A Janela da prisão, uma
esperança de liberdade
No quadro de Nikolai Yaroshenko “O Prisioneiro”, de uma húmida prisão, numa cela sombria e vazia de paredes nuas com apenas manchas escuras de humidade e sem quaisquer mobiliário ou objectos, o Prisioneiro, suporta a escuridão e procura a luz, a luz única que entra pela pequena janela que recebe como um sinal de liberdade.
fig. 1 - Nikolai Yaroshenko (1846 - 1898), O Prisioneiro, 1878. Óleo s/tela. 107.6 х 143.1 cm. Tretyakov Gallery, Moscovo.
A fuga pela imaginação
Mesmo encerrado como verdadeiro prisioneiro, sempre existe, por mais inacessível e mais pequena que seja a janela, a possibilidade de ver mais longe através da sua imaginação.
fig. 2 - Moritz von Schwind (1804-1871), Le rêve du prisonnier 1836, óleo s/cartão 53 x 46,5 cm. Schack-Galerie, Munique
« C’est
par la fenêtre que l’on sort.
Prisonnier c’est par la fenêtre
que l’on gagne un autre monde
un monde où l’on imite la perfection
le beau le bien la vérité
les passions ardentes
et le bonheur et ta prison
bref espace.
Mais tes désirs ont la couleur du vent.” [1]
A fuga pela pintura
Gustave Courbet autorretrata-se junto de uma generosa janela que dá apenas para o pátio da prisão, onde foi encarcerado durante seis meses em 1871, por participar na destruição da Coluna Vendôme durante a Comuna de Paris.
Contudo, a sua
expressão pensativa, fumando cachimbo e sobretudo o seu olhar que não observa o
que se passa através da janela, mas parece voltar-se para si mesmo procurando
imaginar os quadros que ainda irá produzir.
fig. 3 - Gustave Courbet (1819–1877), Autorretrato em Sainte-Pélagie c.1872, óleo s/tela 92 x 72 cm. Musée Courbet.
A fuga pela religião
Caravaggio na parte
superior da “Vocação de São Mateus”,
para ilustrar esse apelo, pinta uma janela fechada, mas advinha-se “uma janela aberta/uma janela iluminada”,
aqui pela luz divina.
fig. 4 - Michelangelo Merisi dito Caravaggio (1571-1610, Vocazione di San Matteo 1599-1600, óleo
s/tela 340 x 322 cm. Capela Contarelli da Igreja de S. Luís dos Franceses em
Roma.
O quadro onde
diversas personagens se juntam em volta de uma mesa, destaca-se Mateus, um
cobrador de impostos contando moedas, prisioneiro de uma rotina quotidiana, e
que se libertou quando foi chamado por Cristo para o seguir como apóstolo.
Jesus à direita aponta a Pedro (de costas) Mateus iluminado pela luz divina, que surge de uma oculta janela.
O pormenor da
janela fechada e da oculta janela que ilumina Mateus.
fig. 5 - Pormenor
de Vocazione di San Matteo 1599-1600
de Caravaggio
.
A fuga da prisão pela poesia
Num retrato descoberto e estudado pela Dra. Maria Antonieta Soares de
Azevedo [2], Camões é representado na cadeia do Tronco de Goa.
fig. 6 - Frontispicio da coleção de poemas de Luís Vaz de Camões (1524-1580)
pergaminho 21,7 x 14,5 cm. Museu Nacional de Arte Antiga.
No verso da estampa está escrito:
“Luis de
Camões prezo e tendo aos pés quem quis perdelo. Pintado nas Indias e foi do
propio.”
.
O épico está
escrevendo numas folhas onde se lê Canto X.
Numa das estrofes
do Canto X - o último de Os Lusíadas -
Camões parece queixar-se das razões que provocaram a sua situação em Goa.
“Mas na índia cobiça e ambição,
Que claramente põem aberto o rosto
Contra Deus e justiça, te farão
Vitupério nenhum, mas só desgosto,
Quem faz injúria vil, e sem razão,
Com forças e poder, em que está posto,
Não vence - que a vitória verdadeira,
É saber ter
justiça nua e inteira.” [3]
folhas de papel
O Canto X de Os Lusíadas, consiste de
um modo geral em descrever e exaltar as possessões e as lutas do portugueses
por todo o mundo então conhecido.
“Eis-aqui as novas partes do Oriente
Que vós outros agora ao mundo dais,
Abrindo a porta ao
vasto mar patente.” [4]
Para tal, parece
ter-se socorrido de mapas e de crónicas como os que estão representados na
estampa e, sobretudo, das memórias e das vivências das suas viagens por África
e Ásia
“No mais, Musa, no mais, que a lira tenho
Destemperada, e a voz enrouquecida;
E não do canto, mas de ver que venho
Cantar a gente surda, e endurecida.
O favor com que mais se acende o engenho,
Não no dá a Pátria, não, que está metida
No gosto da cobiça, e na rudeza
Düa austera, apagada, e vil tristeza.” [5]
[1] Paul Éluard (1895-1952), Plus loin (1924) de Poesie Ininterrompue II in Oeuvres Complètes II, Gallimard (pág. 665).
[É pela janela que se escapa.
Prisioneiro, é pela
janela
que se alcança outro
mundo
um mundo onde se imita
a perfeição
a beleza a bondade a verdade
as paixões ardentes
e a
felicidade e a tua prisão
breve espaço.
Mas teus desejos têm a cor
do vento.]
[2]
Maria
Antonieta Soares de Azevedo, "Uma nova e preciosa espécie iconográfica
quinhentista de Camões" in "Panorama", n.º 43-44, IV série,
Lisboa Setembro 1972.
[3] Luís
Vaz de Camões (1524-1580, Os Lusíadas Canto X estrofe LVIII in Obras de Luís de
Camões. Lello & Irmão - editores Porto 1970. (pág. 1376).
[4]
Luís Vaz de Camões (1524-1580, Os
Lusíadas Canto X estrofe CXXXVIII in Obras de Luís de Camões. Lello & Irmão
- editores Porto 1970. (pág. 1386).
[5]
Luís Vaz de Camões (1524-1580, Os
Lusíadas Canto X estrofe CXLV in Obras de Luís de Camões. Lello & Irmão -
editores Porto 1970. (pág. 1398).



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