quinta-feira, 25 de abril de 2024

poemas recuperados 21

 


Tiziano Vecelli (1490-1576) Sisyphus 1548/49 óleo s/ tela 237 x 216 cm. Museu do Prado Madrid.


fúria revoltada que se entranha

“Il faut imaginer Sisyphe heureux.” Camus*

 

Na acolhedora e na húmida intimidade

do fluir de ondas em cólera espumante

neste dia solidário que não terá idade

surge a solidão indiferente, marulhante.

 

Nesse estar só, que escuto murmurante,

onde se cria a ténue comovida saudade,

com alma quebrada e raízes arrancadas,

nasce um não-sei-quê frio que me invade.

 

Os inquietantes segredos que sustentam

crespa iniquidade, tanta miséria humana,

são esta fúria revoltada que se entranha.

 

Nas funestas blasfémias que se apregoam,

equívocos de lívida honra ensanguentada,

sou Sísifo empurrando pedra na montanha.

 

*Albert Camus (1913-1960). Le Mythe de Sisyphe, éditions Gallimard Paris 1942. (pág. 45).



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