sábado, 13 de janeiro de 2024

alguns poemas recuperados



(Adriano) Sousa Lopes (1879-1944). Luz nas águas óleo s/madeira 39 x 47 cm. Museu do Chiado- Museu de Arte Contemporânea

grisalhos me vão ficando os cabelos

 

“Talvolta ritorna

nell'immobile calma del giorno il ricordo

di quel vivere assorto, nella luce stupita.”

Cesare Pavese [1]

 

Agora que vão ficando tão grisalhos os cabelos

tornando-me na vida mais sábio do que sabido

meditando no que sou, uma manta nos joelhos

sou já menos áspero e rugoso que liso e polido.


Aquelas árvores belas e esguias como colmos

coando a bela luz de âmbar tão fina e delicada

lembram o que já fomos e o que já não somos

trocando artifícios pela simplicidade rebuscada.

 

Se nada invento transformo apenas o inventado

falida a vontade de escalar o cimo da montanha

procurando ar puro para um mais suave respirar

 

Assente a urbana poeira em calma e sossegado

é na remota praia que o mar suavemente banha

que o dourado da manhã me permite descansar.

 



[1] Cesare Pavese (1908-1950), La Notte (1938) in Lavorare stanca. 1943 Giulio Einaudi Milano.

"E por vezes volta

na calma imóvel do dia a recordação

daquele viver absorto, na espantosa luz."


II

aquela fotografia pálida

Aos meus irmãos já desaparecidos

 

As folhas dos plátanos cobrem os longos braços da cidade

pelas alamedas douradas um rumor se ouve e se entende

é apenas um leve sopro das almas, um sussurro da idade

suavemente cai o vento no tempo de água que se estende.

 

Aquela fotografia pálida lembra o reino tão doce da infância

quando no fácil despertar das coisas simples se amadurece.

Retrato sereno e calmo, quase esquecido, como em criança

se vê a vida e com a idade em espessa neblina desaparece.

 

Vejo-me diferente do que era e revejo-me no que agora sou

O sol e a lua, o dia e a noite, eram então o equilíbrio perfeito

nessa louca inocência como se loucura não fosse sabedoria.

 

somando qualidades e malefícios de agora ser no que estou

o que já fui, o que estou sendo, o que virei a ser, por defeito

este é o meu retrato quando a alma se passeia em nostalgia.

 


 

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