terça-feira, 23 de julho de 2024

poemas recuperados 29

 


Rene Magritte (1898-1967), Le lieu commun 1964. Óleo s/tela 100 x 81 cm. col. particular.


viscoso musgo do destino

"Past and to come seems best; things present, worst."

Shakespeare *

 

A quem darei funestas frases vaporosas

e demais enigmas dispersos em papiros

onde cantavam as liberdades luminosas

e as verdades escondidas dos vampiros

 

Não ando já como eu andava mal curado

d’um sossegado repouso íntimo e sereno

ao caminhar doente desfeito e maltratado

com secreta raiva de ingerir tanto veneno.

 

Ventando na flauta pobre som da melodia

insatisfeito prazer que em nós se entranha

por qualquer modo descuidado e repentino

 

No levantar da iluminada tenda d’alegria

momento onde todo divertimento se acaba

escorre em mim viscoso musgo do destino.

 

*W. Shakespeare, Henrique IV parte 2 acto 2 cena 3.(pág. 233) in The Dramatic Works of William Shakespear vol. 6 London 1809.

quinta-feira, 18 de julho de 2024

Imagens da cidade do Porto há cem anos 5

 

A rua Sá da Bandeira numa foto de Alvão de cerca de 1924.

A fotografia de Domingos Alvão mostra um trecho da rua de Sá da Bandeira no princípio de uma tarde solarenga.

Sabemos que a Casa Hortícola, que espreita no lado esquerdo da fotografia, se instalou a 1 de Agosto de 1922 no torreão sudeste do Mercado do Bolhão, na esquina da rua Sá da Bandeira com a rua Formosa, onde (felizmente) ainda se encontra.

Subindo a rua pelo lado esquerdo vai um camião de caixa aberta com dois homens sentados, seguido de uma viatura de marca desconhecida com a matrícula N – ?233 (tipo de matrícula anterior a 1937).

Poderá ser pela forma linear do para-choques traseiro um Minerva os quais haviam sido expostos no salão de 1924 no Porto e do qual existe um exemplar no Museu do Caramulo.




fig. 1 – Domingos Alvão (1872-1946). Foto 69 in A Cidade do Porto na Obra do Fotografo Alvão 1872-1946. 
Textos de Fernando Távora e Joaquim Vieira. Edição da Fotografia Alvão Porto 1984.

 

A foto mostra ainda o quarteirão entre a rua Formosa e a travessa de Sá da Bandeira ocupado por três edifícios.

Os dois edifícios a norte estão ocupados pela Singer (Singer Sewing Machine Company).

Fundada em 1851 como I. M. Singer & Co., mudou o nome para Singer Manufacturing Company em 1865, e desde 1963 para Singer Company.

fig. 2 – Pormenor da fig. anterior.

1 - O edifício de um só piso foi projectado por António Faria Moreira Ramalhão (1865-1953) em 1902.

Por cima das portas tem escrito “MACHINAS SINGER” com a grafia anterior à polémica reforma ortográfica de 1911. (É nesta ocasião, no fervor do regime republicano, que se propõe a substituição do “CH” por “QU”. (“Relatório da Comissão nomeada por portaría de Fevereiro de 1911, para fixar as bases da ortografia que deve ser adoptada nas escolas e nos documentos oficiais e outra publicações feitas por conta do Estado” de 23 Agosto 1911 publicado no Diário do Governo n.º 213 de Terça Feira 12 de Setembro de 1911.)

 

 

fig. 3 – António Ramalhão projecto para a Singer 1902. AHMP.

 

A fachada da rua Sá da Bandeira então projectada foi alterada passando a um só piso, e 6 aberturas idênticas em que a 3ª a contar do Norte é a porta de entrada. A inscrição “Machinas Singer” passou para o lintel como se vê nas fotos nº 1 e 2.

 

2 – Uma anterior fotografia do mesmo local mostra a fachada para a rua Formosa do edifício de gaveto, com de rés do chão e três pisos, e apresentando do lado da rua Sá da Bandeira, correspondendo aos dois últimos pisos, uma fachada cega, onde se inseria a publicidade da Singer em largos dizeres rodeando um grande cartaz.

No rés-do-chão o mesmo cartaz nas janelas e intercalado “Máchinas Singer para Coser”.

Na rua Formosa o eléctrico verde com o n.º 109 escrito a branco da Carris.

 

fig. 4 – Fotografia 90 x 120 cm. da esquina da rua Sá da Bandeira com a rua Formosa em 191?. Arquivo Helder Pacheco, AHMP.

 

A publicidade na fachada da rua Sá da Bandeira

 No alto a toda a largura da fachada:

“MACHINAS DE COSTURA / Companhia Fabril SINGER

 Ladeando o cartaz no lado esquerdo (norte) está escrito:

Exposição de machinas / SINGER para todas as / industrias de trabalhos / artísticos que executam

Sucursaes em todas as / \Capitaes de Districtos”

No lado direito (sul) do cartaz:

 “As Machinas SINGER / São as mais apreciadas / E conhecidas em todos / Os mercados do mundo / São as que teem obtido / Os primeiros prémios / Em todas as exposições / Peça os Catálogos ilustrados”


O cartaz da SINGER

O popular cartaz da Singer com o "S" a vermelho surgiu em 1870 com uma sorridente figura feminina trajando à época e usando a máquina de costura. Na parte inferior um medalhão com “THE SINGER MANFG. CO. Trade Mark”. O cartaz em metal foi produzido pela F. Francis & Sons, companhia fundada em Londres em 1860. 


fig. 5 – O cartaz da F. Francis & Sons L.to London. SE.

 

Este cartaz esteve em uso desde o final do século XIX até aos anos vinte do século seguinte.

Foram, entretanto, produzidos outros cartazes semelhantes em que apenas, conforme o país ou local e a época, foi mudando a figura feminina.

Na fachada da loja da rua de Sá da Bandeira do Porto o cartaz (possivelmente em metal pela sua duração) é uma adaptação para Portugal deste cartaz, apresentando aquela mesma figura feminina usando um laço ao pescoço e tendo escrito em português MACHINAS SINGER PARA COSER” ao longo do “S”.

A Singer nas primeiras décadas do século XX para publicitar a sua máquina de costura - uma das primeiras mecanizações de uma actividade artesanal e doméstica - criou então, por toda a parte e em Portugal também, escolas de bordados para promover o uso (e a venda) das suas máquinas de costura.

 Por isso, nas duas escolas portuguesas que encontrei, Mafra e Vinhais, figura o mesmo cartaz da fachada da Singer na rua de Sá da Bandeira.




Em Mafra numa fotografia do Arquivo Municipal repare-se o cartaz na parede do fundo.

fig. 6Fotografia Reprodução. “CURSO “SINGER” Ensino de bordados e aplicação de acessórios MAFRA”. 10,1x15,1 cm. Arquivo Municipal de Mafra.


E em Vinhais, no excelente blogue VELHARIAS, num texto de 6 de Setembro de 2022, intitulado “As máquinas de costura Singer: apontamentos de alguma memórias familiares” o autor do blogue afirma que a fotografia apresentada, situada pelos anos 20 do século passado, mostra uma escola de costura de um familiar do autor do blogue o qual destaca a importância e o valor das máquinas de costuras nas primeiras décadas do século XX. https://velhariasdoluis.blogspot.com/2022/09/

 Como em Mafra na parede do fundo o antigo cartaz, que tem na parte superior a indicação de “A PRESTAÇÔES SEMANAES” que, como afirma o autor do blogue Velharias, mostra o valor monetário da máquina de costura, e sobre o “S” de Singer tem escrito “MACHINAS SINGER PARA COSER”, semelhante ao cartaz da fotografia de Alvão.



fig. 7Postal do blogue Velharias “de um curso das máquinas de costura Singer, que provavelmente decorreu em Vinhais.”

fig. 8 – Cartaz da Singer da fotografia anterior

 

 O novo edifício SINGER (1938/1941)

 Uma fotografia dos anos 30 mostra a rua Sá da Bandeira vendo-se ao fundo o mercado do Bolhão com a Casa Hortícola, o edifício da SINGER já com nova publicidade e os edifícios existentes até à rua Passos Manuel.

Na esquina a sede do Banco Mutuário fundado em 1884, mas que aqui se instalou em 1915 até à sua extinção em 1933.

fig. 9 – A rua Sá da Bandeira nos anos 30. A.H.M.P.

 

Em 1938 a firma Sewing Machine Company requer à CMP a demolição das suas instalações, apresentando um poderoso e moderno projecto de Artur de Almeida Júnior ocupando todo o terreno entre as ruas Formosa e a travessa de Sá da Bandeira.

 

fig. 10 - Artur de Almeida Júnior (1903-?). Projecto para o edificio Singer 1938. AHMP.

 No processo de 1938 figuram duas (desfocadas) fotografias, mas que permitem ver que entre 1922 e 1928 o antigo cartaz da fachada foi substituído por um fundo oval com a palavra SINGER.

fig. 11 – fotografia figurando no processo de 1938.

 

fig. 12 – Foto do processo de licenciamento requerido pela Singer em 1938.

 

O moderno edifício será licenciado em 1939 e concluído em Julho de 1941.

fig. 13 – Postal publicitário: Porto- edifício “Singer”. c.1941.

 

CONTINUA em

O mesmo cartaz da Singer em outras duas fotografias de Alvão




domingo, 7 de julho de 2024

poemas recuperados 28

 

Francis Bacon (1909-1992), autorretrato 1973. Óleo s/tela 198 x 147 cm. col. particular


Narciso decadente me fabrico no espelho

“Ayer se fue; mañana no ha llegado

hoy se está yendo sin parar un punto;

soy un fue, y un seré y un es cansado”. Francisco de Quevedo*

 

 Acumulando escondidas angústias ocultos revezes

ácidas ânsias em cada ano que a vida me foi dando

arrebatamentos que por vezes vivi quase ao acaso

em aventuras sem rasgo que sempre fui quebrando.

 

Discreta, confusa e banal personagem adormecida

vencido naquilo que não fui e no que pudera ter sido

obscura figura sem grandeza apenas distante na vida

meditando pelo que me calhou podia não ter nascido.

 

No correr da vida o que pudera ter sido e que não fui

púrpuras penumbras que vão ofuscando a claridade

miséria disfarçada no desdém de um agora já velho

 

Delicada alta montanha da esquecida dor do que vivi

que só no cume se sabe o lesto passar finito da idade

quando em narciso decadente me fabrico ao espelho.

 

*Francisco de Quevedo (1580-1645), Represéntase la brevedad de lo que se vive, y cuán nada parece lo que se vivió In Obras Completas de Don Francisco de Quevedo Villegas. Tomo terceiro y segundo de las poesias. Sociedad de Bibliofilos Andaluces. Imp. De Francisco de P. Diaz. Sevilla 1902 (pág. 382).


quinta-feira, 20 de junho de 2024

poemas recuperados 27

 



Laurits Andersen Ring (1854-1933). Ole Looking out of the Window
1930. óleo s/tela 49 x 36 cm.  Randers Kunstmuseum, Denmark.


O rumor do mundo não é mais que um sopro

de vento, que ora aqui, ora ali passa,

e ao mudar de lugar muda de nome. *

 

Monótona chuva beliscando a janela encerrada,

ébria do aroma das águas serenas permanentes,

na falsa pálida e parda tarde de lenda esquecida,

temo que as gotas só escorram sonhos ausentes.

 

Pausa mais amarga de paraísos não encontrados

oblíqua fugidia passageira forma como se através

de pesados lentos sonhos pensados configurados,

os queremos esquecer para que voltem outra vez.

 

Narrativas de que só restam os escassos farrapos

desmantelados por tantos alheados pressupostos

nos opacos tumultos limites da maldição humana.

 

Minguado poema feito com lábios secos em fiapos

em lugares indecisos onde temos os olhos postos

para onde nos encaminhados por condição insana.

 

*Tradução de Sophia do terceto de Dante Alighieri

“Non el mondan romor altro chû fiato / di vêto ch’or viê quinci et hor viê quidi / & mutta nome perche mutta lato”

In Sophia de Mello Breiner Andersen, tradução de A Divina Comédia. Vol. II O Purgatório Canto XI. Editorial Minotauro, Lisboa 1961. (pág.119-120).


sábado, 15 de junho de 2024

Imagens da cidade do Porto há cem anos 4

 



fig. 1 – José Oliveira Ferreira e Francisco Oliveira Ferreira. Monumento aos Mortos da Grande Guerra 1920/1924. Armando Aurélio Ferreira Couto (1901-1997), fotografia 18 x 24 cm. 192?. Arquivo Armando Couto. AHMP.

Em 11 de Novembro, data da comemoração do Armistício, é inaugurado em 1924, na Praça Carlos Alberto, o Monumento aos Mortos da Grande Guerra, da autoria dos irmãos Oliveira Ferreira (o escultor José de Oliveira Ferreira (1883-1942) e o arquitecto Francisco de Oliveira Ferreira (1884-1957). (fig.1 e 2)

 Os Monumentos aos Mortos da Grande Guerra foram promovidos “pela Junta Patriótica do Norte a quem, durante a guerra, foi confiada no Norte a propaganda patriótica de protecção moral aos soldados e a seus filhos e posteriormente a consagração condigna da memória dos mortos.” [1]

 A cerimónia foi presidida pelo Presidente da República (de Outubro de 1923 a Dezembro de 1925) Manuel Teixeira Gomes (1860-1941) e pelo Presidente da Junta Patriótica do Norte, Alberto Pereira Pinto de Aguiar (1868-1948).

Por este foi “dada posse material e moral à Câmara Municipal” [2] a qual estava representada pelo seu Presidente (entre Outubro de 1921 e Dezembro de 1925), António Joaquim de Sousa Júnior (1871-1938).



fig. 
2 – Porto 1924. Monumento ao Soldado na Praça Carlos Alberto. Centro Português de Fotografia PT-CPF-APR-001-001-007325.


[1] Auto de inauguração e entrega à Câmara Municipal do Porto do Monumento do Porto aos Mortos da Grande Guerra de 11 de Novembro de 1924. AHMP.

[2] Idem.


A “pedra fundamental” fora colocada em 24 de Agosto de 1920, no centenário da revolução liberal de 1820, na presença do então Presidente da República (entre 1919 e 1923) António José de Almeida (1866-1929), do Presidente da Comissão (Administrativa) Câmara Municipal (entre 1919 e 1920), José Gonçalves Barbosa de Castro Júnior (1858-1920), dos representantes da Junta Patriótica do Norte e de outras personalidades. [1]

Concebido ainda nos anos da guerra, apresentava a figura de um soldado trajando à romana, inspirada na estátua do “Porto”, do escultor João Joaquim Alves de Sousa Alão (1777-1837) [2], que encimava o edifício dos Paços do Concelho na Praça da Liberdade.


Com a demolição do edifício em 1916 para a abertura da Avenida dos Aliados, a estátua foi transferida para junto do Paço Episcopal onde a Câmara se instalou até à inauguração do novo edifício ao cimo da Avenida em 1957. (fig. 3 e 4).


fig. 3 - Foto do Paço Episcopal onde se encontrava instalada a CMP. 1935. AHMP.





fig. 4 – Foto do “Porto” junto ao Paço Episcopal onde se encontrava instalada a CMP. AHMP.

[1] Como consta da Cópia do Auto Comemorativo da Colocação da Pedra Fundamental dp Monumento aos Mortos da Grande Guerra, pertencentes ao Concelho do Porto 24 de Agosto de 1920. AHMP.

[2] Para saber mais consultar Susana Moncóvio  O Escultor João Joaquim Alves de Sousa Alão (1777- 1837); Contributos para a sua Biografia. In Boletim de 2019, 4ª série n.º 4 da Associação Cultural Os Amigos do Porto. Porto Dezembro 2019.


O monumento dos irmãos Oliveira Ferreira apresenta ainda um padrão que, constituindo inicialmente uma afirmação da soberania, se tornou também símbolo de nacionalidade, procurando homenagear assim os soldados portugueses mortos no conflito de 1914/18.

O padrão, curiosamente, será recuperado pelo Estado Novo como critério para a reclassificação dos projectos para o Concurso de Sagres. (Veja-se o projecto de Carlos Ramos polemicamente classificado em 1º lugar em detrimento do projecto dos irmãos Rebello de Andrade.) [1]

 Logo após a inauguração, o monumento foi vivamente criticado nos jornais e revistas da época e alvo de chacota pela população que o apelidou de “Portorrão”. [2]

Alberto Aguiar da Junta Patriótica do Norte reconhece mais tarde que

“Não agradou na sua concepção e proporções, embora tivesse a sanção muda do público, perante o qual foi largamente exposta a sua maquette, e saísse incólume das repartições camarárias por onde transitou o seu projecto, sem o que não poderia ser construído.” [3]

 



[1] A classificação do 1º concurso suscitou polémica entre os concorrentes, que elaboraram um documento dirigido a Salazar, intitulado “Representação a sua Excelência o Presidente do Ministério doutor António de Oliveira Salazar para que seja construído em Sagres o monumento digno dos Descobrimentos e do Infante”, mais conhecido como a “Representação de 35”, onde se defendia um “estilo português de arquitectura moderna” e à semelhança do “Fascio” que, como vimos, na Itália de Mussolini se tornava o elemento base da arquitectura, os signatários da Representação 35, pretendem que o “Padrão”, seja o elemento e o motivo fundador da moderna arquitectura portuguesa.

[2] José Guilherme Ribeiro Pinto de Abreu. A escultura no espaço público do Porto no século XX: Inventário, História e Perspectivas de Interpretação. Porto: Faculdade de Letras da Universidade do Porto, 1996.

[3] Alberto de Aguiar (1868-1948). Junta Patriótica do Norte: 15 anos de Benemerência 1916-1931. Relato geral da sua obra e da Casa dos Filhos dos Soldados. Empresa Industrial Gráfica do Pôrto, L.da,  Porto 1932.


De facto os traumas da guerra puseram em crise todo um conjunto de valores e convenções, em que até então se tinha vivido, propiciando a transformação das mentalidades e do gosto.

Com a guerra e com o avanço das ideias sociais nasce uma estilística nova, em que a produção de objectos se desinteressa da estética da forma, e procura a eficácia técnica e a reprodutibilidade, de uma forma de tal modo imperativa, que se irá constituir em linguagem ou se se quizer em estilo, que se denominará Art-Déco. 

No pós-guerra português inicia-se a generalização do uso da electricidade, são criadas novas redes de infraestruturas urbanas, aumenta o uso do automóvel e dos transportes motorizados e sobretudo aumenta a difusão da informação pelos meios de comunicação como a fotografia, a rádio e o cinema.

Cria-se assim um novo gosto difundido pelas artes gráficas em publicações e cartazes - ainda o principal meio de comunicação visual - procurando com o avanço das técnicas de impressão e da fotografia, um grafismo e um conteúdo explicitamente moderno, com capas e ilustrações de diversos artistas plásticos, dessa nova geração nascida com o século XX.

 Por isso, logo em Janeiro de 1925 a Câmara Municipal acaba por decidir mandar demolir o monumento, sendo aberto um concurso para, no mesmo local, erigir um novo Monumento aos Mortos da Grande Guerra.

 Em 1927 é iniciado o actual Monumento da autoria do escultor Henrique Moreira (1890-1979) e do arquitecto Manoel Marques (1890-1956).

Desta cerimónia é lavrado um Auto Comemorativo ilustrado por uma imagem realista de um soldado que “jaz morto e apodrece” [1] coberto pela bandeira nacional. (fig.5)

fig. 5 - Enio Machado (?- 19?), ilustração no Auto Comemorativo da colocação da Pedra Fudamental do Monumento aos Mortos da Grande Guerra.11 Novembro de 1927. AHMP.


[1] Como no conhecido poema O Menino de sua Mãe de Fernando Pessoa aliás sensivelmente da mesma época. In Fernando Pessoa. Obra Poética. Companhia Aguilar Editôra. Rio de Janeiro 1965. (pág. 146).


O novo Monumento será inaugurado em 1928 comemorando a data da batalha de La Lys: 9 de Abril de 1918. (fig. 6 e 7).



fig. 6 – Henrique Moreira (1890-1979) e Manuel Marques (1890-1956) Monumento aos Mortos da Grande Guerra 1927/28.

 

Correspondendo a esse novo gosto que então se vai difundindo no Porto o pedestal “Art-Dèco” de Manoel Marques é constituído por um padrão estilizado com os escudos de Portugal e encimado pela Cruz de Cristo.

Composição elaborada com a utilização de formas geométricas, formas como o cubos, e paralelepípedos, acentuando e combinando as linhas rectas horizontais e verticais.

A figura do soldado representada de uma forma contemporânea com a grande Guerra, tendo aos pés balas e flores e uma coroa de flores em bronze.

Quando o monumento tinha ganhado um significado mais abrangente, como homenagem aos que em diversos conflitos armados deram a vida pela Pátria, a Porto 2001 elaborou um projecto alterando a morfologia da praça, que não foi realizado.

Na mesma ocasião a construção do parque subterrâneo obrigou à retirada do Monumento  tendo alguns dos motivos sido retirados e acabado por se perderem.

Na então possível recuperação da praça Carlos Alberto manteve-se o desenho do pavimento que procura dirigir visualmente para o monumento, organizando todo o espaço da praça.


fig. 7 – A Praça de Carlos Alberto na inauguração do Monumento aos Mortos da Grande Guerra em 1928.

quinta-feira, 6 de junho de 2024

poemas recuperados 26

 


Marc Chagall(1887-1985). Le Paysage bleu1949, guache s/papel 77×56 cm. Von der Heydt Museum, Wuppertal, Germany.


nada mais peço

Se este desejo que mais sinto não me engana

vai crescendo como qualquer fruto amadurece

arde em paixão, em prazer, como uma chama

que se vai consumindo e em cinza permanece.

 

E quando cansado ao fundo da alma se desce

pelo abismo do sonho em esplendor silencioso

a ilusória calma, repouso em que se adormece

em sono profundo mais íntimo mais misterioso.

 

E se acordo acalmado de paixões, quase isento

para esse tempo que ainda me tenho reservado

tempo onde vou errando e tantas vezes tropeço.

 

Sem a enfadonha moral e a preguiça de vencer

voltar aos alegres lisonjeiros sonhos acordados,


inalcançável desejo tão antigo. Nada mais peço.