José de Ribera (1591-1652), Filósofo com um espelho 1ª metade do século
XVII. Óleo s/tela 113 x 89 cm. Rijksmuseum Amesterdão.
Espelho
"Para hum homem se ver a si mesmo, saõ necessarias tres cousas: olhos, espelho & luz. Se tem espelho, & é cego, não se póde ver por falta de olhos; se tem espelho & olhos, & he de noyte, não se pode ver por falta de luz. Logo há mister luz, ha mister espelho & ha mister olhos." Padre António Vieira *
Nesse
espelho em que me vejo esquecido
está esse
outro eu, um quase semelhante.
É outro
eu, o negativo, simétrico de sentido,
a
vigiar-me fixo nesse espaço equidistante.
Sou eu ou
apenas quem eu penso que sou?
Sou eu ou
apenas minha figura mal-olhada?
Ou é o
amável sussurro em que se esconde
o cansaço do olhar em lágrima tão salgada?
Esqueço
que nesse espelho como em janela
onde,
como amigo que não sou, ele espreita.
Desconfio-me
da invertida visão, porque nela
sempre se
vai trocando esquerda com direita.
Pesando o
que me vejo e o que me fui vendo
no outro
eu com quem sempre me confundo,
o que fui,
o que senti, em tudo o que fui sendo,
patética intimidade em que sempre me afundo.
Podes tu? –
diz o outro eu, em tom assaz duro,
aprender esses
ocultos mistérios e os segredos
que só eu
guardo como teu eco. O íntimo escuro,
dos
restos já gastos de murmurantes pesadelos?
Farto de me ver em tais andanças não respondo.
Olhos nos olhos, eu e o outro, qual o mais velho,
não tendo como lhe responder, assim de pronto,
apago a luz. logo se vai o eu-maldito do espelho.
* Padre Antônio Vieira (1608-1697), Semam da
Sexagesima Prégado na Capella Real 1655 in Sermoens do P. Antonio Vieira da
Companhia de Jesus. Prégador de Sua Alteza Primeyra parte dedicada ao Principe
N.S. Na Officina de Ioam da Costa, Lisboa MDCLXXIX. (pág. 18).
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