quinta-feira, 20 de fevereiro de 2025

O 1.º Salão de Outono um apontamento sobre o centenário

 O I Salão de Outono 1925

(sujeito a algumas pequenas correções)

fig. 1 – Catálogo “Exposição d’Arte. 1º Salão d’Outono. Organizado pelo pintor Eduardo Viana na Sociedade Nacional de Belas Artes. No Ano de 1925.” CAM-FCG (Centro de Arte Moderna da Fndação Calouste Gulbenkian)


Notas

Nota 1 – Nem todas as imagens são de pinturas expostas no Salão. Outras são de 1925 ou anteriores e não sei se figuraram ou não na exposição.

Nota 2 – Todos os sublinhados e negritos são da minha autoria.

Nota 3 – Manteve-se a ortografia original dos autores.

Nota 4 – Não se usa o novo Acordo Ortográfico

Nota 5 – O Centro de Arte Moderna da Fundação Calouste Gulbenkian é referido como CAM-FCG.

O I Salão de Outono 1925

Há cem anos, abria na Sexta-feira 23 de Janeiro de 1925, na Sociedade Nacional de Belas Artes, o I Salão de Outono, organizado pelo pintor Eduardo Viana

Participaram, para além dos desaparecidos Amadeo Sousa Cardoso (1887-1918), Guilherme Santa Rita (1889-1918) e Manoel Jardim (1884-1923) participaram os artistas da geração de antes da 1ª Guerra como Eduardo Viana(1881-1967), Almada Negreiros (1893-1970), António Soares (1894-1978), José Pacheko, Alberto Cardoso (1881-1942), Albert Jourdain (1891-1978), Almada Negreiros (1893-1970), António Soares (1894-1978), António Varela (1902-1962), Eduardo Viana (1881-1967), Emmerico Nunes (1888-1968),  Francisco Smith (1881-1961), Jorge Barradas (1894-1971), Lino António (1898-1974), Luís Burnay (1884-1951), Maria Clementina Carneiro de Moura (1898-1992), Mário Eloy (1900-1951), Mily Possoz e Sarah Afonso (1899-1983).

 

E como novidade do Salão, a participação de arquitectos, com a presença de Tertuliano Marques (1882-1942) Prémio Valmor de 1921, e os jovens arquitectos, Luís Cristino da Silva (1896/1976) que tinha realizado uma exposição em 19 de Janeiro de 1924[1]; Carlos Ramos (1897/1969) autor da Agência Havas e do Bristol Club; Jorge Segurado (1898/1990) e Gonçalo de Mello Breyner (1896-1947), Leo Walegh (?). Todos vão expor os seus projectos ou realizações, na procura de uma arquitectura moderna para a época.



[1] Referido no nº. 936 de revista Ilustração Portuguesa de 26 de Janeiro de 1924.


O Salão de Outono pela sua origem polémica e porque foi uma exposição com divulgação na imprensa fez chegar a um grande público o trabalho dos “modernos”. Assim surgem, para além de referências à abertura do Salão, críticas em diversas publicações.

As opiniões, as escolhas e as considerações que os diversos articulistas fizeram sobre o Salão de Outono, revelam qual era há em anos o panorama das artes em Portugal.

Assim recolhemos as seguintes referências ao Salão na imprensa de Janeiro a Fevereiro de 1925, durante a sua realização:

ref. 1 Não assinado “!.º Salão de Outono” na “Alma Nova” n.º 25-27 de Janeiro-Março pequena referência não assinada com fotografias de alguns dos quadros expostos.

ref. 2 Artur Portela (1901-1959) escreve na “A Arte Moderna - O Salão de Outono inaugurou-se na Sociedade Nacional de Belas-Artes” no “Diário de Lisboa” de 24 de Janeiro

ref. 3 Matos Sequeira (1880-1962) “O Salão de Outono na S.N.B.A.” no “O Mundo” de 25 de Janeiro

ref. 4 Aquilino Ribeiro (1885-1963) “O Salão de Outono” no “O Século” de 26 de Janeiro

ref. 5 Vitor Falcão “A Obra de Almada Negreiros – A propósito do Salão de Outono” no Diário de Lisboa de 26 de Janeiro

ref. 6 Mário Domingues (1899-1977) no jornal “A Capital”, no dia 27 de Janeiro.

ref. 7 Motta Cabral “Carta Aberta ao Pintor Eduardo Viana” no Diário de Lisboa de 27 de Janeiro

ref. 8 Não assinado “Salão de Outono” no “Diário de Notícias” em 28 de Janeiro.

ref. 9 Norberto Araújo (1889-1952), “Página de Quinta Feira” no “Diário de Lisboa” de 29 de Janeiro

ref. 10 João Castro (1887-1955) “A geração nova e o Salão de Outono” no “Diário de Lisboa” em 29 de Janeiro

ref. 11 J.B. Jaime Brasil (1896-1966), “O Salão de Outono continua brilhantemente as tradições do Palácio das Belas-Artes” A Batalha” em 2 de Fevereiro

ref. 12 F. de C. Ferreira de Castro (1898-1974) “Salão de Outono” no A Batalha de 2 de Fevereiro

ref. 13 Augusto Ferreira Gomes (1892-1953) “O Salão de Outono e a rehabilitação da pintura portuguesa” no Diário de Lisboa de 3 de Fevereiro

ref. 14 António Ferro (1895-1956) “Os artistas do Salão de Outono. Um belo triunfo para a nova geração – o elogio dos precursores – os quadros destinados à Brasileira do Chiado – Salão de Primavera...”  no “Diário de Notícias” - após o encerramento do Salão - em 16 de Fevereiro. 


O que escreve a imprensa

Os jornalistas referem que o Salão era uma afirmação de modernidade, da Arte que a “geração nova”, a geração nascida na transição dos séculos XIX e XX, e que então se iniciava e se procurava afirmar.

Por isso o Salão marcou a (difícil) transição entre a geração Beaux Arts e académica, para a modernidade dos que então concluíam os seus cursos, “apadrinhados” pelos “futuristas” de antes da Guerra.

 Artur Portela acentua o significado desta transição: “O que os novos fizeram agora na Sociedade Nacional de Belas Artes, dividindo o passado secular do presente que já envelhecera lá fora, interpondo entre os dois este título que é uma ponte de passagem: Salão de Outono.” [1] 

 António Ferro, na sua linguagem característica, defende a modernidade dos artistas: “Não os acusem de avançados, não os acusem de modernistas. Modernista é o sol português que põe Sol dentro da própria sombra, que incendeia as árvores, que maquilha as figuras, que põe fogo na paisagem...” [2]

Por outro lado é Jaime Brasil que se encarrega no jornal A Batalha, de atacar os novos, publicando um violento artigo O Salão de Outono" continua brilhantemente as tradições do Palácio de Belas-Artes”, onde critica ferozmente a pintura exposta. Nesse artigo afirma que “O “Salão de Outono”, como revolta é uma mistificação, como arte é uma rapaziada, que seria inocentíssima se não fosse exercer uma poderosa sugestão em muitos cérebros doentes, que assim tem de ir mais cedo aumentar a população dos manicómios. (…)  Nem originalidade, nem senso artístico, nem auto-crítica, nem conhecimentos técnicos.” [3]

 E Jaime Brasil termina a sua crónica atacando a arte moderna em nome da luta de classes:

 “Os filisteus recém-enriquecidos e os outros, por não entenderem e por não quererem passar por incultos, hão-de achar aquilo tudo muito bom. Ainda bem. Ao menos os expositores, todos simpáticos rapazes e gentis senhoras, hão-de vender os seus quadros e rir a valer da incomensuràvel estupidez humana.

O povo, porém, de quem eles se divorciaram, com desmascarado orgulho, é que não lhes irá levar as palmas do triunfo, que só o povo sabe outorgar. Acusem-no embora de ignorante e insensível, de grosseiro e inculto. É esse, por enquanto o triste jus da condição, dos que são como nós somos, altiva e orgulhosamente plebeus.” [4]

 Curiosamente, no mesmo número de A Batalha, F. C. [5] (Ferreira de Castro), mais cauteloso, escreve  “Na S.N.B.A. expõe agora os legionários da arte moderna em Portugal. Há quadros de valor. Há artistas de real talento.”

 E depois de considerações sobre o passado e o futuro da Beleza e da Arte o articulista termina considerando que “isso foi conseguido, na proporção do ambiente artístico em que vivemos, por alguns dos actuais expositores da S.N.B.A.” [6]

 Aquilino Ribeiro procura reabilitar os novos escrevendo:

“De facto, os modernistas vieram em público raso lavrar sua reabilitação, se era certo que não era inepta de toda a pecha que lhes atribuíam de desequilibrados e inconsequentes. Reabilitação honrosa em que é legitimo entrever a esperança duma pintura remoçada, diferente já que os tempos são diferentes, da que se fazia até agora. Eu sou dos que crêem que as escolas antigas podem reter e determinar grandes pintores, mas tenho como dogma a fatalidade da renovação das artes, que há de realizar-se por um esforço conjugado de todos, depois de certames mais ou menos singulares.” [7]

 

Na Alma Nova acompanhando fotografias de alguns quadros os “que mais foram apreciados pelo público”, uma curta nota escreve “Resultou uma brilhante parada de forças do Modernismo Português a Exposição de Arte, com êste título, organizada pelo conhecido pintor Sr. Eduardo Viana e ultimamente realizada na Sociedade Nacional de Belas Artes.

A “Alma Nova”, sempre solícita em aplaudir todas as iniciativas que tendam a valorizar a Arte Portuguesa, dá hoje a reprodução dalguns quadros que mais foram apreciados pelo público visitante do referido Salão.” [8]

Numa notícia não assinada do Diário de Notícias:

“Abriu ontem na Sociedade Nacional de Belas Artes o Salão de Outono, organizado por Eduardo Viana. A exposição, a primeira no género que se realiza em Portugal, reúne os nomes mais brilhantes da nova geração. Os trabalhos, que estão admiravelmente colocados, acusam uma diversidade de temperamentos artísticos, em plena pujança de beleza e de modernismo.

O Salão de Outono, que ontem já conquistou um grande sucesso, marca um novo período da pintura em Portugal.” [9]

 Matos Sequeira em O Mundo

“Na pintura, aos modernistas cabe um importante papel, já em parte desempenhado: o de agitar, perturbar e fazer evoluir por quantos sacões exagerados, tão depressa como a vertigem da época o exige, o classicismo. Foi o papel, que na poesia, coube aos decadentes e nefelibatas que tendo tomado o vertiginoso expresso em oposição ao ronceiro tramway, em que viajam os outros desde Soares de Passos, conseguiram acamaradar com estes num simples rápido. As duas forças accionando e resistindo melhoraram-se mutuamente e vieram a entender-se e a encontrar-se numa resultante justa. Nos modernistas começam já a cavar-se rugas precoces. Envelhecem depressa.” [10]

 

No Diário de Notícias o articulista afirma “Um grupo de artistas novos, vivendo com nobreza a sua independência – abriram agora um parêntesis na arte académica, reunindo-se uma exposição a que eles puseram o título Salão de Outono. Estas duas palavras foram há algumas dezenas de anos, em Paris, um grito vigoroso de revolução estética contra o “Salon” oficial que sistematicamente recusava as obras de entusiasmo moço, livres no pensamento, desempenadas de técnica, impulsivas de frémito criador.” [11]

E Mário Domingues na A Capital considera a existência de “duas grandes correntes” que se batalham no campo das artes.

“Existem em Portugal, como de resto em toda a Europa, duas grandes correntes artísticas que se opõe, que lutam, que rivalizam: a dos académicos e a dos modernistas. Os primeiros pretendem manter uma posição conquistada, os segundos desejam desaloja-los.” [12]


[1] Diário de Lisboa de 24 de Janeiro de 1925 (pág. 4)

[2] António Ferro, “Os artistas do Salão de Outono. Um belo triunfo para a nova geração – o elogio dos precursores – os quadros destinados à Brasileira do Chiado – Salão de Primavera...” in Diário de Notícias, 16 de Fevereiro de 1925, (pág. 1).

[3] Jaime Brasil, O "Salão de Outono" continua brilhantemente as tradições do Palácio de Belas-Artes, in A Batalha n.º 62 de 2 de fevereiro de 1925 (pág. 2)

[4] Jaime Brasil, O "Salão de Outono" continua brilhantemente as tradições do Palácio de Belas-Artes, in A Batalha n.º 62 de 2 de fevereiro de 1925 (pág. 2)

[5] O escritor José Maria Ferreira de Castro (1898-1974).

[6] F. de C. "Salão de Outono" , in A Batalha n.º 62 de 2 de Fevereiro de 1925.(pág. 2)

[7] Aquilino Ribeiro (1885-1963), “O Salão de Outono” in O Século de Segunda-feira 26 de Janeiro de 1925. (pág. 6).

[8] Alma Nova, n 25-27 Janeiro-Março de 1925 (pág. 18)

[9] Diário de Notícias de 24 de Janeiro de 1925 (pág. 3).

[10] (Gustavo Adriano de) Matos Sequeira (1880-1962) “O Salão de Outono na S.N.B.A.” in O Mundo de 25 de Janeiro de 1925 (pág. 1).

[11] Diário de Notícias, Salão de Outono” 28 de Janeiro de 1925 (pág.3).

[12] Mário Domingues O Salão de Outono na Sociedade Nacional de Belas Artes in A Capital de 27 de janeiro de 1925 (pág. 1)


Caso a caso

Alguns dos jornalistas, para além de considerações gerais, procuram analisar cada artista e as suas obras.

Assim comparemos o que cada um escreveu sobre os participantes no Salão.

[Nota - a partir de aqui todos os autores e as suas citações, referem-se aos artigos por eles publicados nos diversos jornais ver a lista de ref, e ver as notas de rodapé do ponto anterior]

 

Amadeo Sousa Cardoso, Guilherme Santa-Rita e Manuel Jardim

Em primeiro lugar, embora colocados um pouco à margem no Salão - talvez fruto da sua incontestável modernidade de antes a guerra - estão os homenageados e então desaparecidos.

Muitos dos críticos pretendem sublinhar a presente moderada modernidade dos artistas relativamente às por vezes "escandalosas" obras de antes da guerra. Por isso dos três, a crítica, destaca Manuel Jardim, que faleceu em 1923, e que é o que mais se aproxima do que a crítica pensa ser essa modernidade moderada.   

 Diz Artur Portela “Amadeu Cardoso, Guilherme Santa Rita e Manuel Jardim são percursores, os mortos reunidos sentimentalmente num cantinho da exposição. Diferentes, igualam-se na pujança contorcionada de talento - um talento tão grande que, não cabendo na vida, se afastou dela pelos caminhos só transitáveis às almas de irrealidade e de sonho.” (ref.2)

 Matos Sequeira isola cada um dos evocados/homenageados no Salão, e critica-os asperamente:

Sobre Amadeo Sousa Cardoso:

“Amadeo Cardoso que foi um patriarca e de cuja autoria o Salão de Outono apresenta, saudosamente, alguns trabalhos, está longe, bem longe dos seus discípulos e dos seus continuadores. Olhei as folhas de papel e os cartões indecifráveis, esparrinhados de polígonos de cor, sem nexo para a visão, e achei aquilo tudo arqueológico e tão sibilino como um machado do paleolítico para um esteta moderno.” (ref.3)

 

    












fig. 2 – Amadeu de Sousa Cardoso, Étude A 1913 óleo s/ tela 46 x 61 cm. CAM-FCG.

Sobre Santa-Rita pintor

“De Guilherme Santa Rita já falecido, exibem-se duas composições, uma das quais o Orfeu nos Infernos teve uma alta classificação, 20 valores, no critério de um dos nossos bons pintores. É um verdadeiro inferno. Seria preciso o auxílio de Dante para entender aquela estância infernal, e ter ainda por cima os olhos e ouvidos de Vergílio. Senti-me incapaz de a penetrar.”


fig. 3 – Santa-Rita pintor, Orfeu nos Infernos c.1904 óleo s/ tela 55 x 65,5 cm. Col. Conde de Monsaraz in Portugal Futurista n. 1 Contexto Editora, 1984. Lisboa 1984.

Sobre Manuel Jardim



 

“Manuel Jardim tem meia dúzia de desenhos dignos de nota, e uma pintura grande, onde, salvo a figura de mulher – bastante manequin – vale a pena repousar os olhos. Tudo quanto está metido em sombra é feito com inteligência. Os pormenores da mesa, e toalha, as frutas, as loiças, denunciam o mérito do falecido pintor.”

fig. 4 - Manuel Jardim, Le dejeuner, 1911, óleo sobre tela, 142,8 x 175,5 cm. Museu Nacional de machado de Castro Coimbra.

 

Diário de Notícias (ref. 8)

“Manuel Jardim, Guilherme Santa Rita e Amadeu Cardoso são os precursores do Salão de Outono. Artistas que já morreram, eles vivem ainda, na saudade dos novos, que já ultrapassam os seus horizontes estéticos.”

 

Aquilino Ribeiro (ref. 4) destaca Manuel Jardim que considera que deveria ter uma maior homenagem.

“Nesta exposição, evoca-se ainda a memória de três artistas falecidos, Manuel Jardim, Amadeu Cardoso, Santa Rita, com trabalhos arrebanhados pressurosamente, aqui e ali.

A figura de Manuel Jardim e a sua obra, ainda que breve, não se compadece com o espaço desta resenha. No Salão do Outono, vislumbra-se, apenas, uma centelha da requintada sensibilidade deste pintor profundamente artista e profundamente insatisfeito.”


Almada Negreiros

 De entre os artistas que expõe e que verdadeiramente podemos chamar de modernos é destacado, em primeiro lugar, o incontornável Almada Negreiros, que expõe as duas telas que havia pintado para o café “A Brasileira” do Chiado e dois Arlequins.

O café A Brasileira foi, por esta altura, remodelado pelo arquitecto (Manoel Joaquim) Norte Júnior (1878-1962), num gosto ainda longe de qualquer modernismo.

Mas foi decorado com um conjunto de pinturas de novos artistas: duas de Almada Negreiros duas de Eduardo Viana, que também as apresentará no Salão de Outono; duas de Jorge Barradas, uma de António Soares, uma de Bernardo Marques (1898-1962, uma de Stuart Carvalhais (1887-1961) e uma de José Pacheko (1885-1934).

As pinturas de A Brasileira só serão colocadas em 1926, mas terão um considerável impacto público, já que o café se situava (e situa) não longe do Museu do Chiado (Museu de Arte Contemporânea), criado em 1911 e dirigido desde 1914 por um “ultrapassado” Columbano Bordallo Pinheiro (1857-1929).

 As telas que Almada Negreiros pinta para o Café A Brasileira do Chiado e expostas no Salão de Outono de 1925 são: “Banhistas” e “Retrato de grupo”.

fig. 5 - Almada Negreiro Banhistas óleo s/tela 131 x 166 cm. CAM-FCG. 

fig. 6 - Almada Negreiros (Auto retrato num grupo) óleo s/tela 197 x 130 cm. CAM-FCG.

É sobre este quadro - que a crítica irá preferencialmente destacar - e onde Almada Negreiros se autorretrata acompanhado pelo seu amigo Francisco Martins de Sousa Nazareth (1889-1971) [1], acompanhados por uma bailarina espanhola Julia Aguilar (1899-1979), e pela actriz Aurora Gil.

Ambas as mulheres são retratadas por Almada em desenhos de 1925.

 

fig. 7 – Almada Negreiros, sem título (Julia Aguilar)1925 grafite s/papel 31,5 x 31 cm. “O primeiro apontamento da figura da espanhola que está meu lado no quadro para a Brasileira do Chiado oferece a Manuel Ventura o Almada”. Catálogo da Exposição José de Almada Negreiros Uma maneira de ser moderno no Museu Calouste Gulbenkian de 3 de Fevereiro a 5 de Junho de 2017. (pág. 339) 


[1] Terá substituído Fernando Pessoa que não quis ser retratado!

fig. 8 – Almada negreiros Retrato da actriz Aurora Gil 1925 lápis s/papel c. 30 x 20 cm. Achronima https://www.achronima.art/obras/almada-negreiros-snba/

No Diário de Lisboa Artur Portela (ref.2) escreve sobre esta pintura descrevendo as personagens, mas sem (querer?) identificar Almada Negreiros, que se autorretrata como uma das personagens, mas descrevendo as personagens femininas, que também não identifica, como frequentadoras da noite de Lisboa, de um modo, pelo menos, nada simpático.

Escreve Artur Portela: “Almada Negreiros. Entre os panneaux, que vão ser colocados na Brazileira – ideia primorosamente sugerida pelo belo espírito do meu camarada Norberto Araújo – o seu é dos primeiros. [1]

Poderia aqui colocara a expressão banalíssima de grito moderno. O quadro é uma cena de café: dois homens, num recorte de elegância que acusa pensamento, entre duas musas histéricas de paixão e cocaína. Uma, é um cartaz de vício, arranhada de loucura. A outra caniche, romântica de trottoir, tem um olhar que é uma abalada de andorinha, uma pausa de divina beleza, daquela beleza que só dá melancolia. Almada Negreiro foi másculo de mais. A sua tela é o triunfo do homem, em carne sadia, em alma profunda de intenção, vencendo a mulher contraída pelo frio do amor e da ternura.”

E refere um outro quadro Ainda de Almada um arlequim estupendo.”

Um Arlequim de Almada datado de 1925 - não sabemos se foi um dos expostos - já que Matos Sequeira em O Mundo (ref.3) refere que “Almada Negreiros apresenta os panneaux para a Brasileira e dois arlequins. Tem uma decidida atracção para os arlequins”


[1] Noberto (Moreira) de Araújo (1889-1952), também jornalista do Diário de Lisboa, onde escrevia então uma “Página da Quinta feira”, No Diário de Lisboa de Quinta feira 29 de Janeiro dá, também, notícia do “Salão de Outono”.


fig. 9 - José de Almada Negreiros, Sem Título (arlequim) 1923, aguarela s/cartolina 34,7 x 24,6 cm. “Ao meu amigo Gonçalo Breyner Lxa Nov. 23. Almada” Col. particular em depósito no Museu Calouste Gulbenkian – Coleção Moderna. N.º 88 do Catálogo da Exposição José de Almada Negreiros Uma maneira de ser moderno no Museu Calouste Gulbenkian de 3 de Fevereiro a 5 de Junho de 2017. 

Mas Matos Sequeira também destaca e descreve o quadro da Brasileira. (ref.3)

“O seu processo mais uma vez se evidencia nesse quadro, onde a roda de mármore de uma mesa ele se senta com mais um companheiro e duas damas, tendo na mão um desenho (o sr. Gualdino Gomes*).  

Nas pinturas e nas decorações deste artista há sobretudo uma grande, uma intensa jovialidade. O fundo azul do painel, a rigidez de manequins dos torsos das figuras, a alegria original que resplande na tela, obriga-nos a desvincar o rosto e o juízo.” 

[*Gualdino Gomes (1857-1948) bibliotecário e escritor.]

 O Diário de Notícias também se refere ao mesmo quadro: “Almada Negreiros é um estilizador admirável de tipos. O seu “panneau” para a Brasileira é uma obra moderna, sensível à linha, penetrada de ideia e concepção.” (ref.8)

Por sua vez, Aquilino Ribeiro em O Século (ref.4), conhecedor dos desenhos de Almada, num texto afrancesado, aprecia a ousada passagem de Almada para a pintura a óleo:

“Almada Negreiros estreou-se no óleo e insigne proeza foi a sua, manejar as tintas pela primeira vez é como debutar em patinagem. O Almada Negreiros dos desenhos a lápis perdurou, no entanto, fino, singular, drolatique*, inteligente acima de tudo, como é condão da sua índole. O arranjo da sua tela faria um honesto pintor. Há ali muito a observar: frescura, imprevisto à bon douanier Rousseau** e uma ponta de gavrocherie***. Almada não é daqueles que professam: a arte é uma coisa muito séria! A arte, afinal de contas, é como tudo, séria e hilare ou oscilando entre estes dois graus do humor humano. De resto, toda a gente sabe, Almada apraz-se nas gamas estrídulas dum violino tocado por arlequim.”

 [*Do francês drôle = divertido, engraçado]

[**Referência ao pintor naïf Henri Rousseau (1844-1910) conhecido por douanier, funcionário de Alfândega (douane)]

[***Da personagem gavroche o rapaz de Os Miseráveis de Victor Hugo. Gravoche ou gravocherie passou a significar brincalhâo, irreverente mas inteligente e corajoso.]

 

Sobre Almada Negreiros o Diário de Lisboa no dia 26 de Janeiro traz um extenso artigo de Victor Falcão (1886-1966) intitulado “A Obra de Almada Negreiros a propósito do Salão de Outono” , onde destaca o quadro de Almada e tece ainda algumas considerações sobre alguns dos pintores do Salão.

 Escreve Victor Falcão (ref. 5)

“Almada Negreiros apresenta, no Salão de Outono, um quadro de largas dimensões que é, suponho, o primeiro trabalho a óleo que realiza. Não me é fácil definir, em poucas palavras, o que é aquele quadro, apesar dele me ter deixado estupefacto quando o vi. É que não se trata de uma composição vazada nos moldes normais, com o aspecto habitual da pintura a óleo, mas sim uma obra construída por um processo inteiramente pessoal, em que as figuras, resplandecentes de expressão, estão desacompanhadas de todos os acessórios do costume.”

 

António Ferro no Diário de Notícias (ref.14) dedica a Almada apenas duas elogiosas linhas:

“É Almada Negreiros o autor da tela mais original e mais imprevista da exposição, um extraordinário artista em qualquer parte do mundo.”


Eduardo Viana

 Outro dos pintores de antes da guerra Eduardo Viana, é também, por muitos dos comentadores, destacado como organizador do Salão, e as duas pinturas expostas que pintou para a Brasileira.

Nos seus quadros Paisagem de Sintra e Paisagem Algarvia é, sobretudo salientado o uso que o artista faz da cor.

 Assim Artur Portela escreve destacando o uso da cor:

 “Eduardo Viana. Também dos primeiros do grupo, a mais forte paleta de colorista que lé vimos. É tropical. Deseja as tintas para além da sensação visual. Suga-as vorazmente.

A paisagem de Sintra, densa de côres, é de uma admirável serenidade. A linha do horizonte é única. Assim como se fala nos horizontes de Leonardo Vinci, quando se olha a Gioconda, também se devem citar os horizontes de Eduardo Viana…” (ref.2)


fig. 10 - Eduardo Viana Paisagem de Sintra 1925 óleo e cera s/tela 130 x 200 cm. Museu da Presidência da República. Palácio de Belém.

E sobre o outro quadro “Paisagem Algarvia, onde há vermelhos de sangue envenenado e a vegetação é tratada, não em desenho, mas em pasta de tinta, tem a sumptuosidade das obras que não desaparecem com os anos. Outro retalho do Algarve com um céu espantoso de revelação cósmica.” 


fig. 11 - Eduardo Viana Paisagem Algarvia 1925 óleo e cera s/tela 130 x 200 cm. Museu da Presidência da República. Palácio de Belém.

Mário Domingues (2ª ref. 6) utiliza a metáfora das tintas que lhe corre nas veias

Eduardo Viana “pertence a essa geração heroica de lutadores contra a rotina."

E mais adiante “Eduardo Viana, pintor até à medula, tão pintor que nos faz pensar no absurdo de, em vez de sangue, lhe correr tinta bem vermelha e quente nas suas veias, tem a paixão da cor.”

E Mário Domingues não hesita de o classificar como “incontestavelmente o nosso maior pintor” e termina “Eduardo Viana parece ter sido escolhido para empunhar o estandarte da Arte moderna e defrontar com ele o rancor do inimigo decadente.”

 E o mesmo faz o Diário de Notícias (ref. 8)

Eduardo Viana, revela-se um apaixonado das tintas. Põe nelas o seu sangue. As paisagens algarvias, em notas fortes de azuis profundos, de vermelhos ardentes, dão à pintura portuguesa uma orientação sadia e inédita.”

E António Ferro (ref. 14) sintetiza a pintura ou as pinturas de Eduardo Viana numa única frase:

“É Eduardo Viana, o supremo revelador dum Algarve incendiado, duma Sintra voluptuosa, a cuja energia, a cuja vontade, a cuja saúde se deve esta parada única de valores novos.”

 Victor Falcão (ref. 5) sublinha as paisagens e que Eduardo Viana prova, com as telas grandiosas que expõe no Salão de Outono, que é, em Portugal, o primeiro paisagista da sua época.”

 Aquilino Ribeiro no Século (ref. 4), depois de elogiar o facto de ter abandonado a “ganga das escolas desvairadas” escreve:

“Eduardo Viana não foi compreendido ou não se fez compreender, tão rápido como exigia a sua fé de artista, mas agora que o seu pincel se furtou de todo à ganga das escolas desvairadas, que adquiriu equilíbrio sem perder personalidade, que a sua maneira decorre de tela para tela eloquente e segura quem ousaria negar-lhe foros de grande pintor?”


António Soares

 Segue-se António Soares, um conhecido ilustrador de capas e revistas da época, talvez o mais tradicionalista dos “modernos” e por isso da preferência de Artur Portela e de outros críticos, que para isso o consideram na tradição de Columbano Bordallo Pinheiro.

O destaque que o quadro de António Soares retrato do Dr. Motta Cabral” [1] tem na imprensa, é exemplo dessa dimensão mais tradicionalista. Surge em publicações como a Alma Nova que apresenta uma reprodução, e na revista Ilustração, tardiamente com uma reprodução a cores em 1928!

fig. 12 – Dr. Mota Cabral em traje do País por António Soares in Alma Nova n.º 25-27 Janeiro - Março 1921 (pág.16bis)


fig. 13 - António Soares, Retrato do prosador ribatejano Dr. Motta Cabral. In Ilustração n.º 72 de Domingo, 16 de Dezembro de 1928. (pág. 18).

Para Artur Portela (ref. 2) que o considera "o maior do grupo" e compara-o a Columbano:

“António Soares. Para mim, o maior do grupo, direito, altivo, formidável nas escaleiras da concepção. Os três trabalhos que apresenta espantam, vergastam a emoção até à ultima fibrilha nervosa. Para lhe dar uma paridade, que de maneira alguma pode incomodar o artista, só citando Columbano. Mas Columbano na tinta surda, na velatura indecisa das mascaras do “Botequim”, nos pardos ambientes. O resto é só ele, só António Soares, em tudo e por tudo. O retrato de Mota Cabral, onde o artista reuniu todos os elementos que pudessem revelar a vida, o temperamento, o caracter do personagem – é formidável. A admiração espectraliza-se em assombro.

É uma tela de caracter, onde, se há realismo, há também elegância. A energia voluntarista do homem que olha no absoluto domínio do seu destino, tem qualquer coisa de invencível.

No “Botequim”, Soares, foi um doente verídico. Indicou as formas de cada máscara numa névoa de pensamento que, a um e um, revela os tipos. Está ali a geração vencida, sem uma esquina de triunfo; não sonhando, mas sofrendo. Um retrato que fica à direita das telas principais – uma maravilha de documentação psicológica.”

fig. 14 - António Soares O Botequim 1925 (quadro para A Brasileira do Chiado) Col. particular 

Sobre o retrato de Mota Cabral também se pronuncia Victor Falcão (ref. 5) escrevendo que António Soares anuncia-nos, com o seu imponente retrato, ainda inacabado, do dr, Mota Cabral e com os quadros destinados à Brazileira, que mestre Columbano, o único grande pintor da velha escola, tem quem lhe suceda galhardamente na difícil pintura de figura.”

E, também Aquilino Ribeiro (ref. 4) destaca o quadro de Mota Cabral e compara António Soares a Columbano: 

António Soares com o retrato de Mota Cabral e de Fernando Bravo, com as telas destinadas ao Café, presta grandes e solenes provas de pintor. Não se diga em tom baixo de censura que a sugestão de Columbano é evidente na sua obra. Columbano é um mestre de primeira categoria e não fica mal a um novo sofrer a empreite consagrada.”

 E no Diário de Notícias (ref. 8) o autor anónimo também destaca as mesmas pinturas

“António Soares é um grande pintor de grupos. O retrato do Dr. Mota Cabral tem grandeza. A mancha é forte. O “Botequim” é um drama inenarrável de máscaras e de figuras.” 

António Ferro numa referência à pintura de antes da guerra: “António Soares, que abandonou as antes flagrantes “poupées” de papel e tinta para se apoderar duma técnica forte e segura.” (ref. 14).

 O próprio médico Francisco Mota Cabral publica no Diário de Lisboa de 27 de Janeiro uma “Carta aberta ao pintor Eduardo Viana” (ref. 7).


Jorge Barradas

 Sobre Jorge Barradas, outro conhecido ilustrador das revistas da época e outro dos expositores de A Brasileira, destacando o quadro “Lavadeiras” e encontrando neste quadro alguma influência do académico Puvis de Chavanne escreve Artur Portela (ref. 2), 

“Jorge Barradas. O seu panneaux da Brasileira é o mais português, o mais lavadinho de côr, entre todos. A Atmosfera é um sorriso côr de rosa. As figuras das lavadeiras, poucos ou nenhuns gestos, sinteticamente apontadas como fazia Chavannes * – é uma linda crónica da cidade e do campo. Triunfou em absoluto.”

 [*Pierre Puvis de Chavannes (1824-1898), conhecido pintor francês fundador e Presidente da Sociéte nationale des beaux-arts.]

[Infelizmente não encontrei uma reprodução a cores]

fig. 15 Lavadeiras por Jorge Barradas (quadro destinado à Brasileira do Chiado) in Alma Nova n.º 25-27. Janeiro –Março 1925. (pág. 19).


[1] Francisco Motta Cabral (1889-1959), médico e escritor. Em 1925 publicou Ao Sol (notas de um ribatejano) com um retrato por Simão da Veiga e a pintura de António Soares. Edição s/d Portugália Editora Lisboa. 



fig. 16 - Pierre-Cecile Puvis de Chavanne. Le Chant du Berger 1891 Óleo s / tela104,5 × 110 cm. Metropolitain Museum of Art N.Y.


António Ferro considera apenas que “É Jorge Barradas, autor do quadro mais alegre que a Brasileira vai ter.” (ref.14)

E Victor Falcão aponta no quadro As Lavadeiras a luminosidade conseguida através das cores puras. (ref. 5)

“Jorge Barradas com a sua tela As Lavadeiras, tão luminosa e macia que parece uma aguarela, mostra-nos os efeitos encantadores que um artista de gosto pode obter trabalhando simplesmente as côres puras.”

Por sua vez o Diário de Notícias salienta o portuguesismo do quadro, de acordo com a valorização do nacionalismo na época. (ref. 8).

“Jorge Barradas com as lavadeiras afirma as suas esplêndidas qualidades de decorador. O assunto é rico de ingenuidade, de sol português de tipos portugueses.

 Matos Sequeira (ref. 3), elogia o quadro de As Lavadeiras e aponta ainda “uma outra pintura apreciável”.

“Jorge Barradas, neste certame, apresenta-se bem, mas evidentemente torcido na sua maneira de sentir. Ou errei? O seu pincel é decorativo. As lavadeiras têm um intenso pitoresco e, como luz e cor, é agradabilíssimo. O artista, porém, esqueceu-se de si mesmo ao pintar o cântaro que posa de um quadro antigo. Não é verdade Barradas? Tem outra pintura apreciável. É um aspecto do casario com um pátio murado.” 

[Um quadro de Barradas da época]

fig. 17 - Jorge Barradas sem título 1925 óleo s/cartão prensado 39,7 x 27,4 cm. CAM-FCG.

 

Por fim, Aquilino Ribeiro, que conhece as ilustrações, capas de revistas e livros de Jorge Barradas, assinala a sua estreia a óleo:

“Jorge Barradas conserva no óleo – também estreia – a sua perpétua, ingénua e irreverente frescura de aguarelista.” (ref. 4).

Mario Eloy

Matos Sequeira (ref. 3) agrupa Mário Eloy com Clementina Carneiro de Moura e refere os retratos que Mário Eloy apresenta dos quais se destaca o do arquitecto José Pacheko.

“Mário Eloi e D. Maria Clementina Moura estão na mesma altura. O primeiro apresenta alguns retratos (José Pacheco, Rogério Peres, Carlos Queiroz, dr. Mota Cabral, Ferreira Gomes) e quatro pochades. É curiosa a "Mulher da Barraca". O retrato de José Pacheco tem também interesse.

 

fig. 18 - Mario Eloy O Arquitecto José Pacheko 1925, óleo s/tela 196 x 123,5 cm. “Ao José Pacheko / e para a humani / dade O / Vêr e Saber /Mário Eloy /” CAM-FCG.

 António Ferro, também salienta os mesmos quadros. (ref.14) “É Mário Eloy, autor do belo retrato de José Pacheco e desse lindo pormenor de feira, desse pormenor da nossa terra que é “A mulher da barraca”.”

 Artur Portela (ref. 2) considera

“Mário Eloy. Artista que caminha. Menor nos retratos, maior e mais sincero nos trechos de aldeia.”

[Como não é fácil aceder às “aldeias” de Mário Eloy uma paisagem de Lisboa datada de 1924.]

fig. 19 - Mário Eloy (1900-1951). Casas, 1924. Col. Jorge de Brito, Cascais.

E o Diário de Notícias (ref. 8)  também prefere os quadros de Eloy que representam as aldeias portuguesas.

“Mário Eloi simplifica as expressões e anima de luz as aldeias da nossa terra.”

Do mesmo modo se refere Aquilino Ribeiro (ref. 4),

“Mário Eloi está trepando a escada de Jacob animosamente. Notável o seu gosto naturalista.”

 Mas será numa nova concepção da arte do retrato que Mario Eloy se irá distinguir.


fig. 20 - Mário Eloy Mulher com barros ou Mulher da barraca, c. 1923-1925 óleo s/ cartão, 39 x 31 cm.in In Catálogo da Exposição “Um Percurso pela Pintura Portugesa” Colecção Telo de Morais de 3 de Novembro de 2011 a 15 de Janeiro de 2012 Museu Municipal de Coimbra edifício do Chiado Coimbra.

fig. 21 – Mário Eloy, Cabeça 1925, óleo s / tela Col. Dr. Vitor Assunção. in Bernardo Pinto de Almeida, Pintura portuguesa no século XX. 2ª edição Lello Editores Porto Dezembro de 1996. (pág. 78).


Clementina Carneiro de Moura

Artur Portela (ref. 2) sobre Clementina Moura: “Quanto a D. Maria Clementina Moura, notei entre os seus cinco trabalhos, o maior, que é um retrato, seguro de desenho e com certa graciosidade de pincel. Os outros, prejudica-os a preocupação de deixar a técnica à mostra.”

fig. 23 - Clementina Carneiro de Moura, Sem título, óleo sobre madeira 39 x 28,5 cm. Cabral Moncada Leilões 2018.

Aquilino associa Clementina C. de Moura a Sara Afonso

“D. Maria Clementina C. De Moura e Sara Afonso dão ali mostras de sentimento, de um gosto de harmonia e de factura que, pelo conjunto são raras. ” (ref.4).

Sarah Afonso

De Sarah Afonso, como irá assinar, diz Artur Portela (ref.2)destacando as paisagens urbanas trazidas de Paris:

 “Sára Afonso. Paris deu-lhe duas belas ruas, com ambiente, desenho e – o que é mais: a alma da cidade.”

 E o Diário de Notícias (ref.8) também refere que “Sara Afonso trouxe-nos de Paris duas ruas cheias de carácter e de observação.” 

fig. 24  - Sarah Afonso, Au bord de la Marne Joinville-le-Point 1924 óleo s / tela 33 x 41,5 cm. Col. particular.


Mily Possoz

 Artur Portela (ref. 2) destaca as crianças na pintura de Mily Possoz

“Mily Possoz. Ingenuidade de criança, tratando as crianças como graciosas bonequinhas, a quem dá vontade de beijar, mesmo no desenho. Uma sensibilidade que tem a frescura dum coração ao primeiro estremecimento da vida.”

Como, aliás, faz Matos Sequeira (ref. 3) que também refere as crianças de Mily Possoz.

“Mily Possoz, evolui curiosamente... de lado. A fase que agora exibe não a julgo de louvar. As suas crianças são bonecas de pau que brincam em jardins de papel de cor. Esta artista de quem já vi pinturas bem interessantes deveria voltar a uns anos atrás a uns anos atrás no meu rançoso e vetusto entendimento.”

 E o Diário de Notícias (ref.8)

 “Milly Possoz, um belo dinamismo de atitudes, evoca as máscaras das crianças e das bonecas.”

 


fig. 25 -  Mily Possoz, Sem Título. Guache, Grafite e Óleo s/Papel 46,7 x 65 cm. CAM-FCG.


Aquilino Ribeiro (ref.4)

“Milly Possoz firma, se é possível, créditos duma das pintoras mais finas, mais vivazes e mais encantadoras que têm pintado sob o céu de Portugal.”


Emmerico Nunes

De Emmerico Nunes, ilustrador, caricaturista, autor de capas de revistas diz Artur Portela (ref. 2)

“Emérico Nunes. Fresco, delicioso, entornando pela paisagem o sonho de uma alma captiva de ilusão. Tinta pura – bebida ao sol.”

fig. 26 – Emmerico Nunes, Rebelva (Carcavelos) óleo s/cartão 22 x 27 cm. CAM-FCG.


E Matos Sequeira aponta (ref. 3) :

“Emérico Nunes, com seis óleos, dois dos quais, os que na fila de baixo estão ao meio, são bem pintados e revelariam aptidões verdadeiras se ainda o fosse preciso.”

 fig. 27 – Emmerico Nunes, sem título óleo s/ cartão 50 x 52 cm. CAM-FCG.

No Diário de Notícias (ref. 8) apenas um breve comentário:

 “Emérico Nunes tem delicadeza – uma delicadeza idílica, sensível e emotiva.”

 E mais breve ainda o comentário de António Ferro (ref.14)

 “É Emerico Nunes, um realista tocado de poesia...”

fig. 28  – Emmerico Nunes, “Regensburg” 1909 óleo s/ madeira 28 x 33,2 cm. in "Emmérico Nunes por Fernando Pernes", Colecção de Arte Moderna Portuguesa, Galeria Espaço, Porto 1973, imagem15.Veritas Art Auctioneers em 21 de fevereiro 2024.


Lino António

Artur Portela (ref. 2) aponta o quadro “Varinas” reproduzido em Alma Nova (ref. 1):  “Lino António. Varinas: Uma delas tem a sinuosidade dum ritmo. Anda. As outras são fortes, rudes de trabalho, nas mãos e nos pés. A côr não é sólida.” 

 

fig. 29 - Varinas por Lauro António in Alma Nova n.º 25-27. Janeiro –Março 1925. (pág. 19).

A mesma pintura, é  comentada no Diário de Notícias (ref. 8)

“Lino António nas “Varinas”, documenta figuras, um desenho forte que procura a brutalidade das linhas para ultrapassar o cobreado das expressões.”

 Aquilino Ribeiro coloca no início do seu comentário (ref. 4), visitando o Salão, um entusiasmado Raul Brandão (1867-1930) enquanto “admirava, as suas marinhas e paizagens”, na companhia de Teixeira de Pascoaes (1877-1952) o qual ia  “passando pelas telas fora um olhar contemplativo, impenitentemente saudoso”...

 Por isso sobre Lino António evoca “mestre Brandão”

“Lino António espreita um pintor invejável. Delicado, com uma retina amorosa das belas ordenanças e uma dose medida de talento, como lhe conferiu mestre Brandão.

 António Ferro (ref. 14), prenunciando a sua actividade posterior fala em “Lino António, estilizador do povo.”

 Francis Smith

 Sobre Francis Smith que expõe quadros de Paris diz Artur Portela (ref.2)

“Francisco Smith, societário do Salon de Automne de Paris. É um aguarelista cheio de frescura, de tecnica porpositadamente ingenua, maravilhosa de distinção e de elegância, num canto de jardim primaveril; mas forte e característico, de relevo, em duas casas sombrias – duas casas de crime.”

 E Matos Sequeira (ref.3)

“Francisco Smith, dá-nos três quadros, dois dos quais imitando fotografias.”

fig. 31 - Francis Smith, Les petites tables, grande cour (Petit déjeuner à Honfleur), óleo s/tela 54 x 65 cm. CAM FCG.

No Diário de Notícias (ref.8)

 “Francisco Smith dá-nos alguns cantos de Paris. Uma aguarela de jardim é uma maravilha de alegria, de cor, de movimento.”

 E Aquilino Ribeiro sintético (ref. 4): Francisco Smith, dum desenho poderoso e vincado.”

 fig. 32 – Francis Smith, s/titulo 1923.gouache 44,5 x 37 cm. Cortesia da galeria Nasoni. In Bernardo Pinto de Almeida, Pintura portuguesa no século XX. 2ª edição Lello Editores Porto Dezembro de 1996 (pág. 58).

  

Luís Burnay

Artur Portela (ref.2) compara-o com Ignacio Zuloaga Y Zabaleta (1870-1945) pintor espanhol conhecido pelos seus retratos, de que mostramos uma pintura (fig.34)

 “Luís Burnay. Um Zuloaga português, trabalhado com negros espesso. Desenho e caracter.”

fig. 33 - O Violoncelista por Luiz Burnay (1º Salão de Outono) in Alma Nova n.º 25-27. Janeiro –Março 1925. (pág. 20). 

fig. 34 - Ignacio Zuloaga retrato do violinista  Larapidie* 1910 óleo s / tela 184 x 111 cm. Museo Nacionale Reina Sofia Madrid.

 [*Christian Larapidie, (1854-?), famoso violinista, primeiro violino da orquestra do Théâtre de l'Ópera de París em 1875]

 Matos Sequeira (ref. 3) assinala que: “São oito os trabalhos que Luis Ortigão Burnay mostra aos visitantes. Os dois desenhos que estão ao alto são feitos com vigor. Dir-se-iam “águas-fortes”. O retrato do velho caseiro de Santo Isidoro *, como o quadro dos pescadores da Ericeira, acusa um artista. O quadro maior, restrição feita à cabeça da figura, agradou-me sinceramente.” **

 [*João do Mocharro],

[**Homens do Mar]

No Diário de Notícias (ref. 8)

“Luís Burnay é grande na intensidade das tintas. As suas sombras vivem. Há sempre uma ideia em todos os trabalhos que apresenta.”

 E Aquilino Ribeiro remata com “Luís Burnay é pintor feito.” (ref. 4) 

fig. 35 - Luís de Ortigão Burnay (1884-1951) A Ribeira de Lisboa 1924 Aguarela, Tinta da China e Óleo50 x 64 cm. Museu Nacional Grão Vasco. Foto Luísa Oliveira DGPC. Matriz Pix.


Alberto Cardoso

Alberto Cardoso, companheiro de Sousa Cardoso e Mário Eloy em Paris, e que expõe “As montanhas”:

Escreve o crítico Artur Portela (ref. 2)

 Alberto Cardoso é o primeiro nome que abre o catálogo. Valor oculto duma sensibilidade diferente da nossa, estilizando sempre, nem por isso Alberto Cardoso, - reconhecemo-lo com a mais integra das imparcialidades – deixa de ser um valor ou um temperamento. “As Montanhas” têm sobriedade. Há no quadro um contraste pensado que nos agrada: o valor imenso da terra e a nota efémera, e, portanto, fugitiva da acção constructora do homem.”

 Pelo Diário de Notícias (ref. 8) sabemos que “Alberto Cardoso expõe cinco telas, onde há uma vida intensa de pensamento.” 

E é destacado o quadro “As Montanhas” [que] demonstram que o pintor procura os símbolos.”

[Como não encontrei As Montanhas apresenta-se uma pintura de Alberto Cardoso da éoca]

fig. 36 - Alberto Cardoso sem titulo 1920 Papel ,. Papel Guache envernizado 32,2 x 23 4 cm. CAM- FCG.

 Matos Sequeira em O Mundo (ref. 3) escreve criticando Alberto Cardoso, também outra vez atrasado apresenta outra vez a chaise-longue verde acosida a uma muralha e mais cinco pinturas que não entendi, mas que podem ser boníssimas para olhos mais educados.”

 E António Ferro (ref. 14) - que fará pequenas anotações a cada um dos autores -  sobre Alberto Cardoso, sarcástico, escreve: “É Alberto Cardoso, que parou uma estação antes do cubismo.”

 E Aquilino Ribeiro também numa frase: “Alberto Cardoso, mavioso e namorado das gamas brandas.” (ref. 4)

Albert Jourdain

 De Albert Jourdain, pintor belga radicado em Portugal, diz Artur Portela (ref. 2):

Albert Jourdain. Um belga, que nas primeiras ofuscações da paisagem portuguesa, delira de côr, explode côr, num dinamitismo de tintas por vezes desequilibrado. Esta apreciação refere-se estritamente ao seu quadro grande. Nas pequenas manchas, onde as coisas têm de ser mais relacionadas, a tinta incorporada na luz é clara, fresca, tem manhã.”

fig. 37 - Albert Jourdain, Em Casa dos Condes de Valença, Óleo s/contraplacado e cartão 62 x 82 cm. CAM - FCG.

 António Varela

 António (Jorge Rodrigues) Varela, arquitecto, o que aliás se reflecte na sua pintura, cedo a abandonou para se dedicar à arquitectura, realizando nos anos 30 algumas obras exemplares da moderna arquitectura em Portugal.

 Sobre a sua pintura apresentada no 1º Salão de Outono, escreve Artur Portela (ref. 2)

“António Varela. Mais do que novo – ingénuo, arquitecto de ruas, explorando admiravelmente os valores geométricos, numa sinceridade de côr que opera agradavelmente na retina.”

 O Diário de Notícias (ref.8) também sublinha a sua formação de arquitecto que se manifesta na sua pintura:

“António Varela, constrói: depois, pinta. Os seus quadros são desenhados com firmeza, com insistência de linhas.”

 Mas, Aquilino Ribeiro (ref. 4) contradiz afirmando “António Varela, impressionista.”

Enquanto António Ferro (ref. 14) “É António Varela que sabe fixar o relevo de todas as coisas que se dizem mortas e não o são.”

Curiosamente Matos Sequeira (ref. 3) agrupa-o com Lino António e Sara Afonso pelo seu apego a uma pintura tradicional

“António Varela, Lino António e Sara Afonso vão atrasados ainda. Estão na idade do bronze.”

 Os arquitectos

Jaime Brasil (ref.11) depois do ataque aos pintores vai desculpando os arquitectos “(…) que entram ali como Pilatos no Credo, a ver se alguém falava dêles, pois precisam de ganhar a sua vida – e que todos apresentam trabalhos equilibrados e sérios.”

 Artur Portela (ref.2) remata sobre os arquitectos

“A exposição fecha – ou nós fechamos aqui – com os trabalhos de arquitectura que, tanto pelo valor decorativo, como pelo manchado da aguarela, estão a pedir imediata construção nesta sorna, pesada e pombalesca Lisboa.”

 E Matos Sequeira (ref. 3) destaca Carlos Ramos

 “Alguns arquitectos concorreram também ao certame, representando-se bem, tais como Melo Breyner, Segurado, Tertuliano (que está com os novos), Luís Cristino, Carlos Ramos, José Pacheco, Norberto Correia, etc. Entre bastantes projectos notei especialmente dois alçados de Carlos Ramos, de uma casa estilo do século XVIII, inteligentemente projectada. Sim, senhor. Merece um largo parabéns.”

 

No Diário de Notícias (ref. 8)

“Carlos Ramos, Cristino Silva, Gonçalves Melo Breiner, Jorge Segurado, Leo Welther, Norberto Correia e Tertuliano Marques demonstram brilhantemente que a arquitectura portuguesa existe, não já em projectos, mas em definitivas realizações.”

 Aquilino Ribeiro (ref.4) cauteloso, afirma que

Os arquitectos Carlos Ramos, Cristino da Silva, Melo Breyner, José Pacheco, José [é Jorge] Segurado, Leo Walgh, Norberto Correia, Tertuliano Marques trouxeram interessantes especulações do seu lápis e esquadro.”

 E é João Castro (ref. 10) que lamentando a ausência de outros arquitectos, considera que há já uma nova geração que propõe uma arquitectura nova.

“Posto isto e colocaria esta manifestação de arte do Salão de Outono dentro do movimento geral que anima a geração nova quero notar imediatamente uma das mais belas das suas indicações.

Porque revela ainda melhor que a pintura um espírito nacional em manhã segura para uma grande realização apraz-me fazer notar antes de mais nada a existência de uma grande geração de arquitectos.

Embora faltem alguns arquitectos a esta exposição, já por ela se pode ver que há, na realidade, uma geração de fortes criadores de arquitectura. Daqueles que expõem depreende-se a marcha clara para uma arquitectura nova, mas portuguesa, já pelos ensinamentos regionais, já pelas influências estrangeiras, já pela tradição dos estilos históricos.”

 Para finalizar as palavras de António Ferro

“O Salão de Outono, que fechou há dias, veio demonstrar na alegria saudável dos seus quadros, na independência desassombrada dos expositores, que ainda há mocidade em Portugal, e que há, portanto, o dever de não desesperar do dia de amanhã... Os nossos pintores, até hoje, com honrosas excepções, não se tinham apercebido da existência de um grande pintor nacional que deveria ser o mestre de todos: o Sol da nossa terra... Os pintores novos, os pintores que se reuniram este ano, no Salão de Outono, numa reacção admirável contra o preconceito da tristeza lusíada, encheram as suas telas de luz, de cor, de vida, de mocidade... [1]

 



[1] António Ferro, “Os artistas do Salão de Outono. Um belo triunfo para a nova geração – o elogio dos precursores – os quadros destinados à Brasileira do Chiado – Salão de Primavera...” in Diário de Notícias, 16 de Fevereiro de 1925, (pág. 1).

 


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