sábado, 16 de novembro de 2024

Um acontecimento no Porto em 1939

 

 

 

Domingo, 15 de Janeiro de 1939. Teve grande impacto a amaragem de um avião alemão junto à Afurada.

 

Uma fotografia do avião na Afurada


O Hidroavião alemão Nordmeer da Lufthansa na Afurada.

Ilustração n.º 315 de 1 de Fevereiro de 1939.

 

Acompanhando a fotografia a seguinte legenda, que indica que o avião faria a viagem da Alemanha para a América do Sul via Açores: “O quadrimotor “Nordmeer” que acossado pelo temporal, fez uma amaragem forçada junto da barra do Douro, quando se destinava a Lisboa, na sua carreira da Alemanha à América do Sul. Os pilotos daquela barra conseguiram, após porfiados esforços, salvar o aparelho e os seus cinco tripulantes.” (Ilustração n.º 315 de 1 de Fevereiro de 1939.)

 O Jornal O Comércio do Porto do dia seguinte, Segunda feira 16, dava notícia do alarme que a amargem causou e noticiava que “Ao principio da tarde de ontem, correu célere a noticia de que um quadrimotor fora forçado a amarar no estuário do Douro, por alturas do lugar do Ouro e que a tripulação corria sérios riscos. O eléctricos que seguiam da Praça da Liberdade para a Foz e Leça da Palmeira começaram a passar cheios e os automóveis de praça a andar numa roda-viva.

Os resultados do futebol que aos domingos são o assunto do dia não despertaram ontem interesse e a população citadina não falava em outra coisa, que não fosse o desastre do avião.

Dirigindo-nos ao local do suposto acidente, verificamos que não se tratava de desastre, mas de amaragem normal, embora forçada em consequência do mau tempo.

O hidroavião quadrimotor Nordmeer, de nacionalidade Alemã, que faz carreira postal, entre a Alemanha e o norte de África com passagem por Lisboa, tinha de facto amarado em frente ao lugar do Ouro, mais propriamente na margem esquerda do rio, lugar de São Paio, devido ao temporal; mas desastres materiais ou pessoais, não tinha havido.

O Nordmeer saíra da sua base de Travemunde, Alemanha, com cinco homens de tripulação: comandante, piloto, 2º piloto, telegrafista e mecânico, repectivamente snrs. Blume, Modroux, Stoltz, Amphlett e Roesel e dirigia-se para Lisboa, donde levantaria, de novo, voo com destino a Las Palmas.

O quadrimotor – um aparelho moderno e de linhas elegantes – viera até Espanha, sem qualquer incidente e sem que o tempo impedisse o prosseguimento da viagem. Ali, porém, o aparelho, apesar de potentíssimo, devido ao vento impetuoso começou a lutar com dificuldades de diferente ordem. O comandante ordenou que seguisse para Lisboa, no intuito de encontrar melhores condições atmosféricas e, portanto, o aparelho poder descer sem dificuldades.

Em breve, o telegrafista, firme no seu posto, pôs-se em comunicação com a Rádio Telegráfica de Monsanto, recebendo informação de que Lisboa, estava debaixo de violentíssimo temporal e seria difícil poisar em boa ordem.

Nesta eventualidade, nova ordem do comandante para sobrevoar o rio Douro e ver se o aparelho poderia amarar.

Assim sucedeu e a manobra fez-se facilmente, sem que o aparelho sofresse a mais ligeira avaria.

Foi logo requisitada a presença de todas as corporações de bombeiros desta cidade, cujos serviços não chegaram a ser utilizados por serem desnecessários.

O Nordmeer foi rebocado, em seguida, para próximo do Cabedelo, onde ficou a flutuar.

Os tripulantes desembarcaram mais tarde e instalaram-se num hotel da cidade do Porto.

O aparelho espera que o temporal passe para poder levantar voo em direcção a Lisboa, donde como acima se disse, seguirá para Las Palmas.” (O Comércio do Porto, Segunda feira 16 de 1939)

 

Na Quarta-feira, 18 de Janeiro o Diário de Lisboa dava notícia da partida do quadrimotor rumo a Lisboa: “Levantou vôo esta tarde, cêrca das 15 e 30, com rumo a Lisboa, o avião alemão “Nordmeer”, que se encontrava amarrado, no rio Douro, desde o passado domingo. O seu abastecimento foi feito esta manhã, tendo para esse efeito sido puxado mais para junto de terra, a fim de receber o combustível por intermédio duma mangueira assente sobre uma fileira de bateiras da Afurada. Antes de descolar fez algumas corridas a favor e contra a fortíssima corrente das águas, depois do que se ergueu normalmente, e evolucionou muito baixo sobre a cidade, seguindo em direcção ao sul.” (Diário de Lisboa 18 de Janeiro de 1939)


O “Nordmeer” (Mar do Norte) e o avião semelhante o “Nordwind” (Vento Norte), pertenciam à Deutsche Lufthansa (fundada em 1926).





Eram aviões com 25 metros de envergadura e 18 de comprimento e pesavam 16 toneladas.

Os quatro motores diesel tinham, cada um, 600 cavalos de potência, sendo a velocidade de 250 Km/hora, com um raio de acção de 5.000 quilómetros.


Este acontecimento veio (re)colocar a necessidade da construção de um aeroporto no Porto, já que o rio Douro não permitia a construção de um aeroporto para hidroaviões, então ainda os aviões mais utilizados na aviação comercial que se vinha desenvolvendo a partir do final da I Grande Guerra.

 A cidade pretendia a construção de um aeroporto localizado a Norte que substituísse o aeródromo de Espinho de 1935.

 

Em 1932 Ezequiel de Campos (1874-1965) no seu “Prólogo ao Plano da Cidade do Porto” já referia o assunto do aeroporto num capítulo intitulado Campos de Aviação.

 

Ezequiel de Campos localização do aeroporto do Porto. Pormenor da planta Traça das ruas primárias da Cidade do Porto no Prólogo ao Plano da Cidade do Porto de 1932

As reflexões sobre o Campo de Aviação de Ezequiel de Campos são o reflexo do que era a aviação comercial no início dos anos 30, que começava a dar os seus primeiros passos.

“Tem sido muito falado o campo de aviação.

Não nos embrenhemos no caso. Refe­rimos apenas que o campo de aviação deve ficar tão perto quanto possível do centro da Cidade: algumas centenas de campos de aviação modernos estão em média dentro de quatro quilómetros e meio do centro urbano; outros a seiscentos metros; alguns a vinte quilómetros, e mais —pela dificuldade de obter espaço livre no centro da cidade. Alguns por isto se tem abandonado.

Não deve ficar a mais de vinte minutos do centro da cidade por automóvel, e do porto de mar ou fluvial — por estradas boas: para bem por linda avenida. E perto das estações de caminho de ferro.

O tamanho do campo de aviação é definido pêlos aviões que o hão-de utilizar. Actualmente os aviões pesados levantam voo em 600 metros horizontais, em pequena altitude; mas requerem maior espaço para as eventualidades do motor. Há aviões que exi­gem 1.100 metros para levantar voo. —Muitos feitios e formas de campos de aviação se têm usado.

Tirando a militar, parece que a aviação comercial tende a decair das primeiras perspectivas. Sem apoio político, poucas carreiras poderão viver: tais se afiguram as do Porto.

Podemos aceitar o campo de aviação na Senhora da Hora: perto do centro da Cidade, perto de Leixões e perto das estações de caminho de ferro; embora fosse ideal obter ainda distâncias menores. Não perturbará muito os lugares de residência.

A topografia do Porto não se presta bem para campos de aviação.

Na Foz do Douro, abaixo da Arrábida, os hidroaviões têm pousado. — Necessário prever desembarcadouro e as instalações anexas — se valer a pena.” (Ezequiel de Campos, Prólogo ao Plano da Cidade do Porto 1932)

Em 21 de março de 1935 é fundado o Aero Club do Porto.

 E em 1938 Cupertino de Miranda ainda reclamava um “campo de aviação”:

“Sem dúvida também, como complemento da rede de comunicações, não tardará a dotar-se o Porto com as condições indispensáveis à sua comunicação nacional e internacional pela via aérea. Não faz sentido que núcleo como este, obrigado a intensivas relações económicas, - a época é da velocidade e o tempo, mais que nunca é dinheiro -, se encontre impossibilitado de servir-se, com facilidade e rapidez, das grandes carreiras aéreas internacionais, à falta de aviões que entronquem com aquelas linhas.”  (Cupertino de Miranda in Carlos Bastos e outros - Nova Monografia do Porto – Companhia Portuguesa Editora, L.da – Porto 1938)

Mas, só em 1945 a 3 de Dezembro é inaugurado o aeroporto do Porto com o nome de Aeroporto De Pedras Rubras, que em 1990 passa a designar-se por aeroporto Francisco Sá Carneiro. Em 2005/6 é construído o actual terminal.


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