de Lisboa, & seu Sitio, & se seria tam grãde como a de Sevilha, Cidade tam famosa, & nomeada, & tida com tãta estima (& com razão) de grande, rica, & bem provida em toda Hespanha. Bê se deixa ver (respondi eu) a opulência, riqueza, grandeza, cerco de muros, & trato desta muy nobre Cidade, a qual assi eu, como alguns, julgara pella mayor de Europa, ou ao menos de Hespanha em todas as couzas ditas, senão ouvera visto a Cidade de Lixboa,…” [8]


Para afirmar a sua longa e nobre história, ambas as cidades remetem a sua fundação para as míticas viagens dos heróis gregos:

Lisboa para Ulisses e Sevilha para Hércules.

 

E se Sevilha se valoriza com o dizer:

- “Quien no ha visto Sevilla no ha visto maravilla”,

logo lhe responde Lisboa com:

- “Quem não viu Lisboa não viu coisa boa”.

 



[1] Luís Vaz de Camões (-1580), Os Lusíadas, in Obras de Luís de Camões. Lello & Irmão. Editores, Porto 1970. (canto IX est. XIV pág. 1341).

[2] Luis de Gongora y Argote (1561-1627), Romances 24-1587 in Obras Completas de Don Luis de Gongora. Edicion de Juan Millé y Guimenez y Isabel Millé y Guimenez. M.  Aguilar editor Madrid 1900 (pág. 60).

[3] Lorenzo Vala, Laurentii Vallensis, patritii romani, historiarum Ferdinani Regis A.ragoniae: Liber primum, Ex. aedibus Simonis Colínaeri. Parisiis, 1521. (pág. 9).

[4] Damião de Góis (1502 - 1574), Urbis Olisiponis Descriptio (Évora 1554). Descrição da Cidade de Lisboa, pelo Cavaleiro Português Damião de Góis, tradução do texto latino, introdução e notas de José Felicidade Alves, Livros Horizonte, Lisboa 1988. (pág.29).

[5] Damião de Gois, Urbis Olisiponis Descriptio per Damianum Goem equitem Lusitanm, Andream Burgêsem   typographu. Ebore 1554. (pág. 5)

[6] Diogo Mendes Vasconcelos (1523-1599), In laudem clarissimae. Civitatis Olysipponensis  anno MDLXXV in Vita Gondisalui Pinarij episcopi Visensis autore Iacobo Menoetio Vasconcelo Lusitano; aliquot praeterea opuscula eiusdem Vasconcelli..., excudebat Martinus Burgensis, Eborae, 1591. BND (pág.36).

[7] Idem.

[8] Frei Nicolau de Oliveira (1566-1634), Livro das Grandezas de Lisboa. Composto pelo padre Frey Nicolao d’Oliveira Religioso da Ordë da Sãctissima Trindade & natural da mesma Cidade. Dirigido a D. Pedro d’Alcaçova Alcayde mor das tres Villas, Campo mayor, Ougella, & Idanha a nova, & Comendador das Idanhas. Com todas as Licenças necessarias. Impresso em Lisboa por Iorge Rodriguez. Anno 1620. (pág.1).

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