quarta-feira, 22 de maio de 2024

poemas recuperados 25

 


Luca Giordano (1634-1705). Matematico c.1660. Óleo s/tela 128 x 102 cm. Museo Nacional de Bellas Artes. Buenos Aires.


Mais ou menos, eu!

Eu sou mais dos mares que sou das terras
Sou menos das margens do que sou do rio
Sou mais de ter paz do que estalar guerras
Sou mais de ter calor do que tremer de frio.

Sou mais de ser o louco do que ser o sábio
Sou menos de elaborar do que ser fecundo
Sou mais de ser vicioso do que ser avariado
Sou mais eu próprio do que estou no mundo

Sou mais de ser generoso do que ser avaro
Sou mais a ser do que a amealhar riquezas
Sou menos mesquinho do que mãos-largas
Sou mais de duvidar do que teimar certezas

Sou muito mais a usar mãos do que os pés
Sou menos de um choro do que morrer a rir
Sou mais de gritar e berrar do que ao invés,
calar o que penso ter uma opinião e desistir.
 
Sou mais do sabor salgado do que do doce
Sou menos de calcar praça do que avenida
Sou mais de sentir um afago que um couce
Sou mais lesto na descida do que na subida.
 
Sou mais de somar e de adir do que subtrair
Sou mais de cumprir tarefa que curtir no ócio
Sou menos de partir do que de permanecer
Sou mais a ser seguro do que tentar negócio.

Sou mais a sentir alegria do que melancolia
Sou menos no inverno do que sou no verão
Sou mais na poesia do que apenas fantasia
Sou bem melhor na melodia que na canção.

Sou mais de ir à luta do que esperar a sorte
Sou menos de crer no acaso do que é certo
Sou mais a amar a vida que a viver a morte
Sou de ir mais longe do que ficar por perto.

Sou mais de ser querido do que ser amado
Sou menos do que é pesado do que é leve
Sou mais de ter paixões do que de fiel amor
Sou mais do agora já do que está p’ra breve.

Sou mais a lutar na vida do que de quebrar
Sou menos de amar do que de fazer amor
Sou mais a aceitar perder do que a festejar
Sou mais de esquecer do que sentir rancor.

Sou mais de vinho tinto do que de branco
Sou menos de pão de trigo do que a broa
Sou mais de ter pecados do que um santo
Sou mais da civil cara do que da real coroa.

Sou mais do improviso do que usar talento
Sou menos de furores do que sentir ternura
Sou mais de andar vivo de cabeça ao vento
Sou mais em dia claro que em noite escura.

Nesta soma de mais e menos e vice-versa
tanto faz ser mais ou ser menos, nos totais,
vença o mais ou o menos nunca interessa,
acabam os mais e os menos quase iguais.

Tantos mais tantos menos d’isto ou d’aquilo
E se menos e mais vos parecem ser demais
lembro o que na escola aprendi; fico tranquilo
sei que menos por menos dá sempre mais.

 

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