quarta-feira, 10 de setembro de 2025

reflexão deste acabar de verão

 


Paul Cézanne (1839-1906) Rochers à Fontainebleau 1868 óleo s/tela 41 x 33 cm. Col. Particular.

 

Passou como o Verão, o ardente Estio,

umas cousas por outras se trocaram;

os fementidos Fados já deixaram

do mundo o regimento, ou desvario.

Luís de Camões*


Atrás de mim esta estrada que escolhi

percalço respirando a dúvida dolente

tão aberta sem fim impossível infinita

recanto certo de escuridão pendente.

 

Destroçado silêncio roído pelo tempo

viagem entre pedregulhos e granitos

perdas e profecias agarradas à cidade

papiros de segredos sombras e gritos.

 

A liberdade vigiada neste pátio imundo

a ânsia agreste que fraco vou sentindo

postigo para eu recortar tudo no mundo.

 

Neste sobressalto pelo abismo tentador

correndo pelo poço esquivo do passado

eis as incertezas com que a vida cria dor.



* Luís de Camões Soneto CXVIII in Obras de Luís de Camões Lello & Irmão – Editores Poro 1970. (pág. 63).

 

 



segunda-feira, 8 de setembro de 2025

sem título

 


René Magritte (1898-1967) A la rencontre du plaisir (1950), óleo s/tela 50 x 60 cm. Col. Particular.


Tu chiedi se così tutto vanisce
in questa poca nebbia di memorie;
se nell'ora che torpe o nel sospiro
del frangente si compie ogni destino.

Eugenio Montale *


De luz cansada envelheceu o dia de repente

Céu de outono cinzento, uniforme, luminoso

E o vento adormecido deitou-se persistente

perdendo pouco a pouco o sabor laborioso.

 

Sol vacilante que no horizonte se desvanece

procurada paz que se desfaz em lenta lenda

à espera da negra sombra que não acontece

autêntica acalmia que pelo mundo se inventa.

 

Apenas o curvo e terno abraço do candeeiro

sobressalto tentador no abismo de rochedos

o esquivo poço de um passado quase inteiro

 

Desastrada plenitude desta vivida imperfeição

todas as incertezas com que uma vida cria dor

na lúdica condição daquela íntima imaginação.



*Perguntas se tudo desaparece assim

nesta pequena névoa de memórias;

seja na hora que torpe ou no suspiro

todo o destino se cumpre no momento.

Eugenio Montale (1896-1981) Casa sul Mare Meriggi e ombre de Ossi di seppia  Piero Gobetti Editore Torino, 1ª edição 1925. In Eugenio Montale  L’opera in versi, a cura di R. Bettarini e G. Contini, Torino, Einaudi. 1980. (pág. 92).