(Adriano) Sousa Lopes (1879-1944). Luz nas águas óleo s/madeira 39 x 47 cm. Museu do Chiado- Museu de Arte Contemporânea
grisalhos me vão ficando os cabelos
“Talvolta ritorna
nell'immobile calma del
giorno il ricordo
di quel vivere assorto,
nella luce stupita.”
Cesare Pavese [1]
Agora que vão ficando tão grisalhos os cabelos
tornando-me
na vida mais sábio do que sabido
meditando
no que sou, uma manta nos joelhos
sou já menos áspero e rugoso que liso e polido.
Aquelas
árvores belas e esguias como colmos
coando a
bela luz de âmbar tão fina e delicada
lembram o
que já fomos e o que já não somos
trocando artifícios
pela simplicidade rebuscada.
Se nada
invento transformo apenas o inventado
falida a vontade
de escalar o cimo da montanha
procurando ar puro para um mais suave respirar
Assente a urbana poeira em calma e sossegado
é na
remota praia que o mar suavemente banha
que o dourado da manhã me permite descansar.
[1] Cesare Pavese (1908-1950), La
Notte (1938) in Lavorare stanca. 1943 Giulio Einaudi Milano.
"E por vezes volta
na calma imóvel do dia a
recordação
daquele viver absorto, na
espantosa luz."
II
aquela fotografia pálida
Aos meus irmãos já desaparecidos
As folhas dos plátanos cobrem os longos braços da
cidade
pelas alamedas douradas um rumor se ouve e se
entende
é apenas um leve sopro das almas, um sussurro da
idade
suavemente cai o vento no tempo de água que se
estende.
Aquela fotografia pálida lembra o reino tão doce
da infância
quando no fácil despertar das coisas simples se
amadurece.
Retrato sereno e calmo, quase esquecido, como em
criança
se vê a vida e com a idade em espessa neblina desaparece.
Vejo-me diferente do que era e revejo-me no que agora
sou
O sol e a lua, o dia e a noite, eram então o
equilíbrio perfeito
nessa louca inocência como se loucura não fosse
sabedoria.
somando qualidades e malefícios de agora ser no
que estou
o que já fui, o que estou sendo, o que virei a
ser, por defeito
este é o meu retrato quando a alma se passeia em
nostalgia.
Sem comentários:
Enviar um comentário