Um postal do Porto
para quem frequent(a)ou as Belas Artes
Figura 1- Postal. Porto-Avenida
Rodrigues de Freitas c. de 1925.
A
Avenida Rodrigues de Freitas (antiga estrada ou rua do Reimão, depois Rua de S.
Lázaro e ainda rua do Heroísmo) desde 1910 homenageando José Joaquim Rodrigues
de Freitas (1840-1896), natural do Porto, formado em Engenharia, foi professor,
escritor e o primeiro deputado republicano ao Parlamento.
Na
Carta Topographica da Cidade do Porto de Telles Ferreira de 1892 estão
assinalados alguns comentários a este postal.
Figura 2 - Pormenor da "Carta Topographica da Cidade do Porto que foi
mandada levantar por ordem da Camara Municipal da maesma Cidade referida ao
anno de 1892. Dirigida e levantada por Augusto Gerardo Telles Ferreira General
de Brigada Reformado coadjuvado pelo Capitão de Cavalaria Fernando da Costa
Maya e mais empregados.
Ao centro da Avenida ainda sem árvores
circula à esquerda o eléctrico modelo 1925 da Linha 12 Praça da Liberdade-Campanhã (via
Praça da Batalha).
A Linha 12 foi
inaugurada em 1875, para permitir a circulação do Americano, transporte sobre carris puxado por mulas, e destinava-se
a ligar a Estação de Pinheiro de Campanhã, então inaugurada, com o centro da
cidade. A tracção animal foi extinta em 1904.
O carro eléctico
circula à esquerda (no sentido poente-nascente), o que permite datar o postal
como anterior a 1928
(quando em 14 de Abril foi
aprovado o Código da Estrada, publicado em anexo ao Decreto n.º 15.536, que
entrou imediatamente em vigor.
Assim o postal deve
ser anterior a 1928.
À direita da imagem o muro que limitava o jardim (com o n.º 2 na planta) da
autoria do arquitecto paisagista belga, Florent Claes, do Palacete (n.º 3 da
planta) mandado construir por António Ribeiro Fernandes Forbes (1791-1862).
Este palacete foi adquirido por José Teixeira da Silva Braga
(1811-1890) e o seu filho José Braga Júnior, Vice-cônsul do Brasil no Porto,
tornando-se conhecido como o Palacete Braguinha.
Após a morte do “Braguinha” o palacete foi ocupado em 1917
pelo Instituto Superior de Comércio do Porto e em 26 de Junho de 1933 pelo
Decreto-lei n.º 23 103 de 9 de Outubro de 1933, foi destinado à Escola de
Belas Artes: “Artigo 5.º O edifício onde
funciona actualmente o Instituto Superior de Comércio do Pôrto ficará destinado
para instalação da Escola Superior de Belas Artes do Pôrto.”
Em 3 de Fevereiro de 1939 a Escola de Belas Artes toma posse
do edifício. (Hoje Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto. Sempre me
perguntei porque não conservaram o consagrado e histórico nome de Escola de
Belas Artes acrescentando da Universidade do Porto??!!)
Na empena do edifício vizinho do palacete Braguinha (n.º 1
da planta) está afixado um cartaz de um dos muitos filmes adaptando a obra de
Victor Hugo Os Miseráveis. Este longo
filme mudo (com a duração de 6 horas e 30
minutos), foi realizado em 1925 por
Henri Fescourt (1880-1966) e contava no seu
elenco com Gabriel Gabrio
(1887-1946) no papel de Jean Valjean,
Jean Toulout (1887-1962) Javert,
Sandra Milowanoff (1892-1957) Fantine,
Renée Carl (1875-1954) Cosette e
Suzanne Nivette (1894-1995) Eponine.
Figura 3 - Pormenor do Postal rodado a 90º graus.
Figura 4 - Álbum de apresentação do filme de Henri
Fescourt (1880-1966) Les
Misérables, 1925 Société des Cinéromans, Pathé Consortium Cinéma.
Figura
5 -Uma página do Álbum
Figura 6 - A empena que se mantém na actualidade destacada em Google Earth.
[Por outros pormenores
da fotografia suponho que se trata deste filme e não de um outro realizado em
1934 e dirigido por Raymond Bernard (1891-1977), e que foi exibido no cinema
Trindade em 1935.]
Figura 7 - Cartaz do filme de 1935
Figura 8 - Publicidade da empresa Filmes Castello Lopes SARL na Revista Invicta
Cine n.º 228 de 11 de Março 1935 ano XII (pág. 19).
À esquerda o Palacete do Visconde
da Gândara (n.º 4 na planta), António Correia de Magalhães
Ribeiro (1835-?).
O título foi-lhe concedido por Decreto de
D. Luiz I Luís I de 8 de Julho de 1886.
Em 28 Junho de 1890 o
Visconde de Gândara apresenta na Câmara Municipal as plantas da casa que
pretende construir no gaveto da Rua de S. Lázaro e Rua do Visconde Bóbeda e em
1 Agosto, solicita a aprovação dos alçados da mesma casa.
Em 1948 o prédio é adquirido pela Associação dos Industriais de Ourivesaria
e Relojoaria do Norte fundada em 1943, que aí se mantém.
Figura 9 - O palacete do Visconde de Gândara (Associação dos Industriais de
Ourivesaria e Relojoaria do Norte) 1958. foto Teófilo Rego. AHMP.
Segue-se
um conjunto de edifícios, onde no penúltimo se instalará em 1956 o Instituto do
Serviço Social. (n.º 5 na planta).
O Reimão
Na
esquina da Avenida com a Rua do Barão de S. Cosme (n.º 6 na planta) situava-se
o Hotel do Reimão, no edifício em se havia instalado no século XIX, o famoso
Restaurante Reimão que Camilo Castelo Branco recorda em “O Cancioneiro Alegre”.
Diz Camillo:
“Evaristo Basto *,
primeiro folhetinista do seu tempo, Girão **, o actual visconde de Benalcanfôr e eu tínhamos dias assignalados, ha
24 annos, de jantar no Reimão, na taberna de um maneta que levou d'este mundo o
segredo da boa pescada com cebolas.”
[*Evaristo José d’Araújo Basto (1821-1865) **António Luís Ferreira Girão (1823-1876)]
E nos anos 80 do século XIX o Reimão é referido pelo “Almanach do Trinta”, uma publicação
republicana e anticlerical dirigida por Cecílio de Sousa (1842-1897), num
escrito intitulado “O Porto ao correr do pelo”,
entre referências a cafés e botequins do Porto refere o Reimão da seguinte
forma:
“Ninguem tem como elle o melhor verdasco. Se
não, que o diga o Pinto, o Vasconcellos, o Wanymell, o Sanhudo *, o Cruz, e
toda a boa rapaziada que dão alma, vida e coração por uma pratalhada de tripas
e competente enfeite aos quarteirões do maduro. Que bellas tardes de junho à sombra do arvoredo do quintal com a Micas
a berrar – quer berde?”
[*Sebastião (Sampaio de Souza) Sanhudo (1851-1901)]
Figura 10 - Jornal do Porto n.º 193
XXXII Anno 1890 de Sábado 16 de Agosto (pág. 2)
Em 1890 refere
o “Jornal do Porto” “Restaurante Reimão -
este conhecidíssimo restaurante acha se situado n’um edifício magnífico, expressamente
construído para esse fim. Os aposentos, assim como o serviço do hotel, são dos
mais apreciáveis e os preços muiyo módicos. É este, sem duvida, um dos
estabelecimentos que mais prima na escolha dos seus vinho, sortindo se sempre
nas regiões mais afamadas e assim se explicam e justificam os créditos que gosa
no Porto e em grande parte do paiz o antigo Reimão”
E no ano
seguinte também o jornal “O Primeiro de Janeiro” refere:
“Inaugurado a 1 de Março de 1891 o Granda Hotel
Reimão, estabelecido num magnífico prédio ultimamente construído em S. Lázaro”
Camillo Castelo Branco Cancioneiro Alegre de Poetas Portuguezes e
Brazileiros, Segunda
edição, seguida dos Críticos do Cancioneiro. Volume I. Livraria Internacional de Ernesto Chardron Casa editora. Lugan &
Genelioux, Successores. Porto 1887. (pág. 98 e 99).
Jornal do Porto n.º 193 XXXII Anno 1890 de Sábado 16 de
Agosto (pág. 2)