quarta-feira, 5 de novembro de 2025

janelas 7

 

A janela fechada, a janela iluminada, a janela aberta


A janela fechada

                                                                "…A janela fechada não tem certeza de si mesma

Nem de ser o que é, nem de ver o que passa…"  [1]

Claude Roy

 

Henri Matisse - que amava as janelas luminosas e abertas - pinta um quadro intitulado “Fenêtre ouverte à Collioure”, algo sombrio e pessimista, provavelmente pelos ventos de guerra que sopravam em 1914.

É uma tela quase abstracta na sua composição, com largas faixas verticais em tons de cinza, de verde e de negro.


Não é uma janela fechada, mas uma janela que se abre para um negro nocturno, que provoca a imaginação. 
Para lá desta porta–janela tudo é possível...

 





















fig. 1- Henri Matisse,Porte-fenêtre a Collioure 1914, óleo s/tela 116,5 x 89 cm. Centre Pompidou, MNAM.


No mesmo sentido, o pintor americano Mark Rothko, que procurava “A eliminação de todos os obstáculos entre o pintor e a ideia e entre a ideia e o observador”, também pinta “Light Red Over Black”, onde se pode ver uma variante do tema da janela, que apesar de fechada ou aberta para o escuro, vibra de luminosidade.























fig. 2 - Mark Rothko (Markus Yakovlevich Rothkowitz  1903-1970), “Light Red Over Black” 1957, óleo s/tela 230 x 152,7 cm. Tate Gallery Londres.

 

O tema já havia sido tratado por Picasso em “La fenêtre fermée”, a janela que embora fechada se abre, apesar de tudo, à luz dourada.

 


 



















fig. 3 - Pablo Ruiz Picasso (1881-1973), “La fenêtre fermée” 1899, óleo s/tela  21,8 x 13,7 cm. Col.particular.

 

A janela de Picasso lembra os versos de Emile Verhaeren:

 "Olhando a nossa alma a renascer,

como renasce após a chuva,

quando o sol a aquece e enxuga docemente,

a pureza do vidro dourado de uma janela. [2]

Verdadeiramente fechada é a janela de Marcel Duchamp (1887-1968), criada no início do século XX























fig. 4 - Marcel-Duchamp, Fresh-widow 1920. Caixilho de madeira pintada dividido em oito quadrados cobertos com couro negro. MoMA, Museu of Modern Art. New-York.

 

Pertence a um conjunto de esculturas que Marcel Duchamp chamou de ready-made, objectos retirados do seu contexto e uso quotidiano, e expostos como obras de arte.

Em 1920, sob o pseudónimo de Rose Sèlavy - cuja pronúncia em francês é “Rose c’est la vie” (Rosa é a vida) - criou esta janela a que chamou “Fresh Widow” (viúva recente), com quadrados negros nos caixilhos, num trocadilho sonoro com “French Window” (janela francesa), nome que nos Estados Unidos era dado a este tipo de janelas.


A janela iluminada

 Na verdade, uma janela nunca está fechada ou aberta para a noite, já que pela imaginação abre-se sempre para a esperança e a liberdade.

Como canta o conhecido poeta Paul Éluard, no famoso poema de 1951:

« La nuit n’est jamais complète
Il y a toujours puisque je le dis,
Puisque je l’affirme,
Au bout du chagrin,
une fenêtre ouverte,
une fenêtre éclairée.

Il y a toujours un rêve qui veille,
désir à combler,
faim à satisfaire,
un cœur généreux,
une main tendue,
une main ouverte,
des yeux attentifs,
une vie: la vie à se partager. »
 
[3]





 


















fig. 5 - Karl Wiener (1901-1949) Mondnacht (noite de luar), 1942 óleo s/tela. Col. particular.

 

António Carneiro quando “é a hora onde as janelas se escapam das casas para se iluminar no fim do mundo” [4] pinta dois “Nocturnos”, um de Leça da Palmeira e outro de Ponte de Lima, nessa noite escura « que nunca está completa» e onde só a luz amarela nas janelas mostra que «há sempre um sonho que paira / um desejo a realizar»

 


fig. 6 - António Carneiro (1872-1930), Nocturno Leça da Palmeira.1910, Óleo Tela 55 x 82 cm. Museu do Chiado - Museu Nacional de Arte Contemporânea.


E o outro quadro de António Carneiro que parece corresponder aos versos de Alberto Caeiro:

 “É noite. A noite é muito escura. Numa casa a uma grande distância

Brilha a luz duma janela.

Vejo-a e sinto-me humano dos pés à cabeça.” [5]

 























fig. 7 - António Carneiro, Nocturno Ponte de limac.1913.. óleo s/tela 60 x 37 cm. Museu do Chiado –MNAC. Colecção do Ministério da Cultura.

 

a janela aberta

« Não basta abrir a janela
Para ver os campos e o rio. »

Alberto Caeiro [6]

 

Pierre Bonnard, guardando sempre a noção da realidade, abre uma janela numa pintura vibrante jogo de cores, que mostra a beleza do mundo em toda a sua generosa diversidade



fig. 8 - Pierre Bonnard (1867-1947), fenêtre ouverte sur la Seine, 1911/12 óleo s/tela 78 x 105,5 cm. Musée des Beaux-Arts Jules Chéret, Nice France.


Lembrando o poema de Apollinaire intitulado precisamente “Les Fenêtres”, e que se inicia com:

« Du rouge au vert tout le jaune se meurt
Quand chantent les aras dans les forêts natales
(…) » *

E termina evocando a janela “que se abre como uma laranja” numa abertura como este belo fruto à luz do sol.

« La fenêtre s’ouvre comme une orange
Le beau fruit de la lumière. » **
[7]


Mas, como a janela fechada pode sempre estar aberta, também esta janela aberta pode ser "uma janela fechada, e todo o mundo lá fora;

E um sonho do que se poderia ver se a janela se abrisse,
Que nunca é o que se vê quando se abre a janela. »
[8]

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 



[1] Claude Roy (1915-1997), La Fenêtre fermée in Poésies Préface de Pierre Gardais et Jacques Roubaud. Éditions Gallimard 1970. […La fenêtre fermée n’est pas très sûre d’elle / Ni d’être ce qu’elle est ni de voir ce qui passe]

[2] Emile Verhaeren Les Heures du Soir, précédées de Les Heures claires, Les Heures d'après-midi. 12.e Édition. Mercvre de France, XXVI, Rue Condé Paris MCMXXII. (Pag.120).

[ Olhando a nossa alma a renascer, / como renasce após a chuva, / quando o sol a aquece e enxuga docemente, / a pureza do vidro dourado de uma janela.]

 [3] Paul Éluard (1895-1952) in Derniers poèmes d’amour, commenté par Lucien Scheler, in Colection Poésie d’abord, Éditions Seghers, Paris 1962.

Ouso uma (má) tradução literal para quem não percebe o francês:

 [A noite nunca está completa / Há sempre, já que eu o digo, / Já que o afirmo, / No fim da tristeza, / Uma janela aberta, / Uma janela iluminada. // Há sempre um sonho que paira, / um desejo a realizar, / uma fome a saciar, / um coração generoso, / uma mão estendida, / uma mão aberta, / olhos atentos, / uma vida: a vida a ser partilhada.]

[4] René Char (1907-1988), Fragment 180 des Feuillets d'Hvpnos in Fureur et Mystére Preface de Yves Berger. Éditions Gallimard 1967. [C'est l’heure où les fenetres s'echappent des maisons pour s'allumer au bout du monde]

[5] Alberto Caeiro, Poemas inconjuntos (1913-1915) in in Athena, n.º 5, Fevereiro de 1925, (pág.197). E em Fernando Pessoa, Obra Poética Volume único. Companhia Aguilar Editora, Rio de Janeiro,1965. (pág. 237).

[6] Alberto Caeiro (Fernando Pessoa 1888 -1935), Poemas Inconjuntos (1913-1915) in Athena, n.º 5, Fevereiro de 1925, (pág.197). E em Fernando Pessoa, Obra Poética Volume único. Companhia Aguilar Editora, Rio de Janeiro, 1965 (pág. 231).

« Não basta abrir a janela / Para ver os campos e o rio. / Não é bastante não ser cego / Para ver as árvores e as flores.
É preciso também não ter filosofia nenhuma. / Com filosofia não há árvores: há ideias apenas. / Há só cada um de nós, como uma cave. / Há só uma janela fechada, e todo o mundo lá fora; / E um sonho do que se poderia ver se a janela se abrisse, / Que nunca é o que se vê quando se abre a janela.”

 

[7] Guillaume Apollinaire (1880-1918), Les Fenêtres de Calligrammes. Poèmes de la Paix et de la Guerre (1913-1916). Mercure de France, XXVI, Rue Le Condé, Paris MCM XVIII. (pág.17 e 18).

 [ *do vermelho ao verde todo o amarelo vai morrendo / Quando cantam as araras nas florestas onde nascem…]

 [ **A janela abre-se como uma laranja / O belo fruto da luz.]

 

[8] Alberto Caeiro (Fernando Pessoa 1888 -1935), Poemas Inconjuntos (1913-1915) in Athena, n.º 5, Fevereiro de 1925, (pág.197). E em Fernando Pessoa, Obra Poética Volume único. Companhia Aguilar Editora. Rio de Janeiro,1965 (pág. 231). Ver nota 6.

 

Sem comentários:

Enviar um comentário