quinta-feira, 17 de junho de 2021

Apontamentos sobre a Lisboa e Sevilha nos séculos XVI e XVII (1)

  

Deambulações pelas cidades de Lisboa e Sevilha no tempo dos Filipes, a partir de algumas imagens e textos da época

 

I Parte

Apontamento 1 – Os reinos de Portugal e de Espanha no século XVI

 

A partir dos finais do século XV, no reinado (1481-1495) de D. João II (1455-1495) e no reinado (1495-1521) de D. Manuel I (1469-1521), com o poder e os conhecimentos de navegação acumulados e que então detêm.

 

“Determinam o náutico aparelho,

Pera que, com sublime coração,

Vá a gente que mandar cortando os mares

A buscar novos climas, novos ares.” [1]

 

Em Espanha, nos reinados dos Reis Católicos, Isabel de Castela (1451-1504) rainha entre 1474 e 1504 e Fernando de Aragão (1452-1516) rei entre 1479 e 1516, prosseguindo no reinado (1516-1556) de Carlos V (1500-1558), do mesmo modo é promovida a política de exploração oceânica para ocidente.

 

A navegação e o domínio dos mares, tornaram-se então o principal factor de riqueza e poderio de uma nação, nesse caminho aberto pelos portugueses e espanhóis, mas a quem, ao longo dos séculos XVI e XVII, se juntam ingleses, franceses e holandeses.

No entanto, ao longo do século XVI, foram os dois reinos ibéricos, que alcançaram um notável enriquecimento e crescimento pelo domínio dos mares.

Em 1537 é publicado um conhecido desenho de um mapa antropormófico, da autoria de Johann Putsch (1516-1542), orientado no sentido poente-nascente (na parte superior está escrito Occasus), representando a Europa, como uma Rainha, uma figura com os atributos de uma soberana.

 

fig. 1 - Johann Putsch (1516-1542) Europa Regina 1537 Paris edition by Johannes Putsch. Tiroler Landesmuseum Ferdinandeum, Innsbruck.

 

A cabeça desse mapa-figura é a Península Ibérica, onde está representado Portugal (Lusitania) com as Armas nacionais, em uma faixa no centro da coroa.

 

fig. 2 - Johann Putsch (1516-1542) Pormenor de Europa Regina 1537.

 

Esta ideia de Cabeça da Europa, tinha sido já avançada por Lorenzo Valla (1407-1457), um italiano, no seu livro historiarum Ferdinani regis aragoniae (Historia de Fernando de Aragão), de 1446, onde escreve:

“De Espanha, podemos dizer com toda a justiça, que é a cabeça da Europa, a qual, por sua vez, é a mais importante das três partes em que dividimos a superfície terrestre, sendo também a cabeça da orbe terrestre.”

No original em Latim: " hoc est in Hispania: quam caput Europae, etsi illa trium dignissima est, caput orbis terrarum fateri licet…"  [2]

E mais adiante: “Mas do mesmo modo que pensamos que Espanha, em relação ao céu, se situa à direita, para onde se inclina o ocaso, também em relação ao globo terrestre, já que é evidente que é a Cabeça da Europa, sem competir em dignidade com o Oriente.”

No original em Latim: “Verum ficut ad cælũ Hispania, qua vergit in occasum in dextra esse censenda est, ita ad ipsum orbem terrarum, quia certissimum est caput Europæ, caput nominari potest: nichil obstante eo, quod de dignitate orientis opponitur.” [3]

 

Henrich Bunting (1545 – 1606), um teólogo protestante publicou em 1581, um livro de grande sucesso, Itinerarium Sacrae Scripturae, que terá diversas edições até 1757.

Nele estão diversas gravuras uma das quais representa a Europa como Virgem, inspirada no desenho de Putsch, mas neste caso com a figura deitada, ou seja, um mapa da Europa orientado no sentido norte-sul.

 

fig. 3 - Heinrich Bunting (1545 – 1606), Europa Prima Pars Terrae in Forma Virginis. Hanover c.1581.

 

A Cabeça é a Hispania (Espanha) com os reinos Navarra e Aragon (Aragão) e na coroa - ao centro - a Lusitania (Portugal). No pescoço os Montes Pirenéus que separam do resto do corpo com os outros países da Europa.

 

 

fig. 4 - Heinrich Bunting (1545 – 1606). Pormenor de Europa Prima Pars Terrae in Forma Virginis. Hanover c.1581.

 

E Pedro de Medina (c.1493-c.1567), matemático, geógrafo e cartógrafo espanhol, no seu Libro d[e] grandezas y cosas memorables de España.de 1548, também considera o seu país como a cabeça da Europa, já que é o início das três partes do mundo.

“La redondez dela tierra se divide en três partes, que son / Europa / Africa / Asia, y para dezir destas comiença de España: assi como principio: y cabeça dellas. [4]

 

Nos meados do século XVI, Sebastian Münster (1489-1552), desenha um mapa da Europa, orientado no sentido sul-norte, em que na Península Ibérica apenas assinala a Hispania.

 

fig. 5 - Sebastian Münster (1489-1552), Europa das ein Drittheil der Erden, nach gelegenheit unsern zeiten. Heinrich Petri, Basel, 1550.

 

A partir deste mapa e dos desenhos de Putsch e de Bunting, desenha um uma Europa Regina (Europa Raínha) que publica na sua Cosmographia (publicadas entre 1550 e 1628).

 

fig. 6 - Sebastian Münster (1489-1552) Europa Regina 26 x 16 cm. in Cosmographia Basel 1570.

Na edição de 1570, o continente europeu, é representado como uma rainha cuja cabeça coroada é a Península Ibérica (Hispania), desaparecendo Portugal (embora ainda não tenha perdido a independência), o braço direito é a Itália tendo na mão direita uma esfera (Sicília), e o braço esquerdo a Dinamarca (Dania), que segura um ceptro onde a Inglaterra (Anglia) e a Escócia (Scotia) surgem como flâmula.

A Europa está rodeada por mar excepto pela Tartaria, a região que se estendia para além da Scythia, a região entre os rios Danúbio e Volga.

 

fig. 7 - Sebastian Münster (1489-1552) Pormenor de Europa Regina in Cosmographia Basel 1570.

 

Em Portugal, Luís de Camões (c.1524-1580), no Canto III de Os Lusíadas, também parece conhecer esta representação da Europa, quando escreve:


Est.17

“Eis aqui se descobre a nobre Espanha,

Como cabeça ali de Europa toda,

Em cujo senhorio e glória estranha

Muita volta tem dado a fatal roda;

Mas nunca poderá, com força ou manha,

A fortuna inquieta pôr-lhe noda

Que lha não tire o esforço e ousadia

Dos belicosos peitos que em si cria.”  [5]

 

Mas Camões, de seguida, refere Portugal como o cérebro, o cume da cabeça da Europa:

 

Est. 20

“Eis aqui, quase cume da cabeça

De Europa toda, o Reino Lusitano,

Onde a terra se acaba e o mar começa.

E onde Febo repousa no Oceano.

Este quis o Céu justo que floresça

Nas armas contra o torpe Mauritano,

Deitando-o de si fora; e lá na ardente

África estar quieto o não consente.”  [6]



[1] Luís Vaz de Camões (c.1524-1580), Os Lusíadas, Est. LXXVI, Canto IV, in Obras de Luís de Camões. Lello & Irmão – Editores, Porto 1970. (pág. 1232).

[2] Lorenzo Vala, Laurentii vallensis, patitii romani, historiarum Ferdinani regis aragoniae: Libri treis, Ex. aedibus Simonis Colínaeri. Parisiis 1521. (pág. 8).

[3] Lorenzo Vala, Laurentii vallensis, patitii romani, historiarum Ferdinani regis aragoniae: Libri treis, Ex. aedibus Simonis Colínaeri. Parisiis 1521. (pág. 8 vs).

[4] Pedro de Medina (c.1493-c.1567), Libro d[e] grandezas y cosas memorables de España. Agora de nuevo hecho y copilado por el Maestro Pedro de Medina vezino de Sevilla. Dirigido al Serenissimo y muy esclarecido Señor D. Filipe Principe de España.e Nuestro Señor. En casa de Dominico d[e] Robertis. Sevilla. M D XL VIII. (pág. 24).

[5] Luís Vaz de Camões (c.1524-1580), Os Lusíadas (1572), Est. XVII, Canto III, in Obras de Luís de Camões. Lello & Irmão – Editores, Porto 1970. (pág. 1181).

[6] Luís Vaz de Camões (c.1524-1580), Os Lusíadas, Est. XVII, Canto III, in Obras de Luís de Camões. Lello & Irmão – Editores, Porto 1970. (pág. 1182).

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